Com acordo, votação da reforma para maio

Idiana Tomazelli / Adriana Fernandes / Igor Gadelha

20/04/2017

 

 

Governo minimizou impacto da negociação; relator enfrenta pressão de servidor público

 

 

O governo fechou um acordo com a oposição na Câmara que vai atrasar ainda mais a votação da reforma da Previdência. O resultado dessa negociação pode trazer riscos à proposta, uma vez que a primeira prova de fogo, a votação na comissão, foi transferida para 2 de maio, logo após dois protestos contra a reforma convocados para 28 de abril e 1.º de maio. O governo teme que as manifestações façam deputados da base desistir de aprovar a reforma. No plenário, o primeiro turno deve ocorrer só em 15 de maio.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, procurou minimizar o impacto do acerto e disse que uma aprovação mais tarde nas duas Casas, “em agosto”, não vai comprometer a reforma.

Em troca do adiamento, a oposição garantiu que não vai obstruir os trabalhos na comissão, mas os deputados poderão usar o regimento para “derrotar” a proposta, prometeu a deputada Jandira Feghali (PCdoB- RJ). O acordo ampliou as incertezas no mercado financeiro em relação aos rumos da reforma e derrubou a Bolsa de Valores, ao mesmo tempo em que dólar e juros passaram a subir.

O relator, deputado Arthur Oliveira Maia (PPS-BA), considerou o trato favorável e negou qualquer risco. “Mas o protesto vai ser dentro da comissão?”, ironizou. Integrantes da base aliada, contudo, reconheceram que existe a ameaça de a proposta ficar exposta aos protestos.

O governo só conseguiu concluir a leitura do relatório pouco antes das 21 horas, pois foi preciso suspender a sessão da comissão no início da tarde para votar as mudanças no projeto que cria o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) dos Estados.

No tempo em que conseguiu ler seu parecer, o relator anunciou uma “surpresinha”: a redução da exigência de idade mínima das trabalhadoras rurais, de 60 anos para 57 anos. O tempo mínimo de contribuição foi mantido nos atuais 15 anos.

O relatório ainda alterou a velocidade de aumento das idades mínimas de transição das mulheres, proibiu a concessão de qualquer tipo de nova isenção previdenciária e confirmou regras mais brandas para policiais, que poderão se aposentar com idade mínima de 55 anos, sem pagar o pedágio de 30% e com direito ao salário integral (para os que entraram até 2013).

 

Pressão. Mesmo depois de ceder nesses e em outros pontos cruciais da reforma, o governo passou a enfrentar ontem uma nova e renovada onda de pressão por maior flexibilização na proposta. A bancada feminina ainda luta por uma idade mínima de 60 anos para mulheres.

Além disso, juízes, procuradores do Ministério Público e representantes de carreiras de Estado, como os auditores da Receita, acionaram as bases de apoio parlamentar para reverter a exigência imediata do cumprimento de 62 anos (mulher) e 65 anos (homem) para a aposentadoria integral de servidores que ingressaram até 2003.

O relator distribuiu à comissão uma errata reconhecendo que essa exigência “contraria a expectativa de direito”. Depois disso, foi distribuída a terceira versão do relatório num único dia. A jornalistas, no entanto, Oliveira Maia garantiu que manterá a regra mais dura, mesmo confrontado com a errata. A oposição já disse na comissão que vai exigir que ele se explique e retire a previsão de exigir a idade mínima final para a integralidade. 

 

Acerto

55 anos será a idade mínima para aposentadoria de policiais, que foram liberados de pagar o pedágio de 30% sobre o tempo restante, como as demais categorias, e terão direito ao salário integral (para os que entraram até 2013)

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Previdência precisará de nova mudança em 5 anos, dizem analistas

Alexa Salomão

20/04/2017

 

 
Para economistas,com as mudanças no projeto, esse é o período em que o teto de gastos vai ‘estourar’

 

 

Os técnicos do Ministério da Fazenda e os economistas do mercado financeiro têm contas diferentes sobre o impacto das mudanças feitas na proposta de reforma da Previdência. Mas o que preocupa os especialistas não são as pequenas variações contábeis, mas o cenário quando se leva em consideração outra proposta da atual gestão, que já está em vigor: o teto do gastos, que limita as despesas do orçamento de um ano com base na inflação do ano anterior.

Pelas projeções do mercado, do jeito que a reforma ficou, em cinco anos o teto “estoura” – o que vai exigir novas medidas para cortar os gastos, elevar as receitas ou que se faça, em poucos anos, mais uma rodada de reformas na Previdência.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já anunciou que as alterações feitas pelo relator da reforma da Previdência vão representar uma perda entre 20% e 30% em relação à estimativa inicial de economia. Em 10 anos, a redução prevista, que era próxima de R$ 800 bilhões, vai cair para R$ 600 bilhões. Os economistas que se debruçaram sobre as projeções, na média, veem uma perda um pouco maior, acima de 40%.

Ministério da Fazenda e mercado financeira discutiram metodologias de cálculos dos efeitos da reforma da Previdência num encontro técnico, na capital paulista, no início da semana.

Apresentaram as suas contas os bancos Itaú, Safra e BBM, as gestoras de recursos SPX, Claritas e Mauá Capital. Na plateia estavam economistas de outras instituições financeiras e consultorias empresariais.

Pelo cálculo do Itaú Unibanco, por exemplo, a proposta inicial enviada ao Congresso pelo governo poderia gerar uma economia de R$ 760 bilhões até 2017. Com as mudanças, o corte de despesas tende a cair para cerca de R$ 430 bilhões. Para o economista Pedro Schneider, do Itaú Unibanco, a diferença porcentual entre os cálculos é o menor dos problemas. “O ruim seria não fazer nada; qualquer mudança é bem-vinda, pois evita a explosão da conta previdenciária”, diz.

 

Medidas. Mas Schneider reforça que o governo vai precisar, quanto antes, adotar medidas adicionais para compensar o fato de a economia ser menor: “Nossas propostas são cortar, ao máximo, os subsídios agrícolas, mudar as regras do Minha Casa, Minha Vida, acabar com todas as desonerações sobre a folha e tirar o abono salarial – o que já deveria ter sido feito”.

Sem adoção de medidas adicionais, já se formou o consenso entre os economistas de que o problema será segurar o teto dos gastos. “Avaliando todas as projeções dos colegas, fica claro que em cinco ou, no máximo, seis anos, o teto dos gastos estoura”, diz Evandro Buccini, da Rio Bravo Investimentos, que estava na plateia do evento em São Paulo. O resumo da situação econômica nacional nas palavras de Buccini: “Com certeza, hoje estamos melhor do que há um ano, e estamos no caminho certo, mas o problema fiscal continua muito grave”.

O economista Paulo Tafner, professor da Universidade Cândido Mendes e especialista em Previdência, estimou que a perda pode ser ainda maior: entre 50% e 60%. Mas ele também considera o relatório final um avanço. “Todo mundo deu seus pitacos. Parece que é o que seria viável de aprovar. Mas teremos uma reforma homeopática. Será como levar um enfartado para o hospital de carroça, em vez de usar uma ambulância”, diz Tafner. / DANIELA AMORIM

 

Alterações. Meirelles diz que perdas ficarão entre 20% e 30%

 

 

Homeopática

“Teremos uma reforma homeopática. Será como levar um infartado para o hospital de carroça, em vez de uma ambulância.”

Paulo Tafner

ECONOMISTA E PROFESSOR DA UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

 
 
 
O Estado de São Paulo, n. 45110, 20/04/2017. Economia, p. B3.