Denúncia a jato 
Catarina Alencastro e Cristiane Jungblut 
30/06/2017
 
 
Em sete horas, documento é lido em plenário e encaminhado à CCJ; Temer já foi notificado

-BRASÍLIA- O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que não vai “acelerar” a análise da denúncia contra o presidente Michel Temer, mas em menos de sete horas várias etapas do processo avançaram ontem, em um sinal de que a estratégia do Palácio do Planalto e de seus aliados de votar o assunto o mais rapidamente possível deve seguir adiante.

A denúncia foi protocolada na Câmara; lida no plenário; encaminhada à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde se dará a primeira etapa do processo; e o presidente foi notificado. Essa velocidade é parte da estratégia do governo, que teme perder apoio com o passar do tempo.

Agora, já começa a contar o prazo de dez sessões para que Temer apresente sua defesa na CCJ. Aliados dizem que até o início da semana que vem, muito antes de esgotado o prazo, os argumentos do presidente já devem aterrissar na principal comissão temática da Câmara. O governo pretende votar a denúncia na CCJ dentro de duas semanas. A análise pelo plenário ficaria para a segunda metade de julho.

Rodrigo Maia, responsável por dar a palavra final sobre o andamento da matéria na Casa, disse, no entanto, que não haverá “atropelo”. Mas toda a articulação do governo é para cortar prazos na entrega da defesa e na tramitação na CCJ, onde espera ter uma primeira vitória para mostrar força.

— Aqui não haverá nenhum atropelo, ninguém vai acelerar nada. Nós queremos que os prazos aqui sejam garantidos — disse Maia.

Aliado de Temer, Maia não esperou o fim da leitura da denúncia pela segunda secretária, Mariana Carvalho (PSDB-RO), e seguiu para o Palácio do Planalto. Visivelmente constrangido com o ato de leitura do relato do crime de corrupção, atribuído por Janot a Temer, Maia passou boa parte da leitura com os olhos fixos na tela do celular. A narração de Carvalho, que contou até com entonação teatral durante a reprodução dos diálogos entre Temer e Joesley Batista, foi assistida por apenas 12 deputados no plenário.

O primeiro passo é a análise da denúncia pela CCJ. Mesmo que a comissão rejeite a denúncia, o caso vai a plenário, onde são necessários pelo menos 342 votos (dois terços dos 513 deputados da Câmara) para que o STF esteja autorizado a julgar Temer.

O presidente da Câmara disse que não defenderá a posição do governo, nem a da oposição, e jogou para o ministro relator do caso no STF, Edson Fachin, a responsabilidade de reunir ou não as diferentes denúncias que devem ser apresentadas contra Temer pelo procuradorgeral da República, Rodrigo Janot.

— A princípio, se for outra peça e se o doutor Fachin não apensá-la, é muito difícil que a Câmara o faça. Mas esse é um debate que pode ocorrer aqui, a gente tem que ter paciência, a gente vai construindo em conjunto, de forma democrática — pontuou Maia.

Maia tem dito a aliados que se encontra num momento muito delicado porque tudo o que fizer ou disser pode ser interpretado como legislação em causa própria. Se a Câmara autorizar o Supremo Tribunal Federal a analisar a denúncia, e a Corte aceitá-la, Temer será afastado por seis meses, e é Maia quem assume em seu lugar.

— Isso aqui vai ser um debate republicano. A instituição precisa ser preservada, aqui não é para defender nem a posição do presidente, nem a posição da oposição. É para respeitar o rito e a democracia — disse a jornalistas ao pé da Mesa Diretora, enquanto a colega tucana discorria sobre as acusações elencadas contra Temer. Ao deixar a Câmara para ir ao Planalto se encontrar com Temer, Maia foi questionado sobre o estado de espírito do presidente: — Ele não está desanimado, está é preocupado. Presidente da Câmara dos Deputados

PRESSÃO SOBRE O PRESIDENTE DA CCJ

O advogado Antônio Cláudio Mariz de Oliveira foi encarregado por Temer de bater o martelo sobre o teor da defesa e a data em que ela será enviada à CCJ. Após concluída a fase da defesa, tem início o prazo de cinco sessões para que o relator apresente seu relatório e ele seja lido, discutido e votado. A oposição já avisou que usará todo o tempo que dispuser para debater minuciosamente as acusações que pesam sobre o mandatário.

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) anunciou que apresentou à comissão requerimento para que Rodrigo Janot compareça à CCJ para apresentar a denúncia pessoalmente.

Neste momento, no entanto, a maior pressão recai sobre o presidente da CCJ, o correligionário de Temer Rodrigo Pacheco (MG). Cabe a ele a missão de indicar o relator da denúncia. Pacheco tem dito publicamente que, como o momento é grave, o relator tem que ser alguém isento e independente. Esta é a primeira vez que chega à comissão uma solicitação para instaurar processo contra um presidente da República.

Estreante na Câmara, Pacheco não quer ficar com a pecha de ser manipulado pelo Planalto. E o governo fez chegar a ele a mensagem de que gostaria de um relator do PMDB. Enquanto isso, aliados de Temer circularam a versão de que Pacheco tenta posar de independente porque tem pretensões eleitorais em Minas Gerais.

Irritado com o fogo amigo, Pacheco reforçou os sinais de que não nomeará para a relatoria ninguém que seja nitidamente associado ao governo.

— O momento é delicado, grave, exige responsabilidade, serenidade, isenção e independência. Acho que essa que é a postura que a Comissão de Constituição e Justiça tem que ter diante de um assunto desses — disse Pacheco.

Inicialmente disposto a revelar a escolha tão logo a denúncia chegasse à Câmara, Pacheco deu um passo atrás e disse que só o fará na segunda ou terçafeira da semana que vem.

Entre os cotados para a missão estão os deputados Sérgio Zveiter (PMDB-RJ), Espiridião Amin (PPSC), José Fogaça (PMDB-RS) e Marcos Rogério (DEM-RO). Este último, embora conte com a simpatia de Pacheco por ser advogado como ele, poderia gerar acusações de que haveria um conflito de interesses por pertencer ao mesmo partido de Rodrigo Maia, que se beneficiaria da aceitação da denúncia.

Em outra frente, o deputado Molon ingressou no Supremo com um mandado de segurança pedindo que o presidente da Câmara desengavete os 21 pedidos de impeachment existentes contra Temer. O ministro do STF Alexandre de Moraes deu prazo de dez dias para que Maia explique por que não analisou os pedidos até agora. 

 

O globo, n. 30643, 30/06/2017. País, p. 3