Lula levou proposta a Cuba, diz executivo

Luiz Vassallo

23/04/2017

 

 

Delator da Odebrecht afirma que ex-presidente conversou com Raúl Castro sobre projeto de zona franca no país; petista nega irregularidade

 

Em delação premiada, o executivo da Odebrecht João Carlos Mariz Nogueira relatou à Procuradoria-Geral da República que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou ao presidente de Cuba, Raúl Castro, em 2014, uma proposta da empreiteira para viabilizar a construção de uma zona franca industrial na ilha. A obra seria um anexo do Porto de Mariel, também empreendido pela construtora brasileira. O negócio, porém, não foi levado adiante.

Segundo o delator, ele presenciou uma conversa de Lula com o representante do Itamaraty Marcelo Câmara, na qual o petista afirmou ter tratado com Castro sobre uma linha de crédito para financiar o projeto. O ex-presidente estava em Cuba para ministrar palestras pagas pela Odebrecht. Ao fim da visita, Lula disse ao representante do Ministério das Relações Exteriores, segundo Nogueira, que Castro havia se interessado pela proposta da construtora.

Nogueira contou que, após a conclusão do Porto de Mariel, o governo cubano havia “provocado” a Odebrecht para construir uma zona franca industrial. No entanto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) havia feito restrições ao crédito. “Como eu era diretor de Crédito à Exportação, coube a mim explicar ao expresidente Lula as alternativas que nós vislumbrávamos – nós, Odebrecht – para contribuir na questão das garantias”, disse Nogueira aos investigadores.

O delator afirmou que as instruções foram passadas a Lula já na viagem. Em Havana, com a presença de Câmara e diretores da Odebrecht, o petista pediu uma “atualização” dos “investimentos”, afirmou Nogueira.

“Quando se tratou o tema das garantias, eu fiz a exposição.

Ele entendeu e eu pedi que explicasse ao presidente Raúl Castro e a Dilma Rousseff e, adicionalmente, pedi um diálogo direto entre os líderes. Estávamos propondo objetivamente algumas soluções, sendo que duas ou três delas a gente participava.

Havia um interesse empresarial objetivo”, disse. Em 2015, reportagem da revista Época revelou que um telegrama foi enviado por Câmara ao Brasil, indicando que Lula tratara da proposta com Castro e que, em seguida, falaria com Dilma.

 

Soluções. Uma das “soluções” envolvia a compra pela Braskem – empresa do grupo Odebrecht – de nafta (matéria-prima para a indústria petroquímica) da ilha e o depósito do “dinheiro devido a Cuba em uma conta garantia para acessar o financiamento brasileiro”. O executivo via entraves de aprovação do BNDES, que não aceitava que a “conta garantia ficasse em Cuba”.

“Eu me lembro que o presidente Lula, quando estava embarcando ou prestes a embarcar no avião, conversou com esse representante da Embaixada Marcelo Câmara e disse: ‘Eu conversei com o presidente Raúl Castro, ele gostou da alternativa nafta’”, contou o delator. Ele ouviu ainda Lula dizer que “conversaria com a presidente Dilma” sobre o assunto.

O projeto não foi realizado porque, segundo Nogueira, “os cubanos voltaram a insistir em garantia soberana”.

Cristiano Zanin Martins, advogado de Lula, afirmou que “delações são versões unilaterais emitidas por pessoas que negociam com a acusação a saída da prisão ou outros benefícios”.

Ele disse ainda que os relatos “não têm valor probatório”.

“Mesmo que as declarações fossem verdadeiras, elas não indicam a prática de qualquer ato ilícito.” Procurado, Câmara não foi localizado.

 

PONTOS-CHAVE

Depoimentos envolvem ex-presidente

R$ 40 milhões

Delator da Lava Jato, o empreiteiro Marcelo Odebrecht afirmou ao juiz Sérgio Moro que a construtora ‘botou R$ 40 milhões’ para atender a demandas de Lula.

 

Greve

Emílio Odebrecht, patriarca do grupo, disse que sua relação com Lula teve início nos anos 1970 e que ele teve papel importante no fim de uma greve.

 

Mesada

Segundo o Ministério Público, executivos da Odebrecht relataram pagamento, por parte do grupo, de espécie de ‘mesada’ para Frei Chico, irmão de Lula.

O Estado de São Paulo, n.45113 , 23/04/2017. POLÍTICA, p. A7