Mercosul avalia risco de expulsar Venezuela

Lu Aiko Otta

01/04/2017

 

 

Segundo chanceler brasileiro, Maduro pode denunciar conspiração externa caso bloco exclua Caracas; reunião ocorre em Buenos Aires

 

 

Os chanceleres dos países fundadores do Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) farão uma reunião de emergência hoje, em Buenos Aires, para discutir sua reação ao agravamento da crise na Venezuela. O tema central deverá ser a suspensão do país do bloco econômico. É possível que se discuta uma medida ainda mais dura: a expulsão.

“Vamos analisar os últimos lances do governo bolivariano rumo à ditadura”, disse ao Estado o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes. Questionado se o Brasil defenderia a suspensão da Venezuela, ele disse que não iria “com a posição fechada antes de ouvir opiniões dos demais chanceleres.” Nunes informou que tampouco levará à reunião uma proposta de expulsão, embora admita que o tema possa ser tratado.

“Estou convencido de que a ruptura da ordem constitucional da própria Venezuela configura negação dos valores e compromissos democráticos essenciais do Mercosul”, comentou.

Ele explicou que há sérias dúvidas se a expulsão contribuirá ou não para uma solução positiva para a crise. “Na discussão de amanhã (hoje), cotejaremos informações e pontos de vista. Inclusive um, muito ponderável, de que passar da suspensão à exclusão pode reforçar a tese tão cara a este quanto a outros governos despóticos do ‘cerco do inimigo externo’.” Nos bastidores, avalia-se que não há mais como dizer que a Venezuela é uma democracia, depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) assumiu as funções da Assembleia Nacional, de maioria oposicionista, e foram suspensas imunidades de parlamentares. Trata-se de uma medida similar ao fechamento do Congresso. O desrespeito a ela teria ficado “escancarado”.

O Itamaraty já havia oficializado uma posição dura na quinta-feira, quando disse em nota que havia ocorrido, na Venezuela, um “claro rompimento da ordem constitucional”. A nota afirma ainda que o respeito à independência entre poderes é um “elemento essencial à democracia”.

Desde o início do governo de Michel Temer, o Brasil tem defendido nos bastidores um endurecimento em relação à administração do presidente Nicolás Maduro. Já havia uma articulação para a aplicação da cláusula democrática do bloco contra a Venezuela, mas a ideia estava em banho-maria em razão da resistência do Uruguai. Agora, o quadro mudou completamente.

Ontem, o Uruguai assinou uma nota conjunta com outros países-membros da Unasul, condenando a situação na Venezuela.

O argumento uruguaio para se manter contra a punição a Caracas era que, mesmo com o viés autoritário do governo de Maduro, a oposição venezuelana havia ganho uma eleição parlamentar em dezembro de 2015 e dominava o Congresso.

A Venezuela já está suspensa do bloco desde dezembro, por não haver acolhido em sua legislação, dentro do prazo, um conjunto de regras adotadas pelos demais sócios. Essa era uma condição prevista no protocolo que a incluiu na Unasul. Se o Mercosul decidir pela aplicação da cláusula democrática, ela será suspensa uma segunda vez, em uma decisão com peso político muito maior. “É como uma pessoa estar presa por roubo, e daí se descobrir que ela matou alguém”, comparou uma fonte.

A suspensão pela falta de internalização de normas poderia ser resolvida com a adoção delas. Já a suspensão pelo descumprimento da cláusula democrática só será revertida se a Venezuela voltar a ser considerada uma democracia.

A reunião de emergência para discutir a “grave situação institucional na Venezuela” foi convocada pela ministra das Relações Exteriores da Argentina, Susana Malcorra. O país preside atualmente o Mercosul. Em nota, a chancelaria diz que a reunião será “para analisar possíveis vias de solução”.

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45091, 01/04/2017. Internacional, p. A14.