Título: Sem medo, eles encaram o sobe e desce da bolsa
Autor: Bonfanti, Cristiane
Fonte: Correio Braziliense, 06/01/2012, Economia, p. 11
Número de investidores da terceira idade cresceu 27,7% nos últimos dois anos. Cerca de 30% dos recursos vão para a compra de ações
Depois de mais de quatro décadas de trabalho para construir uma carreira e um patrimônio, o engenheiro Marco Silva, 66 anos, decidiu apostar em um mercado de alto risco. Acostumado com investimentos tradicionais, como a caderneta de poupança e o setor imobiliário, ele passou a destinar, há dois anos, parte de seus recursos para a compra de ações listadas na Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa). O caso de Silva é apenas um pequeno recorte de uma geração que, ao ver a expectativa de vida saltar de 62,6 anos para 73,5 anos desde 1980, enxergou a possibilidade de realizar aplicações de longo prazo e ter ganhos maiores mesmo após a aposentadoria.
É uma nova terceira idade que mudou pensamentos e hábitos. No passado, ao chegar a essa faixa etária, depois de tantos planos concretizados, os brasileiros entendiam que não tinham mais que poupar e se empenhar em realizar projetos, sobretudo correndo o risco de perder parte do patrimônio amealhado ao longo de décadas de trabalho duro, como no caso do mercado acionário, muito sensível a qualquer intempérie na economia. A mudança de postura é retratada pela BM&FBovespa. O número de investidores com mais de 56 anos cresceu 27,7% entre dezembro de 2009 e novembro de 2011, de 124.652 para 159.237.
Silva explica que a ideia de se arriscar na bolsa começou ainda nos anos 1980. À época, ele decidiu colocar parte de seus recursos nas ações, mas viu o dinheiro desaparecer por causa das turbulências vividas no país, que afundava na hiperinflação. "Na ocasião, não gostei e deixei para lá. Agora, depois do estouro da crise imobiliária de 2008, vi que a bolsa caiu, mas se recuperou. Comecei a aplicar em fundos de renda fixa e, mais tarde, em ações", diz o engenheiro.
Com os novos investimentos, a preocupação de Silva é não apenas manter o padrão de vida após a aposentadoria, mas também deixar um patrimônio para a família. "Quero complementar o que o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não pode fazer e garantir o futuro dos meus filhos. A aplicação em ações é de risco. Sei que estou sujeito a ganhar e a perder. Mas tomo cuidados, como acompanhar sempre o noticiário econômico e investir em empresas sólidas", afirma. Hoje, o valor máximo pago aos beneficiários pelo INSS é de R$ 3,6 mil.
Inflação Alexandra Almawi, economista da Lerosa Investimentos, avalia que o interesse de pessoas na terceira idade pela bolsa de valores é maior justamente entre aquelas que querem reservar recursos para a família. "Elas podem entrar na bolsa, mas o investimento não pode ser uma parcela significativa de seus recursos. Muitas querem formar uma poupança para os seus herdeiros. O que elas não devem é aplicar todo o dinheiro que têm para viver", alerta.
José Alberto Netto Filho, professor de educação financeira da BM&FBovespa, destaca que outro motivo para o aumento no número de investidores nessa faixa etária é a estabilidade financeira que eles adquirem ao longo da vida — e, claro, a previsibilidade maior da economia, com a inflação dentro das metas definidas pelo governo. "Muitos se aposentam, continuam trabalhando e têm o fundo de garantia em mãos. Querem maximizar os rendimentos", pondera.
A economista da Lerosa observa, porém, que grande parte das pessoas com mais de 60 anos de idade que está na bolsa começou a aplicar há mais de 10 anos e ganhou com a valorização ao longo do tempo. "Também vemos hoje um grande número de mulheres que estão se interessando mais por seus investimentos de risco e ingressam na bolsa, seja por causa do divórcio ou da morte do marido", diz.
Dividendos De fato, pelos dados da BM&FBovespa, embora as mulheres ainda representem 27,2% do total de investidores da terceira idade, proporcionalmente, a procura pelo mercado acionário tem crescido mais entre elas. O número de investidoras acima de 60 anos saltou 30,6% desde dezembro de 2009, de 33.162 para 43.324. Entre eles, o avanço foi de 26,7%, de 91.490 para 115.913.
Apesar do aumento na expectativa de vida dos brasileiros e da estabilidade da economia nacional, especialistas destacam que quem quer ingressar no mercado acionário após os 50 ou 60 anos de idade deve redobrar os cuidados. "Quanto mais avançada for a idade, menor deve ser a concentração de recursos em renda variável. Apesar de a liquidez ser uma vantagem no mercado de ações, pode ser que, no momento do resgate, a bolsa tenha caído por causa de influências externas", destaca Fernanda Machado Ramos, assessora da Mundial Investimentos.
Ela sugere que, mesmo no caso das ações, parte dos recursos deve ser destinado para aquelas que distribuem lucros aos acionistas — os chamados dividendos, repassados a cada ano, semestre, trimestre ou mesmo mês. "As companhias do setor elétrico são, tradicionalmente, boas pagadoras de dividendos. Além de ter uma demanda constante, ele não tem gastos com propaganda e marketing, o que costuma consumir porte dos lucros das empresas", diz.
Nas contas de Alexandra, da Lerosa, entre os idosos, o máximo aplicado em ações deve chegar a 20%. "Nos Estados Unidos, há uma máxima que diz que, aos 30 anos de idade, 70% do dinheiro deve ir para a bolsa. Aos 70 anos de idade, apenas 30% vai para a renda variável", compara a economista. Netto Filho, da BM&FBovespa, ressalta ainda que as pessoas devem ter paciência diante da instabilidade dos preços das ações. "Esse é um investimento que leva tempo para dar um bom retorno. Além disso, nunca se pode investir sem a orientação de uma corretora de valores que seja credenciada na bolsa e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a xerife do mercado de capitais brasileiro", orienta.
2012, época de cautela O ano de 2011 foi péssimo para o mercado acionário. O Ibovespa, principal índice de lucratividade da Bolsa de Valores de São Paulo (BM&FBovespa), registrou queda de 18,1%, o pior resultado entre todas as aplicações disponíveis no mercado. Para 2012, os analistas recomendam cautela aos investidores. Não sem motivos. A crise europeia, que, no ano passado, empurrou os preços dos principais papéis ladeira abaixo, está longe do fim e pode jogar a economia global para a recessão, com sérios efeitos sobre o Brasil.