Depoimentos rondam Temer 
Jailton de Carvalho e Gustavo Schmitt
15/06/2017
 
 
Funaro dá mais detalhes de operações financeiras suspeitas; Cunha fala à Polícia Federal

BRASÍLIA E SÃO PAULO- Em um segundo depoimento à Polícia Federal, ontem, o doleiro Lúcio Bolonha Funaro fez revelações que podem complicar ainda mais a situação do presidente Michel Temer e do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, investigados por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça. Chamado para esclarecer pontos incompletos do interrogatório anterior, ocorrido no dia 2 deste mês, Funaro respondeu a todas as perguntas do delegado que está à frente do inquérito. O depoimento se prolongou por mais de quatro horas, o que indicaria o forte interesse dos investigadores nas informações fornecidas pelo operador.

No primeiro depoimento, Funaro acusou Geddel de fazer sondagens para saber se ele iria mesmo fazer acordo de delação premiada, como estava sendo ventilado pela imprensa. O ex-ministro, um dos principais aliados de Temer, teria ligado várias vezes para a mulher de Funaro em busca de informações sobre os planos do doleiro. Em uma conversa com Temer, em 7 de março deste ano, o empresário Joesley Batista, um dos donos da JBS, disse que estava pagando mesadas a Funaro e ao ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para que os dois não fizessem delação. Temer teria dito, “tem que manter isso. Viu ?”.

Funaro afirmou também que até ser demitido, Geddel era o principal interlocutor de Joesley no governo. A questão é importante porque, ainda na conversa com Temer, Joesley diz que, com Geddel fora de cena, precisaria de um novo interlocutor. Temer indica, então, Rocha Loures para tratar de “tudo” com o empresário. Dias depois, o ex-assessor sai a campo e trata de decisões e cargos estratégicos do governo com Joesley. Em outro momento, é filmado recebendo uma mala com R$ 500 mil de Ricardo Saud, operador da propina da JBS.

INTERESSE NA DELAÇÃO PREMIADA

O dinheiro seria a primeira parcela de um suborno que, pelos cálculos da Policia Federal, bateria a casa dos R$ 600 milhões ao longo de 25 anos. Segundo Saud, o dinheiro seria para Temer. As conversas e o recebimento do dinheiro resultaram na abertura de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) e na prisão de Rocha Loures. No início, Funaro se mostrava reticente em colaborar. Mas, há duas semanas, contratou o advogado Antonio Figueiredo Basto para negociar acordo de delação com a Procuradoria-Geral da República.

Na semana passada, o advogado Bruno Espiñeira Lemos, coordenador da defesa de Funaro, disse que seu cliente está decidido a colaborar com a Justiça.

— Tudo que estiver ao alcance dele, ele vai esclarecer — disse Lemos.

está preso no Complexo Penitenciário da Papuda desde junho do ano passado. Ele é acusado de se associar ao ex-deputado Eduardo Cunha para desviar dinheiro público e construir uma rede de poder político a partir de financiamento legal e ilegal de campanhas eleitorais de determinados candidatos. O doleiro é suspeito de ter intermediado um repasse de R$ 4 milhões da Odebrecht para um grupo de políticos do PMDB mais próximos a Temer. Parte do dinheiro teria sido entregue por Funaro no escritório de advocacia de José Yunes Filho, um dos ex-auxiliares e amigo pessoal de Temer.

Assessor especial de Temer, Yunes pediu demissão em dezembro passado, quando soube que as informações sobre a entrega do dinheiro no escritório dele apareceriam em delações de executivos da Odebrecht. Os R$ 4 milhões fariam parte de um total de R$ 10 milhões acertados em um jantar oferecido por Temer a Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht, no Palácio do Jaburu, na campanha eleitoral de 2014. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República no início deste ano, Yunes disse que Funaro realmente deixou um pacote no escritório dele.

A tentativa de Funaro de fazer acordo de delação aumenta a pressão sobre Temer. O presidente e pelo menos oito ministros já estão sendo investigados por corrupção. O movimento do operador, aliás, já teria provocado forte reação de Eduardo Cunha, que está preso em Curitiba. Até recentemente, o ex-deputado considerava impossível que o ex-operador partisse para uma colaboração. Isso torna também fragiliza a posição de Cunha, que tem quatro mandados de prisão.

CUNHA REBATE ACUSAÇÕES

Em depoimento ontem à Polícia Federal, em Curitiba, Cunha manteve a linha de rebater as acusações de que a JBS pagou para que se mantivesse calado na prisão. Cunha disse que nunca negociou seu silêncio com o governo federal.

— Ele (Cunha) disse que não foi comprado e que seu silêncio nunca esteve à venda — afirmou o advogado Rodrigo Sanchez Ríos, após acompanhar a oitiva de Cunha, que durou cerca de duas horas.

