Dois diretores pedem demissão do BNDES

DANIELLE NOGUEIRA

08/07/2017

 

 

Sinalização de Paulo Rabello de que deve rever nova taxa TLP, que reduziria subsídios, gera divergência
 
Dois diretores deixam o cargo após presidente do banco, Paulo Rabello (foto), indicar que mudará a nova taxa TLP Pouco mais de um mês após a posse de Paulo Rabello de Castro, o BNDES teve duas baixas. Os diretores Vinícius Carrasco, da área Planejamento e Pesquisa, e Cláudio Coutinho, da área de Crédito, Financeira e Internacional, pediram demissão ontem, após saberem por jornais da posição do presidente do banco sobre a chamada Taxa de Longo Prazo (TLP), criada na gestão anterior e que passaria a ser usada em empréstimos da instituição a partir de 2018, com objetivo de reduzir o crédito subsidiado às empresas. Segundo Paulo Rabello, que se mostrou surpreso com o afastamento dos diretores, os sucessores devem ser escolhidos entre funcionários da Casa.

Crítica. “O país tem que virar a página do crédito subsidiado”, afirma Coutinho
 

Carrasco e Coutinho, que haviam sido convidados pela expresidente do BNDES Maria Silvia Bastos Marques, participaram ativamente da construção da fórmula da TLP, anunciada no fim de março. Para que ela passe a vigorar, é necessário aprovar no Congresso a Medida Provisória 777, que trata do assunto. O relator da MP, deputado Betinho Gomes (PSDB-PE), defende uma versão da taxa que não “aniquile” o setor produtivo e sinaliza com mudanças.

RABELLO: RELEITURA DA TLP

Em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo” publicada anteontem, Paulo Rabello sugeriu que a fórmula da TLP pode ser revista. Na sua avaliação, a Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP), que hoje é usada em boa parte dos financiamentos do BNDES e é revisada a cada três meses pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), dá mais previsibilidade aos empresários. A fórmula da TLP prevê oscilação conforme a inflação, que pode subir ou descer mensalmente.

— Os dois diretores são altamente competentes. Gostaria de retê-los. Mas também gostaria de me reservar o direito de fazer uma releitura da TLP. É possível que os diretores, como participaram do processo de construção da TLP, não estejam dispostos a entrar num debate público, eventualmente cansativo, sobre o assunto — disse Paulo Rabello ao GLOBO.

A carta de demissão de ambos foi entregue ao presidente do BNDES no fim da manhã. A conversa foi rápida e cordial. Carrasco comentou que seu pedido de demissão era natural e aconteceria em algum momento, já que fora convidado por Maria Silvia. Mas frisou que a divergência com Paulo Rabello sobre a TLP acelerou a decisão. Ainda mais por ter tomado conhecimento da posição do presidente do banco pela mídia.

— Soubemos da opinião dele (sobre a TLP) pelo jornal. Ele nunca conversou com a gente sobre o assunto. Diante disso, pedi demissão. Eu acredito nesse projeto (da TLP) e avalio que minha missão no banco foi cumprida — afirmou.

Cláudio Coutinho acompanhou o movimento do colega. Os dois ingressaram no banco no ano passado para integrar a diretoria “de múltiplos talentos”, como Maria Silvia classificava sua equipe. Os dois e mais quatro diretores vieram de fora — apenas dois de um total de oito eram funcionários do banco. A princípio, os demais permanecem na instituição.

— O país tem que virar a página do crédito subsidiado. A MP 777 é fundamental. É um projeto que foi amplamente debatido pela Fazenda, pelo Planejamento, pelo Banco Central e pelo BNDES — disse Cláudio Coutinho. — Aqui no BNDES, eu e Carrasco estávamos à frente dessas discussões. Diante dessa posição (sobre a TLP), me sinto na desobrigação de permanecer no banco.

Carrasco é professor licenciado de Economia da PUC-Rio. Já Coutinho teve a primeira experiência no setor público no BNDES. Ele era sócio da gestora Mare Investimentos, cuja participação vendeu antes de assumir o cargo. Ambos terão de cumprir seis meses de quarentena.

A TJLP está em 7% ao ano. Como a Selic, taxa básica de juros, está em 10,25%, o crédito concedido pelo BNDES é subsidiado. A partir de janeiro de 2018, porém, conforme anunciado no fim de março pela então presidente da instituição, Maria Silvia, o banco deixaria de usar a TJLP em novos contratos e passaria a adotar a TLP, mais próxima ao juro de mercado. Mas seria feita uma transição de cinco anos, até que a nova fórmula fosse plenamente implementada.

EMPRESÁRIOS ERAM CONTRA

Pela fórmula original, a TLP é igual à NTN-B de cinco anos. Este é um título remunerado pela inflação medida pelo IPCA mais um juro fixo. E esse juro varia conforme a demanda do mercado, que leva em conta o risco de insolvência do país e a própria Selic. Na prática, os contratos do BNDES passariam a variar conforme a inflação, pois o juro da NTN-B seria definido quando da assinatura do documento e não mudaria ao longo do financiamento. O governo defende que, ao reduzir o crédito barato, seria aberto espaço para reduzir os juros básicos de forma estrutural.

A proposta de mudança havia desagradado o empresariado. Nos bastidores, essa alteração vinha sendo apontada como uma das razões para a pressão pelo afastamento de Maria Silvia. Os empresários também acusavam a ex-presidente de represar crédito em plena recessão. Maria Silvia pediu demissão do banco em 26 de maio.

O globo, n.30651 , 08/07/2017. economia, p. 08