‘Silêncio das ruas’ teve duplo sentido

Alexa Salomão

29/04/2017

 

 

Enquanto parte dos acadêmicos e analistas considerou a greve um sucesso, outros consideraram a mobilização fraca, por falta de gente na rua

 

 

 

Acostumados aos recentes protestos, com milhares de populares tomando avenidas pelo País, a greve geral com “clima de feriado” provocou reações dúbias entre acadêmicos e analistas acostumados a observar – e interpretar – fenômenos econômicos, sociais e políticos que emergem das massas. Enquanto alguns avaliaram o “silêncio das ruas” como um sinal de baixo engajamento, outros consideraram o ato um sucesso, alegando que uma greve pressupõe a parada que se viu.

Para uma parcela dos observadores, os piquetes pontuais em ruas vazias deixaram a impressão de que a maioria das pessoas não foi trabalhar por pura falta de opção para se locomover ou medo de represália, já que na véspera se espalhou a informação de que manifestantes iriam interditar avenidas de grandes cidades e rodovias.

Nesse caso, o movimento estaria restrito à ação organizada de alguns sindicatos, corporações, grupos estudantis. Teria faltado a adesão espontânea da população, como se viu nos protestos contrários ao aumento da passagem do transporte público, em 2013, e em favor do impeachment, no ano passado.

“Não poderia haver silêncio nas ruas porque essa greve teve uma natureza diferente das greves por salários, como a dos metalúrgicos”, diz o pesquisador Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV).

“Fazer greve é parar porque você quer impor um prejuízo para o seu patrão; é usar um instrumento de barganha na relação conflituosa entre capital e trabalho, mas essa foi uma greve puramente política, contra algumas medidas do governo Temer: não ir para rua, nesse caso, não é greve, é feriado.” Essa também foi a percepção do economista-chefe da Rio Bravo, Evandro Buccini, que teve ontem um dia de trabalho comum.

Ficou para ele a percepção de que a mobilização deixou a desejar. “Pareceu um movimento isolado, com impacto baixo, mas se mobilizações similares se repetirem nas próximas semanas, posso reconsiderar a avaliação”, disse Buccini.

Sinal de força. O chefe do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Ruy Braga, tem análise oposta. “Não deixa de ser até certo ponto surpreendente que o movimento tenha se estruturado nacionalmente, algo que não é frequente na história do Brasil: a última greve nacional do gênero ocorreu em 1996.” Braga lembra que greves gerais são difíceis de construir em qualquer lugar do mundo, porque exigem um nível elevado de integração entre movimentos sociais, sindicais e instituições muito diferentes, que muitas vezes têm até dificuldades de conversarem entre elas mesmas.

O “feriadão” nacional também foi interpretado por muitos como um sutil sinal de adesão da população. “A maioria das pessoas tem medo de participar desse tipo de manifestação: se ela faltar, perde o ponto”, disse Flávio Batista, professor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Porém, disse, seja qual for o motivo, o fato é que, para os padrões brasileiros, um número grande de pessoas aderiu – sinalizando insatisfação. “O ponto é que a estamos assistindo a implantação de reformas que não foram referendados democraticamente e isso incomoda.”

 

‘Fazer greve é parar porque você quer impor um prejuízo para o seu patrão’

Samuel Pessôa, pesquisador do Ibre/FGV

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45119, 29/04/2017. Economia, p. B5.