O depoimento foi marcado para que Cunha respondesse a 47 das 82 perguntas formuladas pela PF ao presiFunaro dente Michel Temer no inquérito que investiga se o presidente cometeu crime de corrupção, obstrução à Justiça e organização criminosa. As perguntas foram formuladas em Brasília e lidas a Cunha pelo delegado Maurício Moscardi Grillo (que conduz o inquérito da Operação Carne Fraca).

De acordo com pessoas próximas, o ex-deputado não recuou ao evitar ataques a Temer em seu depoimento. Cunha ainda avalia seus próximos passos, embora não descarte implicar o presidente. O ex-presidente da Câmara teria decidido adotar cautela enquanto não tiver acesso à íntegra dos documentos do inquérito da JBS, sobretudo das gravações telefônicas. A preocupação é que haja algum elemento que possa complicar sua situação.

De acordo com Ríos, Cunha respondeu a 23 dos questionamentos sobre o caso JBS — somente aqueles não relacionados ao processo em que ele é acusado de receber propina por parte de empresas interessadas em sua influência para facilitar empréstimos do FGTS.

— O deputado fez uma declaração geral. A metade das perguntas dizia respeito à ação penal sobre FGTS, e em reação a isso é mais fácil responder dentro do processo, são perguntas retiradas da nossa defesa. Quanto aos fatos da JBS, o deputado ressaltou mais uma vez que o silêncio dele nunca esteve à venda, ou seja, nunca o procuraram, nem ao presidente Temer nem interlocutores próximos ao presidente, para comprar o silêncio do deputado. Então ele refutou todas as perguntas relacionadas a esse fato — declarou o advogado à saída do depoimento de Cunha.

O advogado disse ainda que Cunha negou conhecer a irmã de Lúcio Funaro, e que se houve uma ação controlada quanto ao dinheiro encontrado com ela é possível “ver para onde se direcionavam as notas”.

Cunha foi levado do Complexo Médico Penal, onde está preso, à sede da Polícia Federal no bairro Santa Cândida em Curitiba no início da manhã de ontem. O ex-deputado foi condenado a 15 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro por colaborar no esquema de corrupção da Petrobras.

O inquérito que investiga o presidente Temer foi autorizado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin após a delação da empresa JBS. De acordo com a Procuradoria Geral da República (PGR), um diálogo gravado por Joesley Batista e apresentado em sua delação dá a entender que o presidente autorizou a compra do silêncio de Eduardo Cunha para que ele não fechasse acordo de delação premiada.

Frase

“Cunha ressaltou que o silêncio dele nunca esteve à venda, ou seja, nunca o procuraram, nem ao presidente Temer nem interlocutores próximos ao presidente, para comprar o silêncio do deputado”

Rodrigo Sanches Ríos

Advogado de Eduardo Cunha

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O ‘homem da mala’ agora em novo endereço

15/06/2017

 

 

Deputado afastado, Rocha Loures é transferido da Penitenciária da Papuda para a carceragem da Polícia Federal, em Brasília

Autorizado pelo ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), a deixar o Complexo Penitenciário da Papuda por ter alegado riscos à sua segurança, o ex-deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) se mudou ontem para seu novo endereço: a carceragem da Polícia Federal (PF), em Brasília.

Rocha Loures tinha solicitado a transferência para a prisão domiciliar e a designação de uma equipe da PF para protegê-lo. Fachin considerou os fatos graves, mas não aceitou os pedidos. Em vez disso, determinou a transferência para a carceragem da PF. Também determinou o encaminhamento das informações ao Ministério Público Federal (MPF), a fim de investigá-los.

“Os fatos narrados, ainda que não estejam desde logo embasados em elementos probatórios que lhes deem suporte, são graves o suficiente para que se dê ao menos notícia ao Ministério Público a quem incumbe, no âmbito de suas atribuições, deflagrar instrumentos voltados à respectiva apuração. Por essa razão, determino remessa dos autos ao Ministério Público Federal para manifestação”, escreveu Fachin.

O ex-deputado estava preso desde o último dia 7 e é apontado como o “homem da mala”, do presidente Michel Temer, por ter sido flagrado recebendo uma mala com R$ 500 mil em propina da JBS, depois de ter sido apontado pelo presidente como pessoa a ser procurada pelo dono da empresa, Joesley Batista.

O suposto suborno seria a primeira parcela de uma propina de R$ 480 milhões a ser paga ao longo de 20 anos, conforme o sucesso das transações da empresa.

Rocha Loures e Temer são investigados no mesmo inquérito por corrupção e tentativa de obstrução à Justiça. No pedido de prisão feito por Rodrigo Janot, o procurador-geral da República disse que Loures é um assessor próximo do presidente. No último dia 6, Rocha Loures teve negado pelo STF pedido de habeas corpus.

 

O globo, n. 30628, 15/06/2017. País, p. 3