Moreno, Repórter - Vida dedicada ao jornalismo 
15/06/2017
 
 
Aos 63 anos, colunista, mestre da leitura dos fatos políticos, deixa órfã legião de amigos e admiradores

BRASÍLIA- Em meados da década de 1970, o menino cuiabano recém saído da UnB, magrelo, preto, pobre, de cabelo escovinha e figurino mal ajambrado, atrevido e de inteligência muito acima da média, iniciava, no “Jornal de Brasília", uma trajetória que o pôs no topo do jornalismo político nacional, passando por diversos veículos de comunicação. Datilografando com apenas dois dedos, como estagiário, repórter de jornal, rádio, TV, blog e plataformas digitais, Jorge Bastos Moreno, ou apenas Moreno, foi espectador privilegiado e protagonista dos principais fatos históricos dos últimos 40 anos. Por 35 anos, escreveu para O GLOBO, como repórter e depois colunista.

Obcecado pela notícia, repórter de corpo e alma, como descreveu um dos companheiros do início de carreira, Moreno tinha um faro apurado e logo pulou da cobertura de cidades para a editoria de política. Numa tarde de 1978, ao cruzar com o fotógrafo do GLOBO Orlando Brito, na saída do trabalho, perguntou por que ele estava carregando tanto equipamento. Brito confidenciou que no dia seguinte iria fazer uma campana no Regimento de Cavalaria da Presidência da República para fotografar o general João Batista Figueiredo, porque estava desconfiado que ele seria o escolhido do presidente Ernesto Geisel para sucedê-lo.

No dia seguinte, enquanto Brito fotografava o general, Moreno apareceu. Depois de desencilhar o cavalo, Figueiredo passou pelos dois. Chamou para tomar um café. Moreno perguntou:

— Tão dizendo que o senhor vai ser, que o senhor pode ser, o futuro presidente da República... — Quem te falou? — As fontes, general, as fontes que falam as coisas aí, e tal.

— Não, eu sou o futuro presidente. Eu fui escolhido para ser o futuro presidente da República.

— Nisso, o Orlando Brito, do GLOBO, passa por mim e diz 'você tá com um furo, você tá com um furo'. Eu comecei a ficar nervoso — contou o próprio Moreno, em depoimento ao Memória Globo.

O furambaço no “Jornal de Brasília” catapultou Moreno para O GLOBO. Era o rei do bastidor, um contador de estórias de humor e ironia finos. Sedutor e agregador, Moreno tinha fontes de todos os matizes políticos nos banquetes preparados pela chef e companheira Carlúcia, na casa do Lago Norte, reunia jornalistas da casa e concorrentes, os presidentes da República, artistas e personalidades de todas as áreas.

Capaz de interpretar excepcionalmente os movimentos políticos, e com um senso de humor refinado e afiado, Jorge Bastos Moreno acabou se aproximando do maior expoente da políJobim tica brasileira na década de 80, o Dr. Ulysses Guimarães. Políticos que conviveram com ambos lembram que Moreno tornou-se um confidente para Ulysses Guimarães. A amizade foi tamanha que Moreno pediu uma breve licença do jornal e se tornou assessor de Ulysses na campanha presidencial de 1989. Anos depois, Moreno lançou em 2013 o livro “A História de Mora. A saga de Ulysses Guimarães”, pela editora Rocco, onde ele conta episódios da trajetória de Ulysses tendo Dona Mora como fio condutor da narrativa.

Moreno acompanhava os passos de Ulysses em especial quando o parlamentar se tornou presidente da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a Constituição de 1988. Foi neste ambiente que o repórter se tornou figura presente no gabinete do peemedebista, em conversas longas. O relator da Constituinte, então deputado Nelson (PMDB-RS), lembra que o trabalho era frenético, mas que à noite o Dr. Ulysses, Moreno, Heráclito Fortes e, às vezes, ele próprio iam para o restaurante Piantela. O restaurante ganhou fama de ser o local dos políticos — e, claro, dos jornalistas. O point permaneceu por gerações seguintes. — Conheci o Moreno via Dr. Ulysses. Ele estava sempre ao lado do Dr. Ulysses. Moreno também adorava o Severo Gomes (que morreu juntamente com Ulysses em acidente de helicóptero). Terminavam as sessões da Constituinte e iam jantar no Piantela. Moreno se tornou confidente do Dr. Ulysses, mas era um confidente curioso, porque Dr. Ulysses também se tornou ouvinte, era bilateral. Moreno fazia confidência a ele, mas ele nunca contava. Era fiel ao silêncio — disse Jobim ao GLOBO.

Já eram 22h56min no dia 7 de dezembro de 2015, quando o blog do jornalista Jorge Bastos Moreno no site do GLOBO anunciava “Exclusivo: Carta de Temer a Dilma”. O furo de reportagem, mais um entre os vários na carreira de Moreno, tornava pública uma queixa que ficaria famosa quase que imediatamente: o hoje presidente Michel Temer reclamava à ex-presidente Dilma Rousseff que era apenas um “vice decorativo”, sem participação efetiva no governo. Foi também mais um passo em direção ao impeachment de Dilma, que viria a ocorrer meses depois.

Como bom repórter, Moreno contou também com a sorte. Em 22 de julho de 1992, ele passou pela tabacaria da barbearia do Senado para comprar um cigarro e encontrou um amigo que trabalhava no Banco Central (BC). Na conversa, esse amigo, sem se dar conta de que estava revelando uma informação a que nenhum jornalista ainda tivera acesso, lhe disse: “Agora que todos sabem que o Fiat Elba do Collor foi pago com o cheque do fantasma José Carlos Bonfim, não há como mais negar que o presidente estava fora do esquema do PC".

Moreno ficou surpreso. Até então não se sabia o nome que aparecia no cheque. Mas ele teve sangue frio para fingir que aquilo não era nada de mais. O motivo? Ele próprio explicou no texto publicado em 2012: “Se você se mostra interessado, o interlocutor percebe o que fez e vai te implorar de joelhos para você não publicar”.

Repórter político experiente, ele também foi responsável por um grande furo do jornalismo econômico. Em 12 de janeiro de 1999, por volta das 19h, começou a circular em Brasília um forte rumor de que o então presidente do Banco Central (BC) Gustavo Franco sairia do cargo. O atual chefe da sucursal do GLOBO em Brasília, Sérgio Fadul, coordenava em 1999 a equipe de economia do jornal na cidade. Ele conta que o horário de fechamento da edição que circularia no dia seguinte se aproximava sem confirmação da notícia. Os primeiros exemplares impressos naquela noite continham uma reportagem apenas mencionando a possibilidade de troca de comando no BC. Fadul pegou então o telefone e ligou para Moreno.

— Perguntei: você pode nos ajudar? Ele respondeu: pode deixar. Em menos de uma hora, ele ligou: pode cravar (a demissão) — conta Fadul.

Veio então a ordem para parar as máquinas do novo parque gráfico do GLOBO, inaugurado apenas horas antes. Seria rodada uma nova edição, com a informação recém-confirmada.

O jornalista Jorge Bastos Moreno morreu no início da madrugada de ontem, no Rio, aos 63 anos. Moreno teve um edema agudo de pulmão decorrente de complicações cardiovasculares. O corpo do jornalista será sepultado hoje em Cuiabá, onde ele nasceu.

 

O globo, n. 30628, 15/06/2017. País, p. 8