TEMER TEVE REUNIÃO FORA DA AGENDA COM GILMAR

ANDRÉ SOUZA

TATYANE MENDES

29/06/2017

 

 

Encontro foi na noite de terça-feira, na casa do ministro do STF; Moreira e Padilha também compareceram

Na terça-feira à noite, véspera da sessão do Supremo Tribunal Federal sobre a validade da delação da JBS e da escolha de Raquel Dodge para a Procuradoria-Geral da República, o presidente Michel Temer teve uma reunião, fora da agenda oficial, com Gilmar Mendes, na casa do ministro do STF. Também participaram do encontro os ministros Moreira Franco (Secretaria Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil), revelou a Globonews.

O Palácio do Planalto confirmou o encontro e disse que eles trataram de reforma política. Três fontes da GloboNews disseram que a sucessão de Rodrigo Janot foi discutida no encontro. O Planalto não comentou se o tema foi discutido, mas não explicou por que o encontro não foi divulgado.

“O presidente Michel Temer marcou o jantar com o ministro Gilmar Mendes para discutir Reforma Política. Ao saberem do encontro, os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco resolveram participar”, disse o Palácio do Planalto em nota enviada à GloboNews.

A assessoria de Gilmar Mendes atestou ao GLOBO que o encontro ocorreu na residência do ministro e, assim como o Planalto, que o tema do encontro foi “reforma política”.

O STF acabou adiando para hoje a decisão sobre a extensão dos poderes de integrantes de tribunais superiores na hora de rever as cláusulas de um acordo de delação premiada. A maioria dos ministros avalia que o plenário não pode interferir no trabalho do relator na fase inicial da colaboração. A maioria também entende que só na fase final de julgamento se pode analisar se o acordo de delação foi efetivo, mas há divergências se é possível ou não rever os termos do que foi combinado com o Ministério Público.

Estão sendo julgados questionamentos específicos à delação de executivos do frigorífico JBS, mas o entendimento do STF balizará outras colaborações. Os dez ministros que votaram até agora concordaram que Edson Fachin deve permanecer na relatoria do caso. Deles, somente Gilmar Mendes avaliou que cabe ao plenário homologar a delação, enquanto os outros nove entenderam que essa é uma tarefa apenas do relator. As divergências sobre o papel do plenário na revisão do acordo, que já tinham aparecido na semana passada, quando o julgamento começou, ficaram mais evidentes ontem.

Cinco ministros — Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Celso de Mello, Edson Fachin e Rosa Weber — consideram um acordo de delação, depois de homologado pelo STF, imutável. Se o delator descumprir algum termo do acordo, no entanto, poderá perder benefícios na fase da sentença.

— O imprescindível controle judicial ocorrerá quando da homologação do acordo e de seu cumprimento, mas uma vez homologado e cumprido o acordo, não há como o juiz retratarse da sentença — disse Celso De Mello, acrescentando: — Os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração.

O ministro Ricardo Lewandowski defendeu que o plenário do STF pode fazer uma análise ampla ao fim das apurações, podendo revogar não apenas benefícios específicos, mas toda a delação, se considerar que o acordo feriu a Constituição ou alguma lei. Marco Aurélio também defendeu uma revisão numa extensão maior do que a defendida pelos cinco ministros.

— Não estou atrelado ao que é acertado entre o Estado acusador e o delator — discordou Marco Aurélio.

Gilmar Mendes, derrotado em outro ponto, se juntará a Lewandowski e Marco Aurélio.

Dois ministros — Alexandre de Moraes e Dias Toffoli — ainda não se manifestaram a respeito. E a presidente do STF, Cármen Lúcia, não votou ainda. Dependendo da forma como Moraes e Toffoli votarem, caberá a ela desempatar o placar. Fachin chegou a dizer que esse ponto não deveria ser analisado agora, mas, diante das manifestações dos colegas, expressou seu ponto de vista:

— Não sei se devemos avançar a esse ponto. Mas se avançar, já digo que estou de acordo (com Barroso, Fux, Celso e Rosa).

Além das regras das delações, os ministros também fizeram comentários sobre atuação do Ministério Público Federal (MPF). De um lado, Gilmar Mendes, o primeiro a se manifestar, fez pesadas críticas à instituição. Do outro, Celso de Mello, o mais antigo integrante da corte defendeu o MPF e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

Gilmar atacou, por exemplo, uma cláusula do acordo de delação premiada firmado pelo primeiro colaborador da Lava-Jato, o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que previa a destinação de 20% dos valores recuperados para o MPF. Esse ponto do acordo, porém, foi vetado pelo antigo relator da Lava-Jato, Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em janeiro. Ele determinou que todos os recursos fossem destinados à Petrobras.

— Podem inventar qualquer coisa. Daqui a pouco serão pagamentos diretos aos procuradores — atacou Gilmar.

Em um dos momentos em que mais se exaltou no seu voto, Gilmar afirmou que o STF deve lealdade à Constituição, e não à Procuradoria, como forma de dizer que é possível rever acordos firmados pelo MPF. Celso rebateu, dizendo que em nenhum momento foi dito que havia um dever de lealdade ao MPF nos acordos de delação. A lealdade, disse ele, é com o cumprimento do acordo firmado pelo delator, que confiou no Estado e não pode ser ameaçado de ter seus benefícios retirados mesmo cumprindo todas as cláusulas.

Gilmar relatou possíveis casos em que os potenciais delatores inventam histórias contra delatados de modo a conseguir o benefício. Segundo ele, há pressão sobre os possíveis colaboradores.

— Não é uma prática condizente com o Estado de direito. Quem faz isso, não age de maneira correta, é preciso dizê-lo. Estou convicto que esse sistema expõe de forma excessiva a honra dos delatados, que são apresentados à sociedade como culpados antes mesmo de saber do quê.

O globo, n.30642 , 29/06/2017. PAÍS, p. 5