Juristas criticam jantar de Temer e Gilmar: ‘conflito de interesses’

Jeferson Ribeiro 

30/06/2017

 

 

Reunião entre os dois é condenada por especialistas e professor de Ética

O jantar na casa do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes com o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral), todos investigados na Lava-Jato, foi condenado por juristas, que viram um conflito de interesses no encontro, já que Gilmar poderá julgar o presidente, denunciado por corrupção pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

— Existe um conflito de interesses de julgador e julgado se reunirem na véspera da escolha do acusador. O ministro do Supremo é o julgador que está para apreciar uma possível denúncia contra o presidente. Isso exige recato. É uma situação desconfortável, porque conspira contra o Supremo — disse o jurista Miguel Reale Junior, que integrou o comitê que criou o Código de Ética da Alta Administração Federal.

O encontro foi mantido em sigilo e não constava da agenda do presidente. Oficialmente, Mendes, Temer e os ministros discutiram pontos da reforma política, mas uma fonte também presente ao jantar disse ao GLOBO que eles chegaram a um consenso sobre a indicação de Raquel Dodge para substituir Janot à frente da Procuradoria-Geral da República.

Mendes é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no começo do mês deu voto decisivo para absolver a chapa Dilma-Temer da acusação de abuso de poder econômico, evitando a cassação do mandato do presidente. O ministro é contumaz crítico da Operação Lava-Jato e, recentemente, foi alvo de um pedido de impeachment apresentado pelo ex-procuradorgeral da República Claúdio Fontelles.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho, o encontro é preocupante por reunir um dos juízes dos processos da Lava-Jato e os alvos da investigação:

— Afinal, o ministro é o juiz de uma causa que pode atingir o presidente. O que eu vejo de problema aí seria qualquer conversa entre juízes e investigados, o que deve ser evitado ao máximo.

Ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça e do TSE, Gilson Dipp disse que Mendes sempre agiu com desenvoltura fora dos autos, emitindo opiniões fortes, e o jantar não é “uma surpresa”.

— Eu não faria esse encontro se fosse juiz — disse Gilson Dipp.

Já o professor de ética da Unicamp Roberto Romano acredita que, por ter seu nome avalizado por investigados da Lava-Jato e por Gilmar Mendes, crítico da atuação dos procuradores, Raquel Dodge ganhou uma mancha em seu currículo.

— É complicado para a indicada esse tipo de evento como marca da sua indicação. Isso pode vincar a presença dela na Procuradoria — avaliou.

Para ele, também é grave o encontro do ministro com investigados:

— Esses movimentos públicos do ministro Gilmar Mendes para defender a política são complicados. Uma coisa é defender nos autos ou nos discursos. Outra é se reunir com réus que ele vai julgar.

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Presidente faz novo encontro fora da agenda oficial

30/06/2017

 

 

Em almoço na casa de deputado, Temer chama estratégia de Janot de ‘ato político contra o país’

-BRASÍLIA- Dois dias depois de ter jantado com o ministro Gilmar Mendes, do STF, em agenda secreta, o presidente Michel Temer omitiu mais um encontro da agenda oficial ao almoçar ontem na casa do deputado Heráclito Fortes (PSBPI). Durante o encontro com o deputado, Temer criticou a decisão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, de fatiar as denúncias contra ele, com a estratégia, segundo o presidente, de provocar um desgaste político na base aliada do governo. Temer admitiu que, se a segunda denúncia só for encaminhada em agosto, não será possível esperar para juntar todas as acusações em uma só. A articulação do Planalto será para derrotar a primeira denúncia rápido, com um quórum expressivo.

— Se fosse um advogado, poderíamos chamar essa estratégia do Janot de chicana jurídica para atrapalhar o processo. O desmembramento em duas ou três ações é claramente um ato político contra o país. O ideal era que resolvêssemos isso logo, mas se tivermos um bom resultado na derrota da primeira denúncia, as outras vão perder força — avaliou Temer na conversa com parlamentares na casa de Heráclito Fortes, segundo relato de um dos presentes.

A assessoria do Palácio do Planalto não informou que o presidente teria saído para almoço. Em março, um encontro secreto no Palácio do Jaburu com Joesley Batista, dono da JBS, custou ao presidente investigações no STF por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça.

 

O globo, n. 30643, 30/06/2017. País, p. 5