As imprecisões do presidente

28/06/2017

 

 

Ao se defender da denúncia, Temer exagera e entra em contradição

"Se eu fosse presidente da Câmara dos Deputados, eu faria uma sessão pois temos quórum. Eu quero agradecer muitíssimo, a propósito, a presença dos colegas senadores, colegas deputados, senhores ministros. Foi até um aviso de última hora.

Eu estou agradavelmente surpreso com este apoio extremamente espontâneo. Quero agradecer muito aos senhores e às senhoras.

E o meu objetivo aqui, agora me dirijo mais uma vez cumprimentando a imprensa, toda a imprensa brasileira, não sei se há internacional também, mas eu quero me dirigir à imprensa para salientar, preambularmente, preliminarmente que eu me sinto no dever de fazer esta declaração. Não vou chamá-la de pronunciamento, acho que é um pouco pretensioso, mas é uma declaração, de alguma maneira, esclarecedora, tendo em vista uma denúncia ontem apresentada.

Vocês sabem que eu sou da área jurídica. Eu não me impressiono, muitas vezes, com os fundamentos, ou quem sabe até a falta de fundamentos jurídicos, porque advoguei por mais de 40 anos. Eu sei bem como são essas coisas. Eu sei quando a matéria é substanciosa, quando tem fundamentos jurídicos e quando não tem.

Então, sob o foco jurídico a minha preocupação é mínima. É claro que eu aguardarei com toda tranquilidade uma decisão do Judiciário. Respeito absoluto meu pelas decisões judiciais. Mas, evidentemente,

se fosse só o aspecto jurídico, eu não estaria fazendo esse esclarecimento à imprensa brasileira e ao povo brasileiro.

Eu o faço em função da repercussão política e, particularmente, em função do ataque injurioso, indigno, infamante à minha dignidade pessoal. Convenhamos, de vez em quando eu brinco que eu já tenho mais de 50 anos, e eu tive ao longo da vida, uma vida, graças a Deus, muito produtiva e muito limpa. E exatamente neste momento, em que nós estamos colocando o país nos trilhos, é que somos vítimas dessa infâmia de natureza política.

Os senhores sabem que eu fui denunciado por corrupção passiva. Notem, vou repetir a expressão, corrupção passiva a essa altura da vida, sem jamais ter recebido valores, nunca vi o dinheiro e não participei de acertos para cometer ilícitos. Afinal, isto é que vale.

Onde estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem. Aliás, examinando a denúncia, eu percebo — e falo com conhecimento de causa — eu percebo que reinventaram o Código Penal e incluíram uma nova categoria, a denúncia por ilação. Se alguém cometeu um crime, e eu o conheço, ou quem sabe se eu tirei uma fotografia ao lado de alguém, logo a relação é que eu sou também criminoso.

Abriu-se, portanto, meus amigos deputados, deputadas, senadores e senadoras, minhas senhoras e meus senhores, um precedente perigosíssimo em nosso Direito. Esse tipo de trabalho trôpego permite as mais variadas conclusões sobre pessoas de bem e honestas. Até dou um exemplo, se me permitem: como nós estamos falando de ilações — a ilação inaugurada por essa denúncia, ela não existe no Código Penal —, permitiria construir-se a seguinte hipótese: o assessor muito próximo ao procuradorgeral da República, e dou o seu nome. E dou o nome por uma única razão, porque o meu nome foi usado deslavadamente inúmeras vezes na denúncia. Havia até, digamos assim, um desejo de ressaltar quase em letras garrafais o meu nome. Por isso eu dou o nome desse procurador da República de nome Marcelo Miller. Homem da mais estrita confiança do senhor procurador-geral.

Pois bem, eu que sou da área jurídica, meus amigos, eu digo a vocês que o sonho de todo acadêmico em Direito, de todo advogado era prestar concurso para ser procurador da República. Pois bem, este senhor, que eu acabei de mencionar, e lamento ter de fazê-lo, deixa um emprego, que como disse, é um sonho de milhares de jovens acadêmicos, advogados, abandona o Ministério Público para trabalhar em empresa que faz delação premiada ao procurador-geral.

E vocês sabem que quem deixa a Procuradoria tem uma quarentena, se não me engano, de dois ou três meses. Não houve quarentena nenhuma. O cidadão saiu e já foi trabalhar, depois de procurar a empresa para oferecer serviços, foi trabalhar para esta empresa e ganhou, na verdade, milhões em poucos meses. O que talvez levaria décadas para poupar. Garantiu ao seu novo patrão, o novo patrão não é mais o procurador-geral, é a empresa que o contratou, um acordo benevolente, uma delação que tira o seu patrão das garras da Justiça, que gera, meus senhores e minhas senhoras, uma impunidade nunca antes vista. Basta verificar o que aconteceu ao longo desses dois, três últimos anos para saber que ninguém saiu com tanta impunidade. E tudo, meus amigos, ratificado. Tudo assegurado pelo procurador-geral.

