MANOEL VENTURA
CHICO PRADO
24/06/2017
O governo brasileiro indicou ontem que seu principal temor ante a suspensão das importações de carne in natura do Brasil é de um “efeito cascata”. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, admitiu que o bloqueio imposto pelos americanos pode ser seguido por outros países, caso o embargo demore a ser revertido. Os EUA suspenderam todas as compras da carne fresca bovina brasileira, após “preocupações recorrentes sobre a segurança dos produtos destinados ao mercado americano”, segundo informaram as autoridades do país. Para analistas, essa crise pode reduzir ainda mais o preço da carne no mercado interno, que já sofria as consequências da crise da JBS e da Operação Carne Fraca.
— Os Estados Unidos são guias para muitos países. O Brasil pode perder muito se não conseguir reverter isso rapidamente — disse Blairo. — Nós temos condições de resolver isso nos frigoríficos com novas formas de fazer a limpeza, os cortes nas peças. O Ministério da Agricultura já vinha trabalhando há alguns dias na mudança na instrução de como o fiscal deve fazer e como o industrial deve mandar a carne para os EUA.
CHILE REPORTOU O PROBLEMA EM 2016
O ministro reconheceu que há uma “desconfiança” com a carne brasileira após a Operação Carne Fraca da Polícia Federal, que investiga um esquema de corrupção e cobrança de propina para agilizar a emissão de certificados sanitários e validar produtos supostamente adulterados.
— Se não há confiança aqui, imagine para os importadores? — acrescentou.
As autoridades americanas identificaram problemas em alguns cortes que seriam decorrentes da aplicação da vacina contra a febre aftosa. O governo brasileiro diz que está investigando onde ocorreu o problema: na produção ou na aplicação da vacina. Segundo o secretário executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, peças inteiras de carne são exportadas, e as manchas decorrentes da vacinação só são detectadas quando esse produto é cortado para ser consumido.
— Nós temos consciência do que fazemos, sabemos da qualidade do nosso produto. Nós voltaremos a exportar para os Estados Unidos — ressaltou Novacki.
O Chile já tinha reportado o mesmo problema, em novembro de 2016. Para resolver a situação, o Brasil passou a embarcar a carne fresca em pedaços, e não mais a peça inteira. Dessa forma, se os abcessos aparecerem, a carne é descartada. Esse mesmo procedimento agora é estudado para ser adotado para a venda aos EUA.
Ao todo, 15 frigoríficos estavam habilitados a exportar para os EUA. Na semana passada, o Brasil já havia suspendido as vendas de cinco frigoríficos. Agora, a Agricultura tornou mais rígidas as inspeções nas unidades e está preparando um documento técnico para a s autoridades americanas sobre as características do sistema sanitário federal.
O Ministério da Agricultura disse que espera resolver a situação o mais rapidamente possível, e programa uma viagem técnica para os Estados Unidos provavelmente para a primeira semana de julho. Blairo tenta marcar uma reunião com o secretário de Agricultura americano, Sonny Perdue.
Os EUA são um dos dez principais compradores de carne bovina in natura do Brasil. De janeiro a maio deste ano, o Brasil exportou US$ 49 milhões em carne bovina fresca para o país, número que representa 2,79% do total das vendas do produto in natura. O problema, reconhece a Agricultura, é o simbolismo trazido pelo bloqueio dos americanos.
— O mercado americano é importante não só pelo volume de exportação, mas porque serve de referência para outros mercados. (...) Quando uma medida como essa é tomada, outros mercados se colocam em alerta — disse Novacki.
Entre as empresas produtoras de carne, a Minerva informou, em nota, que vai atender ao mercado americano com produtos de suas unidades do Uruguai “até que a suspensão seja revertida, não comprometendo assim, o volume das exportações da companhia”.
Também entre as principais exportadoras de carne, a Marfrig defendeu a qualidade de seus produtos. “A suspensão decretada pelo governo dos Estados Unidos não interfere nos demais mercados onde o Marfrig atua”, disse o comunicado.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) disse ver com “perplexidade” a decisão dos EUA. A CNA cobrou dos EUA as “justificativas técnicas e científicas” que embasaram a decisão.
PREÇO DA ARROBA JÁ CAIU 12% DESDE MARÇO
Para os especialistas, o impacto da suspensão das importações pelos Estados Unidos será pequeno para as empresas. O efeito, acreditam, será sentido pelo pecuarista, que já vem sendo prejudicado pela queda de preços desde a Operação Carne Fraca.
— Já houve impacto financeiro para as empresas após a Operação Carne Fraca e, para a JBS especialmente, após as delações de seus controladores. Não acho que a oferta e a demanda serão mais prejudicadas agora do que já foram — avalia Gustavo Aguiar, analista de mercado da Scot Consultoria.
Do ponto de vista comercial, o analista César Castro Alves, da MB Agro, entende que o maior prejudicado é o pecuarista, que vem assistindo ao preço do boi “em queda livre”. Desde a Operação Carne Fraca, em março, a baixa no atacado, com muitas oscilações, foi de 12% na arroba e de 7% na carne processada. Mas nada disso é tão determinante para o setor como o futuro da JBS, afirma, em meio à crise gerada pelas delações dos executivos da empresa:
— A curto prazo, é o que conta mais. Afinal, há 15 milhões de cabeças de gado a serem abatidas no segundo semestre de 2017.
