Para economistas, meta menor de inflação aponta estabilidade

Lucianne Carneiro e Rennan Setti 

30/06/2017

 

 

Medida, porém, pode dificultar cumprimento do teto de gastos à frente

A redução da meta de inflação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) foi recebida com otimismo por economistas, que veem na medida um sinal de maior estabilidade na economia. Os analistas lembram, porém, que a meta menor terá como efeito colateral dificultar o já complicado ajuste fiscal que o país atravessa. E veem um peso político na decisão da equipe econômica, que tentaria, assim, mostrar que a crise do governo não afetará a recuperação da economia. Não há unanimidade, porém, se essa estratégia é a adequada.

— Entendo que o CMN fez o que deveria ser feito e queira separar a política da economia, faz sentido. Mas a decisão chega em um momento de grande incerteza, e é pouco provável que a reforma da Previdência passe a médio prazo. É ótimo que se queira reduzir a inflação para níveis internacionais, mas temos um presidente acusado de corrupção. Trata-se de um horizonte de muito longo prazo para uma conjuntura de tanta incerteza já no curtíssimo prazo — avalia Italo Lombardi, economista e estrategista para América Latina do Crédit Agricole CIB.

BC QUER ANCORAR EXPECTATIVAS

Para Luiz Roberto Cunha, professor de Economia da PUCRio, a decisão foi acertada.

— Numa fase tão dramática e tão incerta, a demonstração de confiança na economia é importante, e a decisão de reduzir a meta é mais uma demonstração de confiança. A princípio, não vai mudar a ação do Banco Central a curto prazo, porque a inflação está baixa por causa da recessão — observa.

Ele minimiza uma possível preocupação sobre o impacto da meta menor para a retomada do crescimento econômico:

— Teoricamente, uma meta de inflação de 4% em 2020 poderia dificultar a saída da recessão. Mas, para isso, teríamos de ter avançado nas reformas, um cenário que não existe.

Heron do Carmo, professor de Economia da FEA/USP, vê como “muito positiva a sinalização de uma meta menor em 2020”, já que o país perseguia, há dez anos, o mesmo objetivo de 4,5% para a inflação. Mas ele ressalta os efeitos fiscais da decisão:

— Considerando que a inflação deve ficar em torno de 3% em 2017, é interessante aproveitar para deixar claro que se quer trazer a inflação para 3% ao ano em bases permanentes — diz. — Só que isso cria um problema de administração fiscal. Por causa do teto dos gastos públicos (aprovado no fim de 2016), os gastos primários não podem crescer mais que a inflação.

Ele explica que a inflação menor dificulta o cumprimento do ajuste fiscal e que isso ocorrerá principalmente em 2018, já que a inflação corrente está em nível mais baixo e será usada como referência para a expansão dos gastos no próximo ano. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 3,6% nos 12 meses encerrados em maio — a menor taxa nessa comparação em dez anos. Para Heron, no entanto, isso pode até ser bom, já que o ajuste fiscal tem de ser feito de qualquer maneira.

Para Alberto Ramos, chefe de pesquisa econômica para América Latina do banco Goldman Sachs, a decisão do CMN vai na direção de uma inflação baixa e estável, o que ele considera como “a melhor contribuição para criar as condições para um crescimento sólido e sustentável”. Ele acredita que as novas metas são “críveis e alcançáveis”.

Solange Srour, economista da ARX Investimentos, vê a redução da meta como necessária:

— A expectativa de inflação para 2019 já está em 4,25%, segundo o boletim Focus. Se o CMN mantivesse a meta em 4,5%, a expectativa subiria até convergir para esse nível. Isso desancoraria a inflação e atrapalharia o ciclo atual de queda de juros. Aconteceu algo parecido em 2007, quando o CMN definiu a meta para 2009 em 4,5%, no momento em que a expectativa pelo Focus já estava em 4%.

 

O globo, n. 30643, 30/06/2017. Economia, p. 22