Pelas novas leis penais, que eu estou dizendo da chamada ilação, ora criada nesta denúncia, que não existe no Código Penal, poderíamos concluir nessa hipótese que estou mencionando, que talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança, que, na verdade, deixou a Procuradoria para trabalhar nessa matéria.

Mas eu tenho responsabilidade. Eu não farei ilações. Não farei ilações. Eu tenho a mais absoluta convicção de que não posso denunciar sem provas. Não posso fazer, portanto, ilações. Não posso ser irresponsável.

E no caso do senhor grampeador, o desespero de se safar da cadeia moveu a ele e seus capangas, para, na sequência, haver homologação de uma delação, e distribuir o prêmio da impunidade. Criaram uma trama de novela.

Eu digo, meus amigos, minhas amigas, sem medo de errar, que a denúncia é uma ficção. Eu devo explicações, como disse, ao povo brasileiro, a cada cidadão brasileiro, especialmente à minha família e amigos. Porque, olhe, vou fazer um parênteses aqui: Não há nada mais desagradável, os senhores têm familiares, do que a sua família estar a todo momento ligando a televisão, ou os jornais, e dizendo que o seu irmão, seu tio, seu pai é corrupto. Não há nada mais desagradável que isso. Este é o ponto que mais me toca.

Então, talvez neste tópico da dilação [ilação], pelas novas leis da dilação [ilação], da ilação, da ilação, que disse ora criada pela denúncia, poderíamos, talvez, concluir que os milhões não fossem unicamente para o assessor de confiança que deixou o cargo de procurador da República. E eu volto a dizer que eu não quero fazer ilações, não denuncio sem provas.

O que eu tenho consciência é que não posso criar falsos fatos, para atingir objetivos subalternos. Por tradição e formação, eu acredito na Justiça. Não serei irresponsável. O desespero de se safar da cadeia é que moveu o cidadão Joesley e seus capangas. Foi isto que fez com que se houvesse homologação de uma delação e a distribuição de um prêmio de impunidade.

Eu volto a dizer que a denúncia é uma ficção. Volto a sustentar que eu devo essas explicações, por isso estou insistindo nelas, talvez esteja sendo um pouco longo. E tentaram imputar a mim, como sabem, um ato criminoso, e não conseguirão, porque não existe jurídica e politicamente.

Mas exatamente quem deveria estar na cadeia, está solto para voar a Nova Iorque ou Pequim, ainda voltar para cá e criar uma nova história. Já que a coluna inicial referente à gravação começou a ser questionada, então disseram: vamos trazê-lo de novo, por uma nova história que ele venha a contar. Ele foi trazido. Até de chapeuzinho, é interessante, ele veio de boné para se disfarçar, nós não precisamos andar de boné, não temos o que disfarçar.

E eles conseguiram isso, o delator, porque foram preparados, treinados, prova armada, conversas induzidas. Eu sei, para enfrentar o tema, que criticam-me por ter recebido tarde da noite em minha casa o empresário Joesley. Recebi, sim, naquela oportunidade o maior produtor de proteína animal do País, senão do mundo, do mundo.

Interessante, que eu descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos os brasileiros, quando ele revelou os crimes que cometeu ao Ministério Público, sem nenhuma punição.

Quero lembrar que o fruto dessa conversa é uma prova ilícita, inválida para a justiça. Basta até dizer aos senhores e às senhoras, quem deitar os olhos sobre a Constituição, eu recomendo a leitura do artigo 5°, inciso LVI, onde está dito expressamente como direito fundamental que não se pode admitir provas ilícitas. Ora bem, essa gravação foi questionada por um jornal, dois jornais, três jornais, pelo perito que eu coloquei, e agora mesmo na pesquisa feita seriamente pela Polícia Federal, pelo seu Instituto de Criminalística, está dito que há cerca de 120 interrupções, não é? O que torna a prova inteiramente ilícita.

Não fosse isso, a verdade é que quem lê a degravação, quando querem me imputar a ideia de que eu mandei pagar isso, mandei pagar aquilo, ao contrário. O que está dito na sequência de uma frase que o cidadão disse que é amigo de um ex-deputado, mantém boa amizade, eu digo: mantenha isso. Pois a conexão que se pretendeu fazer, daí a ilação, essa nova teoria do Direito Penal que os alunos da faculdade de Direito vão ficar de cabelos em pé quando souberem desta nova teoria. Disseram que não. Quando eu disse isso eu estava mandando pagar. E, aliás, o próprio ex-deputado, no dia seguinte, publicou uma carta desmentindo, e depois em depoimento desmentiu.

Pois são esses fatos que me assustam porque a regras mais básicas da Constituição não podem ser esquecidas, jogadas no lixo, tripudiadas pela embriaguez da denúncia que busca a revanche, a destruição e a vingança.