MANOEL VENTURA E CHICO PRADO
economia@oglobo.com.br
O governo brasileiro indicou ontem que seu principal temor ante a suspensão das importações de carne in natura do Brasil é de um “efeito cascata”. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, admitiu que o bloqueio imposto pelos americanos pode ser seguido por outros países, caso o embargo demore a ser revertido. Os EUA suspenderam todas as compras da carne fresca bovina brasileira, após “preocupações recorrentes sobre a segurança dos produtos destinados ao mercado americano”, segundo informaram as autoridades do país. Para analistas, essa crise pode reduzir ainda mais o preço da carne no mercado interno, que já sofria as consequências da crise da JBS e da Operação Carne Fraca.
— Os Estados Unidos são guias para muitos países. O Brasil pode perder muito se não conseguir reverter isso rapidamente — disse Blairo. — Nós temos condições de resolver isso nos frigoríficos com novas formas de fazer a limpeza, os cortes nas peças. O Ministério da Agricultura já vinha trabalhando há alguns dias na mudança na instrução de como o fiscal deve fazer e como o industrial deve mandar a carne para os EUA.
CHILE REPORTOU O PROBLEMA EM 2016
O ministro reconheceu que há uma “desconfiança” com a carne brasileira após a Operação Carne Fraca da Polícia Federal, que investiga um esquema de corrupção e cobrança de propina para agilizar a emissão de certificados sanitários e validar produtos supostamente adulterados.
— Se não há confiança aqui, imagine para os importadores? — acrescentou.
As autoridades americanas identificaram problemas em alguns cortes que seriam decorrentes da aplicação da vacina contra a febre aftosa. O governo brasileiro diz que está investigando onde ocorreu o problema: na produção ou na aplicação da vacina. Segundo o secretário executivo do Ministério da Agricultura, Eumar Novacki, peças inteiras de carne são exportadas, e as manchas decorrentes da vacinação só são detectadas quando esse produto é cortado para ser consumido.
— Nós temos consciência do que fazemos, sabemos da qualidade do nosso produto. Nós voltaremos a exportar para os Estados Unidos — ressaltou Novacki.
O Chile já tinha reportado o mesmo problema, em novembro de 2016. Para resolver a situação, o Brasil passou a embarcar a carne fresca em pedaços, e não mais a peça inteira. Dessa forma, se os abcessos aparecerem, a carne é descartada. Esse mesmo procedimento agora é estudado para ser adotado para a venda aos EUA.
Ao todo, 15 frigoríficos estavam habilitados a exportar para os EUA. Na semana passada, o Brasil já havia suspendido as vendas de cinco frigoríficos. Agora, a Agricultura tornou mais rígidas as inspeções nas unidades e está preparando um documento técnico para a s autoridades americanas sobre as características do sistema sanitário federal.
O Ministério da Agricultura disse que espera resolver a situação o mais rapidamente possível, e programa uma viagem técnica para os Estados Unidos provavelmente para a primeira semana de julho. Blairo tenta marcar uma reunião com o secretário de Agricultura americano, Sonny Perdue.
Os EUA são um dos dez principais compradores de carne bovina in natura do Brasil. De janeiro a maio deste ano, o Brasil exportou US$ 49 milhões em carne bovina fresca para o país, número que representa 2,79% do total das vendas do produto in natura. O problema, reconhece a Agricultura, é o simbolismo trazido pelo bloqueio dos americanos.
— O mercado americano é importante não só pelo volume de exportação, mas porque serve de referência para outros mercados. (...) Quando uma medida como essa é tomada, outros mercados se colocam em alerta — disse Novacki.
Entre as empresas produtoras de carne, a Minerva informou, em nota, que vai atender ao mercado americano com produtos de suas unidades do Uruguai “até que a suspensão seja revertida, não comprometendo assim, o volume das exportações da companhia”.
Também entre as principais exportadoras de carne, a Marfrig defendeu a qualidade de seus produtos. “A suspensão decretada pelo governo dos Estados Unidos não interfere nos demais mercados onde o Marfrig atua”, disse o comunicado.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) disse ver com “perplexidade” a decisão dos EUA. A CNA cobrou dos EUA as “justificativas técnicas e científicas” que embasaram a decisão.
PREÇO DA ARROBA JÁ CAIU 12% DESDE MARÇO
Para os especialistas, o impacto da suspensão das importações pelos Estados Unidos será pequeno para as empresas. O efeito, acreditam, será sentido pelo pecuarista, que já vem sendo prejudicado pela queda de preços desde a Operação Carne Fraca.
— Já houve impacto financeiro para as empresas após a Operação Carne Fraca e, para a JBS especialmente, após as delações de seus controladores. Não acho que a oferta e a demanda serão mais prejudicadas agora do que já foram — avalia Gustavo Aguiar, analista de mercado da Scot Consultoria.
Do ponto de vista comercial, o analista César Castro Alves, da MB Agro, entende que o maior prejudicado é o pecuarista, que vem assistindo ao preço do boi “em queda livre”. Desde a Operação Carne Fraca, em março, a baixa no atacado, com muitas oscilações, foi de 12% na arroba e de 7% na carne processada. Mas nada disso é tão determinante para o setor como o futuro da JBS, afirma, em meio à crise gerada pelas delações dos executivos da empresa:
— A curto prazo, é o que conta mais. Afinal, há 15 milhões de cabeças de gado a serem abatidas no segundo semestre de 2017.
O globo, n.30637 , 24/06/2017. Economia, p. 19