Acusação dura

Merval Pereira 
27/06/2017
 
 

A denúncia do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente Michel Temer tem a linguagem típica do Ministério Público, órgão de acusação. Diante da comprovação de que não houve edição da gravação da conversa com o empresário Joesley Batista e, ao contrário, novos trechos confirmam e completam o entendimento de que ocorreram, naquela noite no Palácio do Jaburu, tenebrosas transações que puseram nas mãos do então assessor Rodrigo Rocha Loures uma mala cheia de dinheiro de propina, o Ministério Público perdeu a cerimônia diante da figura do presidente que, na visão de Janot, ludibriou os brasileiros e não honrou o cargo que ocupa.

Avirulência do texto corresponde à gravidade da situação, que terá agora na Câmara seu canal institucional de resolução da crise. Que pode ser o caminho tomado pelo TSE para preservar uma suposta governabilidade ou a instituição do Congresso, dando-lhe uma credibilidade que anda em falta.

Também ontem, a condenação de Antonio Palocci, ex-ministro dos governos Lula e Dilma, tem diversos significados dentro do que a Procuradoria-Geral da República estabeleceu ser o “quadrilhão”, o grande esquema de corrupção implantado nos governos petistas.

A própria condenação é um aviso para Palocci, que tem contra si ainda diversos outros processos. O juiz Sergio Moro marcou posição na sentença escrevendo que interpretou a oferta do ex-ministro, em depoimento, de colaborar com a Justiça “mais como uma ameaça para que terceiros o auxiliem indevidamente para a revogação da [prisão] preventiva, do que propriamente como uma declaração sincera de que pretendia naquele momento colaborar com a Justiça.”

A pena de 14 anos em regime fechado é um recado claro: se Palocci não admitir logo sua culpa e se dispuser a uma colaboração com a Justiça que esclareça fatos ainda nebulosos, vai ser condenado novamente em outros processos, e quanto mais demorar sua decisão, menores serão os benefícios. Pela legislação que regulamenta as delações no âmbito das organizações criminosas, a pena proferida antes do acordo só pode ser reduzida em 15%. Outro ponto interessante da sentença de Moro é que ele refez uma posição que vinha adotando sobre o crime de lavagem, o que vai gerar muita discussão jurídica, mas, no primeiro momento, aumentou a pena de Palocci e pode atingir o ex-presidente Lula no caso do tríplex, cuja decisão está para ser tomada.

A Procuradoria-Geral da República pediu, em alegações finais, a condenação de Lula em regime fechado na ação penal do caso tríplex, acusando-o de lavagem de dinheiro e corrupção, atribuindo-o papel de ‘comandante máximo do esquema de corrupção’ identificado na Lava-Jato. Moro diz em sua sentença que “vinha adotando a posição de que poder-seia falar de lavagem de dinheiro apenas depois de finalizada a conduta pertinente ao crime antecedente. Assim, por exemplo, só haveria lavagem se, após o recebimento da vantagem indevida do crime de corrupção, fosse o produto submetido a novas condutas de ocultação e dissimulação”.

No entanto, diz ele, depois de vários casos julgados, revelou-se que “a sofisticação da prática criminosa tem revelado o emprego de mecanismos de ocultação e dissimulação já quando do repasse da vantagem indevida do crime de corrupção. (...) Este é o caso, por exemplo, do pagamento de propina através de transações internacionais subreptícias. Adotado esse método, a propina já chega ao destinatário, o agente público ou terceiro beneficiário, ocultado e, por vezes, já com aparência de lícita, como quando a transferência é amparada em contrato fraudulento, tornando desnecessária qualquer nova conduta de ocultação ou dissimulação”.

Da mesma maneira, se Moro considerar que o tríplex do Guarujá foi reservado a Lula em pagamento a favores prestados à empreiteira OAS, como acusa o MP, também o imóvel oficializado em nome da família de Lula estaria legalizado como uma transação imobiliária normal. Outro ponto fundamental na condenação de Palocci é que Moro dá indicações, seguidas em sua sentença, de que não há dúvida de que o “italiano” das planilhas da Odebrecht era mesmo Palocci.

Da mesma maneira, o “pós-Itália” é o também ex-ministro Guido Mantega, o que, aliás, já foi confirmado até mesmo por Palocci, que jogou a responsabilidade de liberar dinheiro da “conta corrente” com a empreiteira para seu colega. Em decorrência dessas confirmações, chega-se à conclusão de que o “amigo” que aparece nas planilhas da Odebrecht era mesmo Lula, fato, aliás, confirmado pelo próprio ex-presidente da empreiteira.

Além de liberar a fila para uma decisão de Moro sobre o tríplex, pois os processos que têm réus presos têm preferência, a sentença de Moro dá diversas indicações de como procederá na sentença sobre Lula.

 

O globo, n. 30640, 27/06/2017. País, p. 4