Privatizar, a palavra de ordem

30/06/2017

 

 

Para Doria, país não precisa de dois bancos públicos como Caixa e BB; um deve ser vendido

Defensor da diminuição da presença do Estado na sociedade, o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou durante o “E agora, Brasil?” que o país não precisa de dois bancos públicos e que privatizaria o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal. Ele afirmou ainda que, gradualmente, faria o mesmo com a Petrobras.

— Por que precisa ter a Caixa e o Banco do Brasil? Basta uma instituição. Elas competem entre si, até razoavelmente bem, mas não há necessidade. É um custo enorme para o Estado ter duas instituições financeiras. Faça uma, competente, eficiente — disse ele, ao participar, na última terça-feira, do encontro.

Já o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi defendido pelo prefeito de São Paulo como um importante instrumento de fomento:

— Não pode é cometer equívocos, erros, parcialidades e mau caminho, fazer o que não pode fazer, mas, como banco de desenvolvimento, é importante em um país moderno e desenvolvimentista.

Doria defendeu ainda que, de tempos em tempos, se diminua a presença do Estado e seja aumentada a atuação do setor privado dentro da administração da Petrobras.

— Isso fará bem à Petrobras e não vai gerar desemprego, falta de oportunidades, ao contrário. Boa gestão gera mais empregos, oportunidades e benefícios — disse Doria.

PARCERIAS COM FUNDOS PRIVADOS

O tucano disse que viajou para o Oriente Médio, os Estados Unidos e a Coreia do Sul em busca de investimentos de fundos soberanos, que são áreas de investimento administradas pelo governo de um determinado país. Esses recursos seriam aplicados em programas de privatização da prefeitura de São Paulo.

— Fomos propor: venha para o Brasil, independentemente da situação política. O Brasil não vai acabar nem hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã — relatou.

João Doria disse que foi criticado pela agenda de viagens internacionais que fez durante os seis primeiros meses de seu mandato, mas que pretende continuar viajando para o exterior sempre que julgar necessário.

— Fui lá para o Oriente Médio, os maiores fundos soberanos do mundo, com exceção de um da Noruega, estão lá em Abu Dhabi, Dubai e Doha. Só um deles, que já esteve aqui conosco depois da nossa visita, tem US$ 3 trilhões em ativos. É o Produto Interno Bruto do Brasil — ressaltou o prefeito de São Paulo.

João Doria enviou para a Câmara Municipal um plano de desestatização com 55 ativos, como o Estádio do Pacaembu, os parques municipais e o Autódromo de Interlagos, onde são feitas as corridas de Fórmula-1. A proposta enfrenta resistência entre os vereadores, inclusive na base aliada do próprio prefeito.

— Eu defendo um Estado menor. Um Estado eficiente tem que atuar prioritariamente onde é necessário: saúde, educação, transporte e segurança pública. No restante, se tiver o setor privado para fazer, melhor. Com mais eficiência, mais transparência, menos corrupção — disse o tucano.

A intenção de Doria é passar, por exemplo, a administração dos 107 parques públicos da cidade para o setor privado, em regime de concessão. Ele ressaltou que a população não pagará ingresso para usar esses espaços.

— A prefeitura gasta R$ 120 milhões por ano (com os parques). São R$ 480 milhões em quatro anos, dá para fazer um hospital de alta complexidade com esse dinheiro — calculou.

Para Doria, a privatização significará uma melhor administração.

— Vamos privatizar o Anhembi, Interlagos, fazer a concessão do Estádio do Pacaembu, de cemitérios, serviço funerário. São áreas onde não tem a menor necessidade da presença do Estado. É só prejuízo, problema, corrupção. Vai tudo para o setor privado, que vai administrar melhor. Não vai aumentar o custo de nada — prometeu.

Doria disse que não se preocupa com eventual desgaste pela defesa das privatizações:

— Esse é um tema que até o PSDB, meu partido, não gosta de tratar. Trata com um certo prurido, um certo medo. O PT, então, nem se fala. É pior do que a cruz na frente do diabo.

Na campanha de 2006 à Presidência da República, o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, padrinho político de Doria, prometeu a funcionários do Banco do Brasil que não privatizaria a instituição. Ele também assumiu o compromisso de não privatizar a Caixa Econômica Federal, a Petrobras e os Correios. Em uma imagem emblemática daquela campanha, Alckmin vestiu uma jaqueta com as logomarcas desses bancos e empresas, além de um boné do Banco do Brasil.

No encontro “E agora, Brasil?”, Doria defendeu a profissionalização da gestão pública e a diminuição da interferência política:

— Você pode tratar bem os políticos, mas não ser subserviente. Eu aprendi no comando das empresas e olhando outros empresários bem-sucedidos que você não tem que fazer concessões onde não precisa fazer. Você tem que produzir resultados.

MENOS BENESSES

Para ele, um Estado menor diminui as chances de corrupção:

— Quanto maior o Estado, mais benesses você tem para distribuir. Com um Estado menor, você diminui a oportunidade de pedidos e de bandidagem. Fora aquela política mesquinha, pequena, de pessoas que não trabalham e ganham salário.

Ao responder a uma pergunta da plateia, Doria reconheceu que a defesa de um Estado quase mínimo não está na carta de fundação do PSDB, mas disse que o partido precisa se renovar e evoluir com o tempo.

