BNDES NA MIRA DO TCU

ELIANE OLIVEIRA

 MANOEL VENTURA

DANIELLE NOGUEIRA

GLAUCE CAVALCANTI

06/07/2017

 

 

 
 
Tribunal fará auditoria em todas as operações do banco para averiguar impacto na economia
 
O Tribunal de Contas da União (TCU) autorizou, ontem, a realização de uma auditoria no BNDES para avaliar o real impacto dos empréstimos concedidos pelo banco na economia. A decisão representa a medida mais rigorosa tomada pelo tribunal no acompanhamento das operações de crédito do banco de fomento, que já vinha sendo investigado em razão do apoio ao setor de frigoríficos, principalmente à JBS. Segundo o TCU, o ministro Vital do Rêgo, designado relator do caso, vai estabelecer o período sobre o qual ele vai se debruçar. Em outra decisão do órgão que terá impacto para o banco de fomento, o TCU concluiu que pode usar provas obtidas na delação premiada do empresário Joesley Batista, dono da JBS, para investigar o relacionamento da empresa com o banco.
 

Ao apresentar a proposta de auditoria do banco ao plenário do tribunal, Vital do Rêgo destacou que há uma “percepção geral de que o BNDES é uma instituição de fomento do desenvolvimento nacional contemplada com elevadas somas de recursos orçamentários” para cumprir sua missão institucional. O ministro faz uma série de questionamentos quanto ao retorno para a sociedade dos financiamentos. Ele quer saber quantos empregos foram gerados, qual o incremento na arrecadação tributária, se houve melhoria em infraestrutura logística, quais os benefícios gerados para a economia do país e para os setores contemplados e as causas do eventual fracasso dessa política. Ele lembra que os empréstimos são a juros subsidiados pela União.

O ministro comentou números de 2016, ano em que o banco desembolsou R$ 88,3 bilhões, o menor volume desde 2007. Segundo Vital do Rêgo, naquele ano, “o BNDES foi responsável pelo gasto de R$ 29,15 bilhões, valor que, somado ao montante de R$ 10,21 bilhões destinado ao Programa de Sustentação de Investimento (PSI), a cargo do mesmo banco, chega a R$ 39,6 bilhões, ou seja, mais de 36% dos benefícios financeiros e creditícios concedidos no exercício”.

De acordo com o ministro do TCU, estão previstos subsídios da ordem de R$ 36,1 bilhões, sendo R$ 15,4 bilhões somente em 2017.

O presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, acompanhou julgamentos realizados no TCU ontem em Brasília. Segundo fontes, ele cumpriu uma agenda de reuniões até a noite. No comando do banco desde junho — após Maria Silvia Bastos Marques renunciar ao cargo no fim de maio — Paulo Rabello deve apresentar um estudo sobre as operações realizadas pelo banco, focado principalmente nas que foram alvo de questionamentos, diz uma fonte próxima ao executivo. A previsão é que o levantamento esteja concluído em até 15 dias.

Segundo fontes próximas ao banco, a varredura nas operações pode ser uma oportunidade de mostrar que os financiamentos sob suspeita representam a minoria. Os financiamentos do banco têm sido alvo de análise pública cada vez mais rigorosa desde que foi deflagrada a Operação Bullish, da Polícia Federal, em maio, que investiga fraudes e irregularidades em aportes do banco à JBS.

Desde que Maria Silvia fez uma revisão da política operacional do banco, antes mesmo das aprovações os pedidos de empréstimo precisam apresentar metas sobre os resultados e métricas que possibilitem o seu acompanhamento. Anteriormente, o banco já costumava informar o volume de empregos que poderiam ser gerados com os projetos apoiados. A crítica mais frequente, porém, se concentrava na dificuldade de acompanhar posteriormente o cumprimento dessas metas.

Para Fábio Klein, analista de finanças públicas da Tendências Consultoria, a decisão do TCU tem um objetivo correto, considerando que o BNDES é um banco que utiliza recursos públicos e os redistribui em forma de investimento, perseguindo a meta de garantir retorno social. A dificuldade, contudo, virá na definição de uma metodologia para aferir os resultados a partir dos financiamentos concedidos.

