TODAS AS GAFES DO PRESIDENTE

FERNANDO EICHENBERG

24/06/2017

 

 

Passagem de cinco dias por Rússia e Noruega se tornou série de constrangimentos para Michel Temer

Especial para O GLOBO

 

Viagens presidenciais costumam ser precedidas de ampla costura diplomática, a fim de deixar acordos já acertados para serem sacramentados pelos chefes de Estado e evitar gafes — objetivo nem sempre alcançado. O giro do presidente Michel Temer por Rússia e Noruega nesta semana não logrou, por um lado, o anúncio de acordos econômicos relevantes para serem propagandeados como grandes notícias positivas. E, por outro, deu grande contribuição ao anedotário diplomático, numa sucessão de situações embaraçosas que serão lembradas por bastante tempo não apenas nos corredores do Itamaraty.

Entre o humor involuntário com troca de nomes e reprimendas públicas de autoridades dos países anfitriões, Temer voltou a Brasília com o saldo negativo, expressado principalmente pelo corte de 50% do apoio financeiro ao Fundo da Amazônia pela Noruega, uma perda de R$ 166 milhões. O país nórdico, maior doador do fundo, questionou o aumento do desmatamento na Amazônia (29% entre 2015 e 2016) e cobrou maior compromisso do governo.

Temer respondeu que vetou, na semana passada, duas medidas provisórias que reduziriam as áreas protegidas na região, mas o ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, que integrava a comitiva nacional, piorou a situação num arroubo de sinceridade, ao declarar que “só Deus pode garantir” que o desmatamento será diminuído.

 

CORRUPÇÃO PREOCUPA NORUEGA

O encontro com a primeira-ministra Erna Solberg, ontem, trouxe a maior saia-justa para o presidente brasileiro. Investigado sob suspeita de corrupção, Temer teve de ouvir a norueguesa, em discurso a seu lado, manifestar “preocupação” com a Lava-Jato e desejar que haja uma “limpeza” da corrupção no Brasil.

Do lado de fora, manifestantes ambientalistas brasileiros e noruegueses exibiam cartazes com críticas ao presidente e pedidos de defesa da Amazônia e dos povos indígenas. Enquanto isso, Temer dava sua contribuição pessoal ao conjunto de escorregões. Em seu discurso, falou que visitaria o “parlamento brasileiro” (queria dizer norueguês) e que almoçaria com o “rei da Suécia” — um deslize de troca de nomes ainda agradava pela rivalidade regional entre as duas monarquias nórdicas.

O presidente brasileiro deve ter sido poupado de uma maior repercussão desta gafe na Noruega pelo desinteresse da imprensa norueguesa por sua passagem pelo país. O encontro entre Temer e Erna Solberg teve a cobertura de apenas um jornalista local, além dos veículos brasileiros.

Foi também durante a passagem do presidente pela Noruega que o Brasil recebeu outra notícias negativas no campo das relações exteriores. Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos anunciavam a suspensão da importação de carne bovina fresca brasileira.

No Brasil, políticos da base aliada consideraram muito ruim a viagem do presidente e se queixavam, no Congresso Nacional, da sucessão de erros. Ao Itamaraty e ao Ministério do Meio Ambiente, a crítica era por não ter previsto o corte no apoio ao Fundo da Amazônia pela Noruega, expondo Temer ao constrangimento de presenciar a má notícia. Mesmo o presidente não foi poupado: a ele foi atribuído o erro de ter levado na comitiva aliados importantes no dia a dia do Congresso, como o ministro Antônio Imbassahy, articulador político do governo. Isto teria contribuído para a derrota na tramitação da reforma trabalhista, cuja proposta do governo foi rejeitada pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado.

De alguns tropeços Temer certamente não é o culpado direto, e eles começaram ainda antes do início da viagem presidencial. Na última segunda-feira, ao divulgar a agenda do presidente, o Palácio do Planalto errou o nome do primeiro destino, grifando “República Socialista Federativa Soviética da Rússia”, num “atraso” de 26 anos desde o fim da União Soviética. A aterrissagem do avião presidencial do outro lado do globo trouxe, de imediato, o segundo constrangimento. No aeroporto de Moscou, Temer foi recebido apenas pelo vice-ministro de Relações Exteriores russo, um cargo de menor importância no país.

O encontro com o presidente Vladimir Putin aconteceria apenas no dia seguinte, e foi classificado como protocolar. Um coquetel oferecido pela embaixada do Brasil em Moscou teve comparecimento em número bem abaixo do que constava na lista de convidados.

Ainda na capital russa, ao visitar o “túmulo do soldado desconhecido”, homenagem aos soldados soviéticos mortos durante a Segunda Guerra Mundial, perto do Kremlin, o presidente ouviu dois gritos de “Fora Temer”, proferidos certamente por brasileiros, já então um novo sinal de que a viagem não seria das mais confortáveis. (Colaborou Cristiane Jungblut)

 

DESACERTOS

 

REPÚBLICA SOCIALISTA.

Ao anunciar a viagem de Temer, o governo citou a “República Socialista Federativa Soviética da Rússia”, nome do país à época da União Soviética. O nome atual é Federação Russa ou apenas Rússia.

 

SUB DO SUB.

O governo russo escalou apenas o vice-ministro de Relações Exteriores para recepcionar Temer no desembarque.

 

FUNDO DA AMAZÔNIA.

Antes da chegada de Temer, o ministro do Meio Ambiente norueguês criticou a atuação do Brasil contra o desmatamento. Com Temer presente, a Noruega anunciou corte de 50% do aporte ao Fundo da Amazônia.

 

MÃOS VAZIAS.

Principal objetivo do tour, Temer não conseguiu assinar acordo comercial relevante com Rússia ou Noruega.

 

A CARNE É FRACA.

Enquanto o presidente estava na Noruega, os EUA suspenderam importação de carne bovina fresca do Brasil.

 

TROCOU A COROA.

Ao lado da primeira-ministra Erna Solberg, Temer afirmou que iria a um almoço com o “rei da Suécia”, país vizinho e que nutre rivalidade regional com a Noruega.

 

‘INDIRETA’ AO PRESIDENTE.

Erna Solberg fez questão de manifestar preocupação com a Lava-Jato e dizer que espera uma “limpeza” no Brasil.

 

PROTESTOS.

Em Moscou, o presidente ouviu um “Fora Temer” gritado por um brasileiro. Em Oslo, houve protestos de ambientalistas noruegueses pela Amazônia.

O globo, n.30637 , 24/06/2017. PAÍS, p. 6