— Não se pode imaginar que uma carta escrita no fim dos anos 1980 ainda tenha validade. O mundo muda numa velocidade extraordinária. É preciso que os partidos compreendam a necessidade dessa mudança. O próprio PSDB precisa ter uma evolução. O PSDB precisa estar sintonizado com essa nova realidade — argumentou o prefeito aos convidados do debate “E agora, Brasil?”.

 

‘Você não pode ficar eternamente dando bolsa família’

“Política social moderna” é geração de emprego com incentivo ao empreendedorismo. Dessa forma, o prefeito João Doria (PSDB) admitiu algo que nenhum político fez nas últimas três eleições presidenciais: é contra o Bolsa Família. O tucano, no entanto, foi cauteloso e disse que, mesmo assim, não defende a extinção do programa, uma das principais marcas do PT:

— Não sou a favor de bolsas. Não podemos acabar com elas, mas não devemos estimulálas. Você não pode ficar eternamente dando Bolsa Família e alimentando as pessoas dessa forma. Acho que não é o caso de tomar atitudes drásticas e simplesmente acabar, mas migrar essas pessoas para oportunidades do emprego.

Doria defendeu o incentivo ao “capital” como estratégia para enfrentar pobreza e desigualdade:

— Sou um grande incentivador do capital. O capital gera emprego, oportunidades e atividade empreendedora.

Nessa linha, destacou o lançamento, pela prefeitura de São Paulo, do programa Empreenda Fácil, que reduziu o prazo de abertura e licenciamento de empresas.

— A vocação dos brasileiros é muito para a atividade empreendedora. Nas periferias é onde está o maior sentimento de empreendedorismo — disse ele, destacando que, atualmente, é possível criar negócios até pelo celular.

O colunista do GLOBO Merval Pereira, um dos mediadores do encontro “E agora, Brasil?”, aproveitou para lembrar da pesquisa feita entre novembro do ano passado e janeiro deste ano pela Fundação Perseu Abramo, do PT, com ex-eleitores do partido na periferia de São Paulo. O levantamento mostrou que, para esse segmento, a melhora na condição de vida é resultado do esforço pessoal. Já o Estado é alvo de queixas, principalmente pela cobrança de impostos.

Ainda de acordo com essa pesquisa, grande parte do eleitorado que abandonou o PT defende a adoção de métodos empresariais na gestão pública, uma das bandeiras de Doria.

ABERTURA DE EMPRESAS EM SETE DIAS

Segundo o prefeito, o programa Empreenda Fácil reduziu para sete dias o prazo para a abertura de uma empresa. Para ele, isso também é política social:

— Até 31 de maio, levava-se 128 dias para abrir uma empresa em São Paulo, uma vergonha. Isso por excesso de burocracia, solicitações, um conjunto de bobagens.

No encontro “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO, com patrocínio da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e apoio do Banco Modal, na última terça-feira, Doria disse que havia se reunido, na véspera, com uma multinacional provedora de soluções. O objetivo, segundo ele, foi negociar a implantação de unidades da empresa na periferia de São Paulo. A proposta é que eles empreguem mão-de-obra local e, em contrapartida, tenham redução de imposto.

— Nós vamos conceder um imposto diferenciado, desde que a implantação seja feita na Zona Leste da cidade e empregue 80% de pessoas residentes na Zona Leste — explicou o prefeito.

Outra iniciativa citada por ele no encontro foi a negociação da prefeitura com quatro bancos para o oferecimento de microcrédito, no valor de R$ 15 mil a R$ 20 mil.

— Isso é política social moderna, porque garante que elas (as pessoas) são donas de seu destino e, a médio prazo, serão geradoras de empregos também.

O prefeito de São Paulo citou também o seu plano de privatizações, que depende de aprovação da Câmara Municipal, como fonte de geração, de renda e de oportunidades:

— Isso é uma visão moderna e não uma visão arcaica e velha de Bolsa Família.

Ele já havia ironizado, em sua exposição inicial, a política de seu antecessor, Fernando Haddad (PT), para a Cracolândia.

“CRIARAM A BOLSA CRACK”

Doria classificou como “equívoco” o programa Braços Abertos, de redução de danos, que oferecia emprego a usuários de crack em atividades remuneradas pela prefeitura, como a varrição das ruas da cidade.

— Pagava ao cidadão um salário de R$ 100, R$ 120 para limpar a cidade. Ele não limpava e o que fazia? Comprava mais crack. Criaram a Bolsa Crack. Aumentaram o preço da pedra de crack — criticou o prefeito, que também sofreu críticas sobre a efetividade da ação na Cracolândia, embora tenha obtido aprovação popular depois que as primeiras ações ganharam as ruas da capital.

Na área da saúde, Doria disse que conseguiu do setor privado uma doação “bastante expressiva” de medicamentos.

— Hoje temos uma média de 94% ,95%, 96% de medicamentos nas unidades básicas de saúde (UBS) da prefeitura de São Paulo. A Prefeitura gasta R$ 100 milhões por mês em medicamentos em São Paulo. É uma demanda brutal. Remédios contínuos, caros inclusive. Nós provemos gratuitamente para a população. É dever do Estado.

 

O globo, n. 30643, 30/06/2017. País, p. 7