Inflação menos a longo prazo 
Gabriela Valente 
30/06/2017
 
 
Governo aproveita preços sob controle e, após 12 anos de 4,5%, reduz meta até para 2020

-BRASÍLIA E RIO- Sob críticas de que poderia perder a oportunidade de manter a inflação baixa no país, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu fixar não apenas uma meta menor para 2019, como esperado pelo mercado, mas também um objetivo mais ambicioso para 2020. Em reunião extraordinária na manhã de ontem, o CMN estabeleceu em 4,25% a meta para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2019, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. E fixou um patamar ainda menor, de 4%, para 2020. Desde 2005, a meta de inflação no país, objetivo que baliza as decisões do Banco Central (BC) sobre os juros básicos da economia, era mantida em 4,5%. É este o patamar fixado também para este ano e para 2018.

A meta de inflação é fundamental para a econômica. O BC aumenta os juros quando quer segurar a alta de preços (diminuindo, assim, a oferta de crédito disponível para consumo) e reduz as taxas quando a inflação está muito baixa e há espaço para a estimular a economia.

Nos últimos sete anos, porém, a inflação ficou acima do centro da meta. Com a recessão, a inflação caiu com força e, nos últimos 12 meses, o IPCA está em 3,6%. Por isso, o CMN aproveitou a oportunidade para reduzir as metas de longo prazo. Já era esperada a redução da meta para 2019 — normalmente, em junho, a reunião do CMN fixa a meta de dois anos à frente. Para fixar a meta também de 2020, o governo publicou um decreto no Diário Oficial da União, que permitiu que o conselho criasse esse objetivo.

Os três integrantes do CMN — o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles; o titular do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o presidente do BC, Ilan Goldfajn — frisaram que o estabelecimento de um horizonte de longo prazo para a queda da inflação é fundamental para a previsibilidade das projeções e para a recuperação do país.

— A fixação de uma meta menor vai levar a índices mais baixos, desde que seja crível — afirmou o presidente do BC.

Ilan já havia defendido que o país, a longo prazo, persiga metas de inflação similares às de países avançados, em torno de 3%.

Como a alta dos preços está em patamar baixo nos últimos meses, parte dos analistas do mercado defendia que o governo alterasse também a meta de inflação de 2018. A previsão é que o IPCA fique em 4,30% no ano que vem — ou seja, abaixo da meta atual, que é de 4,5%. No entanto, a visão do governo é que é importante não mudar objetivos previamente traçados, porque isso poderia abrir precedentes.

Meirelles, Ilan e Dyogo Oliveira, ao anunciar as metas de 2019 e 2020. Equipe econômica não quis mexer na de 2018, que já estava fixada, para não criar precedente

— Fixamos metas e não pretendemos mudá-las. Nem as passadas, nem as futuras — afirmou Ilan.

Meirelles ressaltou que alterar a meta para o ano que vem poderia dar sinais de que os objetivos não são firmes e poderiam ser mudados ao sabor da conjuntura:

— Existe custo de mudança de meta. Algo que surpreendesse a todos. Do ponto de vista de ancoragem de expectativas futuras, não seria bom para a inflação. É importante, cada vez mais, que ancoremos as expectativas.

MEIRELLES DIZ QUE META FISCAL SERÁ CUMPRIDA

O ministro da Fazenda também frisou que, em alguns momentos, a inflação pode ficar abaixo da meta e que, por isso, há o intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Essa banda foi mantida para as metas fixadas até 2020.

Repetidamente, os três ministros que compõem o CMN citaram a desarrumação da economia no governo passado, mas sem mencionar diretamente a equipe econômica da ex-presidente Dilma Rousseff. Lembraram que inflação alta não é sinônimo de crescimento. Explicaram que a missão agora é deixar claro que as metas serão cumpridas. Assim, o país terá inflação mais baixa no futuro.

— Não há dúvidas que de há uma sinalização de convergência para padrões internacionais — disse Meirelles.

Os ministros afirmaram que a tramitação das reformas — que sofre atraso por conta da crise política — não influenciou o estabelecimento da meta de inflação. Mas ressaltaram que a aprovação da reforma da Previdência, que diminuirá os gastos públicos, terá impacto no nível de juros que o país precisa praticar para manter a inflação sob controle.

Meirelles teve de responder novamente se o governo estuda elevar a Contribuição sobre Intervenção do Domínio Econômico (Cide, o imposto sobre os combustíveis). Ele disse que a equipe econômica sempre anuncia o mais rapidamente possível suas decisões. E que, se for preciso, aumentará imposto para cumprir a meta fiscal do governo deste ano, que é manter o rombo das contas públicas em R$ 139 bilhões.

— Se precisar, vamos aumentar. Não foi tomada essa decisão — disse o ministro.

Ilan foi perguntado se, diante do acirramento da crise política, permanecerá no comando do BC mesmo num eventual afastamento do presidente Michel Temer, e se a política monetária também seria mantida.

— Acho que a pergunta é para mim, e vou ter de responder. Acho que a resposta é: sim, sim — resumiu Ilan.

Ele acrescentou que o BC é uma instituição que preza sua autonomia e que olha o longo prazo:

— E o presidente do Banco Central está dentro desse contexto institucionalizado onde nós estamos trabalhando para a economia brasileira e para o país.

O ministro da Fazenda disse que o governo não trabalha por hipóteses:

— Agora, evidentemente, compete ao presidente da República a nomeação dos seus ministros. Não só os aqui presentes, mas quaisquer ministros.

DÓLAR IMPEDE QUEDA DOS JUROS FUTUROS

A mudança da meta foi bem recebida pelo mercado, que já esperava uma decisão nesse sentido. A Bolsa fechou em alta de 0,35%, aos 62.238 pontos, apesar de o cenário externo ter levado o dólar comercial a subir 0,73%, a R$ 3,308.

A decisão do CMN chegou a provocar queda dos juros futuros longos, mas a valorização do dólar acabou fazendo com que as taxas subissem. O contrato DI com vencimento em janeiro de 2021 passou de 10,13% para 10,17%; o com prazo em 2020 foi de 9,58% para 9,64%. O contrato curto, que vence em 2018, avançou de 8,95% para 8,97% ao ano.

 

O globo, n. 30643, 30/06/2017. Economia, p. 21