PF conclui que Temer obstruiu a Justiça

Eduardo Bresciani e André de Souza 

27/06/2017

 

 

Relatório atesta validade de gravação em que presidente deu aval para pagamentos a Cunha

-BRASÍLIA- A Polícia Federal concluiu que o presidente Michel Temer praticou o crime de obstrução à Justiça ao incentivar a manutenção de pagamentos feitos pelo empresário Joesley Batista ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso em Curitiba. Anexado ao relatório da investigação, o laudo do Instituto Nacional de Criminalística confirmou o ponto central do diálogo entre Temer e Joesley no qual se debateu a realização de pagamentos “todo mês” a Cunha. O diálogo ocorreu na noite de 7 de março no Palácio do Jaburu. A perícia constatou que não houve qualquer adulteração no áudio entregue por Joesley, afirmando que as 294 interrupções identificadas se devem às características do gravador utilizado.

Segundo a PF, Temer atuou para “embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa, na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha, pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da Magistratura Federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pela mesmo empresário.” A PF identificou também Joesley e o ex-ministro Geddel Vieira Lima como autores do mesmo crime de obstrução à Justiça. No caso do ex-ministro, destacou-se que ele procurou familiares do doleiro Lúcio Funaro para verificar se ele faria delação premiada.

A PF sugere que indícios do crime de participação em organização criminosa sejam investigados em outro inquérito já aberto no Supremo Tribunal Federal (STF). Os delegados Thiago Machado Delabary e Marlon Oliveira Cajado dos Santos destacaram a perícia como elemento importante para a conclusão da prática de crime pelo presidente nesse episódio. “Dispõe-se, agora, da maior precisão possível no aspecto conteúdo, permitindo que sejam aquilatadas as interpretações e tecidas as conclusões que haviam ficado sobrestadas”. A PF já tinha apontado, em relatório parcial, a prática do crime de corrupção passiva, que foi denunciado ontem pela Procuradoria-Geral da República.

A defesa de Temer tinha como uma de suas teses centrais a existência de edição e a contestação da afirmação de que o presidente tenha avalizado pagamentos a Cunha. A transcrição do áudio feita pelos peritos da PF, porém, afirma que foi o próprio Temer quem questionou sobre Cunha logo após ter ouvido Joesley falar em pagamentos mensais. — Todo mês — disse Joesley. — Eduardo também né? — questiona o presidente. —É — confirma Joesley. A pergunta de Temer não estava audível quando a gravação veio a público. O perito contratado pela defesa do presidente chegou a questionar a expressão “todo mês”, afirmando que Joesley teria dito “tô no meio”.

“TEM QUE MANTER ISSO, VIU?”

Esse trecho da conversa vem na sequência da frase em que presidente dá anuência à atuação de Joesley. O dono da JBS disse a Temer que estava de bem com Eduardo e ouviu: “Tem que manter isso, viu?”

A transcrição também reitera a indicação feita por Temer do ex-assessor Rodrigo Rocha Loures como seu interlocutor, o descrevendo como de sua “estrita confiança”. Essa indicação baseia a denúncia feita pelo procurador-geral da República contra o presidente por corrupção passiva, pelo fato de o indicado ter recebido uma mala com R$ 500 mil da JBS.

Os peritos fizeram testes e se certificaram de que os dois gravadores utilizados pelos delatores da JBS ativavam ou interrompiam a gravação de acordo com o nível de ruído identificado.

TRANSCRIÇÃO

‘O EDUARDO TAMBÉM, NÉ?’, PERGUNTA TEMER APÓS JOESLEY CITAR PROPINA
Temer e Joesley conversam sobre Eduardo Cunha

Joesley: Como é que tá, como é que o senhor tá nessa situação toda aí, Eduardo, num sei o quê, Lava-Jato...

Temer: O Eduardo resolveu me fustigar, né? Você viu que...

Joesley: Eu não sei. Como é que tá essa relação?

Temer: Não, tá... Ele veio (ininteligível)... Tem nada a ver com a defesa (ininteligível). Moro indeferiu vinte e uma perguntas dele que não tinha nada a ver com a defesa dele. Joesley: Hum, pois é. Temer: Era pra me entrudar. Eu não fiz nada. E no Supremo Tribunal Federal (ininteligível)

Joesley: Eu queria falar assim, como tá aqui na (ininteligível). Fiz o máximo que deu ali, zerei tudo. O que tinha de alguma pendência daqui pra ali zerou, tal... Temer: (Ininteligível) Tudo.

Joesley: (Ininteligível) Liquidou tudo, e ele foi firme em cima, ele já tava lá, veio, cobrou, tal, tal, tal, eu, (ininteligível) pronto. Acelerei o passo e...

Temer: É...

Joesley: Tirei da frente. O outro menino, companheiro dele, que tá aqui, né? Temer: (Ininteligível). Joesley: Que... Que tá aí, que o Geddel sempre tava... Temer: O Lúcio tá aí?

Joesley: (Ininteligível) Não, não (ininteligível). Temer: (Ininteligível) Joesley: Isso, isso... Temer: (Ininteligível). Joesley: Geddel é que andava sempre ali. Temer: (Ininteligível)

Joesley: Mas com o Geddel também, com esse negócio, eu perdi o contato porque ele virou investigado. Agora eu não posso também...

Temer: É complicado, é complicado. Joesley: Eu não posso encontrar ele. Temer : É porque (ininteligível) parecer obstrução de Justiça, viu? Joesley: Isso, isso, isso, isso. Temer: Perigosíssima essa situação. Joesley: Negócio dos vazamento (sic)... O telefone lá do Eduardo, com Geddel, volta e meia citava alguma coisa meio tangenciando a nós, a não sei o quê... Eu tô lá me defendendo. Como é que eu... O que que eu mais ou menos dei conta de fazer até agora. Eu tô... Tô de bem com o Eduardo. Temer: Muito bem. Joesley: E... Temer: Tem que manter isso, viu? (ininteligível)

Joesley: (Ininteligível) Todo mês... Temer: O Eduardo também, né? Joesley: Também. Temer: É...

Joesley: Eu tô segurando as pontas, tô indo.

Temer: É. Temer e Joesley conversam sobre Rodrigo Rocha Loures

Joesley: O brabo é... Enfim, mas vamos lá, eu queria falar um pouco... Falar sobre isso, falar como é que é que... (ininteligível) Pra mim (sic) falar contigo, qual é a melhor maneira. Porque eu vinha falando através do Geddel, através... Eu não vou lhe incomodar, evidente, se não for algo assim...

Temer: (Ininteligível) As pessoas ficam... (ininteligível) Joesley: Eu sei disso, por isso... Temer: (Ininteligível) Um pouco. Joesley: É o Rodrigo? Temer: O Rodrigo. Joesley: Ah, então ótimo. Temer: (Ininteligível) Pode passar por meio dele, viu? Joesley: (Ininteligível). Temer: Da minha mais estrita confiança. Joesley: Tá. Temer: Vamos dizer que você não possa... (ininteligível)

Joesley: Eu, eu, eu prefiro combinar assim, ó: se for alguma coisa que eu precisar e tal, então eu falo com o Rodrigo, se for algum assunto desse tipo aí. Temer: Ai você (ininteligível). Joesley: É... Temer: Pela garagem. Joesley: Pela garagem. Temer: Sempre pela garagem, viu? Joesley: Funcionou superbem. Temer: É. Joesley: Onze hora (sic) da noite, meia-noite, dez e meia, vem aqui . Temer: (Ininteligível). Não tem imprensa.

 

O globo, n. 30640, 27/06/2017. País, p. 5