E ainda vejam bem, vou dizer aos senhores, ainda se fatiam as denúncias para provocar fatos semanais contra o governo. Querem parar o país, parar o Congresso num ato político com denúncias frágeis e precárias. Atingem a Presidência da República. Não é uma coisa qualquer. Quando se vai atacar a Presidência da República, uma instituição, é preciso tomar todas as cautelas. É preciso ter provas robustas, provas comprovadas. Aliás, a denúncia não pode vir por ilação, deverá vir porque o houve uma coleta de provas que não podem induzir a ideia de que possa ter um crime. Mas tem que ter prova concreta de que houve um crime.

Portanto, o que há é um atentado contra, na verdade, contra o nosso país. Eu, sabem os senhores, eu sou o responsável por todos os atos administrativos do meu governo. Não foi sem razão, embora estando há um ano apenas, nós trabalhamos pela queda da inflação, pela redução dos juros, pela geração de empregos, pelas reformas estruturantes, pela liberação do Fundo de Garantia para milhões de brasileiros, e pelo fim da recessão.

Falo hoje em defesa da instituição Presidência da República, e mais, talvez, na defesa à minha honra pessoal.

Eu tenho orgulho de ser presidente, convenhamos, é uma coisa extraordinária. Para mim é algo tocante, é algo que não sei como Deus me colocou aqui. Dando-me uma tarefa difícil, mas certamente para que eu pudesse cumpri-la. Portanto, tenho a honra de ser presidente, especialmente, não porque sou presidente (incompreensível), mas é pelos avanços que o meu governo praticou.

E não permitirei que me acusem de crimes que jamais cometi. A minha disposição é continuar a trabalhar pelo Brasil, para gerar crescimento, emprego. Para continuar as reformas fundamentais como a trabalhista, a previdenciária, como já fizemos com o teto de gastos, como já fizemos com o ensino médio, como já fizemos com as estatais, como já fizemos com o petróleo. Portanto, eu não fugirei das batalhas, nem a guerra que temos pela frente. A minha disposição não diminuirá com ataques irresponsáveis à instituição Presidência da República, não quero ataques a ela, e muito menos ao homem Michel Temer. Não me falta coragem para seguir na reconstrução do país e, convenhamos, na defesa da minha dignidade pessoal.

Muito obrigado a vocês."

 

APOIO ESPONTÂNEO

Apesar de dizer que o movimento de parlamentares foi espontâneo, um grupo de deputados recebeu mensagens de texto do vice-líder do governo na Câmara, Darcísio Perondi (PMDB-RS), pedindo o comparecimento de deputados no Palácio do Planalto. Até oposicionistas receberam o texto, que dizia: “agora é a hora de unificar a base e pacificar o país”

 

COM REFORÇO JURÍDICO

Embora diga que não tem preocupação no aspecto jurídico, Temer contratou o perito Ricardo Molina para elaborar um laudo da defesa sobre a gravação de Joesley e escalou um grupo de advogados para cuidar de sua defesa. O presidente tem se reunido com os defensores, Gustavo Guedes e Antonio Mariz de Oliveira. Temer também tentou suspender o inquérito no STF, mas desistiu no dia que seu pedido seria julgado

 

QUARENTENA DE PROCURADOR

Não existe quarentena para procuradores da República. A Associação Nacional de Procuradores da República aprovou, no fim de abril, uma sugestão para que seja criada a quarentena para integrantes que deixam o MPF

 

INVESTIDA CONTRA JANOT

Temer insinua que Janot poderia receber dinheiro de um ex-procurador que hoje é sócio do escritório que atuou no acordo de leniência do grupo J&F. Mas não apresenta nenhum indício. Na denúncia, Janot afirma que Temer era destinatário final de pagamentos efetuados por Joesley

 

CONCLUSÃO INVERTIDA

Temer inverte a conclusão do relatório da PF, que validou a gravação ao apontar que não houve edição do áudio. Os peritos encontraram 294 descontinuidades no áudio, porém explicaram que elas são decorrentes do gravador utilizado por Joesley. O equipamento reage à pressão sonora. Os técnicos afirmaram ainda que a gravação possui sequência lógica, com início, meio e fim

 

PROVA LÍCITA OU ILÍCITA

O artigo da Constituição citado por Temer não afirma que uma gravação sem a anuência do interlocutor é ilícita. O texto constitucional diz que provas obtidas por meios ilícitos são inadmissíveis. Na denúncia, Janot lista sete decisões recentes do STF que admitem como prova “gravações ambientais realizadas por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro”

 

ENCONTRO COM INVESTIGADO

Temer não menciona que Joesley já era investigado. No dia do encontro no Jaburu, era alvo três operações da PF: Sépsis, Cui Bono e Greenfield, amplamente divulgadas. Na primeira manifestação após O GLOBO revelar o conteúdo da delação, em 16 de maio, Temer disse que o recebeu achando que ele queria tratar da Operação Carne Fraca. Porém, a operação ocorreu dez dias depois do encontro

O globo, n.30641 , 28/06/2017. PAÍS, p.4