Governo hesita, mas nega mudança na PF

ANDRÉ DE SOUZA

CRISTIANE JUNGBLUT

25/06/2017

 

 

Em entrevista, Torquato não garante Daiello no cargo; depois, Ministério assegura continuidade

Em meio às especulações sobre a possível troca de comando na Polícia Federal (PF), o diretor-geral do órgão, Leandro Daiello, e o ministro da Justiça, Torquato Jardim, chamaram a imprensa ontem para dizer que os dois trabalham em “harmonia” e num clima de “camaradagem”. Mas ambos se recusaram a responder a qualquer pergunta, inclusive se Daiello continua garantido no cargo. Nos últimos dias, cresceram as informações de que o governo estaria discutindo a troca no comando da instituição, que atua na Operação Lava-Jato. Após a repercussão da entrevista, o Ministério da Justiça afirmou que Torquato havia sim garantido a manutenção de Daiello à frente da PF.

— O noticiário que está aí é, para usar o termo moderno, a “pós-verdade”, não corresponde à realidade. O doutor Daiello e eu temos trabalhado, desde que aqui cheguei, na mais absoluta harmonia e camaradagem, ambos igualmente comprometidos com a instituição Polícia Federal — afirmou Torquato.

Daiello foi nomeado para o cargo de diretorgeral em 2011, durante a gestão da então presidente Dilma Rousseff. Desde que Temer chegou ao Planalto, toda troca de ministro da Justiça veio acompanhada de especulações sobre a continuidade ou não do diretor-geral da PF. Torquato assumiu o cargo em 31 de maio deste ano.

O Instituto Nacional de Criminalística, vinculado à Polícia Federal, concluiu a perícia e afirmou que o áudio da gravação entre o empresário Joesley Batista e o presidente Michel Temer não sofreu edição. A informação tornou-se pública na sexta-feira. A possível manipulação do áudio era uma das teses centrais da defesa do presidente Michel Temer.

Torquato falou por menos de três minutos, se levantou e deixou a sala. Sozinho, Daiello fez então seu pronunciamento, que durou menos de dois minutos. Tanto Torquato quanto Daiello preferiram destacar o que veem como prioridades para a PF, como a necessidade de avançar na internacionalização e no uso de recursos tecnológicos.

— Na primeira semana da posse do ministro, nós o convidamos para visitar a Polícia Federal e foi feita uma reunião com a diretoria. A Polícia Federal apresentou sua estrutura e seus projetos. Dentre esses projetos, o ministro demonstrou aqui a firmeza de que precisamos avançar em tecnologia, capacidade de inteligência e investigação. É o que temos feito. E percebemos a necessidade de uma inserção maior na área internacional. Ele confirmou que vamos ampliar a capacidade da Polícia Federal de ter uma inserção internacional para combater os crimes transnacionais e também como estratégia de proteção das fronteiras — afirmou Daiello.

Após o pronunciamento pouco explícito em relação à manutenção de Daiello, o governo passou a tarde se esforçando para desfazer o mal-estar criado por Torquato. Interlocutores do ministro da Justiça e assessores do Palácio do Planalto disseram que ele foi para a coletiva para dar uma mensagem e que essa mensagem fora dada.

— Para o ministro, ficou clara a mensagem — disse um interlocutor.

 

ALIADOS CRITICAM ENTREVISTA

Aliados do governo, no entanto, consideraram pouco assertiva a declaração, já que o ministro utilizou metáforas e não quis, ao final, gravar uma declaração peremptória sobre a permanência de Daiello no cargo.

Assessores do Ministério da Justiça sustentavam, após a entrevista, que o ministro havia convocado a imprensa para garantir, por ora, a permanência de Daiello e assim havia feito. Isso não significa, no entanto, que esta posição valha para o longo prazo. Entre aliados, há pressão por mudanças na PF, devido à irritação com a condução das investigações da Lava-Jato.

No Planalto, o empenho também foi para desmentir boatos sobre a saída de Daiello. Nos bastidores, o governo culpa sindicalistas que estiveram com Torquato na última quinta-feira pelas especulações de mudanças na Polícia Federal. Nessa reunião, Torquato teria sinalizado a possibilidade de mudanças no comando da corporação.

Participaram do encontro o presidente da Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Sérgio Avelar, além de outros sindicalistas da entidade e o diretor regional da Associação Nacional dos Delegados da PF em Brasília, Luciano Leiro.

O Estado de São Paulo, n.30638 , 25/06/2017. PAÍS , p. 6