— Embora a empresa que toma crédito seja beneficiada ao expandir sua operação, o retorno desse crédito deve ser calculado a partir da lógica pública, de estímulo ao retorno econômico e social. O objetivo da medida está correto, mas precisa ser aplicado olhando o passado com foco no futuro. A grande dificuldade é definir uma metodologia e como serão calculados os benefícios sociais alcançados — pondera o economista.

Klein diz que o banco tem voltado as atenções ao impacto dos empréstimos para a sociedade.

— Definir áreas de alto retorno social, como saneamento básico e inovação, já é uma forma de garantir a eficácia dos investimentos. Atualmente, há questionamentos partindo da premissa de que houve (em alguns empréstimos) maior benefício ao interesse privado. A sociedade financiou isso. E pouca transparência em critérios pode gerar indagações — diz ele.

Também em sessão realizada ontem, o TCU decidiu que pode usar provas que estão no acordo de delação premiada fechado por Joesley Batista com o Ministério Público Federal em casos envolvendo a JBS e o BNDES. Na prática, o tribunal vai requerer acesso aos termos do documento para tomar providências, como por exemplo responsabilizar e punir Joesley, além de ex-gestores do BNDES e do governo federal. A decisão é polêmica, porque uma cláusula do próprio acordo prevê que as informações repassadas pelo delator só podem ser usadas como provas em situações que não o prejudiquem.

O acordo foi homologado pelo relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Edson Fachin, e confirmado pelo plenário do tribunal. Um item do acordo de Joesley assinado com a PGR prevê que as informações repassadas pelo delator só podem ser usadas como prova em processos cíveis e administrativos em situações que não o prejudiquem.

O TCU investiga indícios de irregularidades no negócio entre o BNDES e o Grupo JBS na compra do frigorífico Swift Foods, em 2007. Para a Corte de contas, há indícios de favorecimento do banco de fomento, que comprou ações em operação de US$ 750 milhões à época. Auditoria na transação mostra que o braço do banco de fomento voltado à aquisição de participação de empresas, a BNDESPar, pagou indevidamente ágio de R$ 0,50 em ações, o que teria causado dano milionário ao erário.

 

JBS VAI RECORRER DA DECISÃO

Quando o TCU decidiu abrir o processo para investigar o negócio, citou, entre outras pessoas, o ex-presidente do banco Luciano Coutinho e o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega. Após a delação premiada de Joesley ser tornada pública, o TCU decidiu citar também o empresário. Com a citação, Joesley, Coutinho e Mantega devem apresentar suas defesas ou recolherem ao BNDES R$ 69 milhões em valores atualizados. Ex-dirigentes do banco têm afirmado que não houve irregularidade nas operações.

— As provas e as informações obtidas nesse acordo devem ser utilizadas pelo TCU na apuração das responsabilidades internas e na reparação do dano que lhe cabe. A intenção não é tirar a credibilidade dos acordos de delação premiada. A intenção é reparar os danos. Essa cláusula não se aplica aqui — disse o ministro relator do caso, Augusto Sherman Cavalcanti.

O Ministério Público junto ao TCU defendeu a aplicação do acordo.

— A mesma União celebrou o acordo, concordou com essa cláusula, que foi homologada pelo plenário do STF. Esse tribunal também é a União e deve preservar o acordo. Não somos terceiros. Não podemos negar vigência a esse acordo, por mais que não concordemos com ele. Estamos tratando especificamente de Joesley e da cláusula do acordo de colaboração. Não poderia vir qualquer outro órgão e dizer que não conhece a cláusula — disse o procurador-geral do MP junto ao TCU, Paulo Bugarin.

Em nota, a JBS informou que vai recorrer da decisão. “A decisão do TCU viola as cláusulas protetivas do acordo de colaboração celebrado com a Procuradoria-Geral da República. Utilizar contra os colaboradores as provas que foram entregues pelos mesmos é um lamentável ataque ao mecanismo de colaboração. As partes envolvidas irão recorrer da decisão”, diz o comunicado da empresa.

O globo, n.30649 , 06/07/2017. ECONOMIA, p. 19