Compra do banco Pan entra na mira da PF

Fábio Fabrini / Júlia Affonso / Fausto Macedo

20/04/2017

 

 

Operação Conclave, deflagrada ontem, apura suspeitas de irregularidades na compra do banco de Sílvio Santos pela Caixa, em 2009

 

 

A Polícia Federal cumpriu ontem 41 mandados de busca e apreensão contra empresas e executivos por suspeita de gestão fraudulenta e temerária na compra de fatias do Banco Panamericano, que pertencia ao Grupo Sílvio Santos, pela Caixa Participações.

A operação, batizada de Conclave, cumpriu medidas nas sedes das instituições financeiras envolvidas no negócio e nas casas da ex-presidente da Caixa Maria Fernanda Ramos Coelho; do empresário Henrique Abravanel, irmão de Sílvio Santos; e do banqueiro André Esteves, do BTG, sócio do Panamericano, entre outros. Também foram recolhidos documentos e mídias no Banco Central, em Brasília, e em consultorias que deram aval aos negócios.

A compra de uma parte do Panamericano (hoje Banco Pan) pela Caixa já é discutida em uma ação ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), por supostos crimes contra o sistema financeiro.

Um inquérito aberto em Brasília apontou novos indícios de irregularidades, motivando a Conclave ontem.

A Caixa comprou 35% do capital social do Panamericano em dezembro de 2009, pagando R$ 739 milhões. Em julho, o Banco Central aprovou o negócio preliminarmente.

Meses depois, o próprio BC revelou uma série de erros contábeis nos balanços do banco, entre os quais a venda de carteiras de empréstimo sem a devida baixa nos ativos. Os créditos fictícios inflaram os resultados da instituição, maquiando a situação real, de insolvência.

Na prática, a Caixa investiu alto em uma instituição com rombo de R$ 3,8 bilhões, que teve de ser coberto pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Trata-se “aqui, em linguagem simples e direta, de uma aquisição criminosa de um banco falido por um banco público”, sustentaram a PF e o MPF em documento enviado à Justiça Federal, que embasou a operação.

Em maio de 2011, o BTG pagou outros R$ 450 milhões pela parte do Grupo Silvio Santos (37,27%). O rombo no banco já estava público e o FGC já havia colocado R$ 2,5 bilhões na instituição.

Com a entrada do BTG, o valor aportado pelo fundo chegou a R$ 4 bilhões. Assim, o BTG passou a exercer o controle majoritário.

O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal, em Brasília, autorizou as medidas justificando ser necessário buscar mais provas para o avanço das investigações. Ele argumentou que é necessário esclarecer várias dúvidas sobre o negócio.

Há indícios, por exemplo, de que técnicos do BC já desconfiavam da saúde financeira do Panamericano antes de a instituição aprovar a venda para a CaixaPar. Outra questão é a velocidade, considerada fora dos padrões, em que a transação foi concluída.

O aval preliminar do BC, em julho de 2010, foi suficiente para que a Caixa pagasse a última parcela da compra, de R$ 232,1 milhões, dias depois. Mas a aprovação definitiva da instituição e o acordo de acionistas entre as partes só veio quatro meses depois.

Além das buscas, o magistrado determinou a quebra de sigilos bancário e fiscal dos envolvidos no negócio. Entre os alvos estão também o ex-presidente da Caixa Participações Márcio Percival Alves Pinto, que assinou o contrato de compra e venda, e o diretor de Fiscalização do BC, Anthero Meirelles (que, na época, estava à frente da diretoria de Normas e Organização do Sistema Financeiro do BC). Ele levou à diretoria do BC a questão relativa à aquisição, manifestando- se favorável ao negócio.

 

Foco. O nome Conclave para a operação se deve à forma sigilosa com que foram tratadas as negociações para transação entre o Banco Panamericano e a Caixa. Faz alusão ao ritual que ocorre a portas fechadas na Capela Sistina, no Vaticano, para escolher um novo papa.

O vice-presidente de Governo da Caixa, Roberto Derziê Sant’anna, disse não ver motivo “para dizer que a compra de ações do banco Panamericano foi um mau negócio”. “A Caixa tomou a decisão utilizando critérios técnicos. Tanto é que tudo que foi feito será colocado à disposição das autoridades para que sejam apurados os fatos”, afirmou.

Em nota, o Banco Central informou que, como regulador do sistema financeiro, repassou informações relativas à aquisição de ações do banco Panamericano pela CaixaPar. Não houve manifestação sobre a conduta do diretor especificamente.

O advogado de Esteves, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que ainda estava levantando informações sobre a operação. Ele afirmou que os mandados de busca e apreensão contra seu cliente surpreenderam e não eram necessários, pois recentemente a mesma vara da Justiça Federal já havia autorizado a mesma medida na Lava Jato. “Tudo o que foi apreendido já está lá (com as autoridades)”, alegou.

O BTG informou que não foi parte ou teve qualquer envolvimento na compra de participação do Panamericano pela Caixa.

Explicou que foi requisitado a apresentar documentos referentes ao seu investimento, feito em 2011, definido já no contexto das dificuldades enfrentadas pelo banco.Percival, procurado por telefone, informou que ainda estava se informando sobre a operação da PF.

 

Mandados. Polícia Federal foi às casas de ex-presidente da Caixa, de irmão do Sílvio Santos,e de André Esteves, do BTG

 

Compra milionária

R$ 739 mi foi a soma paga pela Caixa para adquirir 35% do Panamericano em 2009. Mesmo aprovando em julho o negócio, meses depois, o BC já apontava irregularidades

 

 

PARA LEMBRAR

Investigação começa em SP

As fraudes bilionárias encontradas no Panamericano em 2010 foram investigadas pelo Ministério Público Federal (MPF) de São Paulo, que no ano passado pediu a condenação criminal de nove ex-dirigentes da instituição. Mas, neste processo, o MPF paulista se ateve a investigar a própria administração do banco, deixando de fora as condições de venda de parte do Pan à CaixaPar. Este ponto, no entanto, chamou a atenção do juiz da 6.ª Vara Federal Criminal, que julga o caso, e, segundo fontes do Ministério Público, foi o próprio juiz que enviou o caso para a Justiça de Brasília, onde está a sede da Caixa, sugerindo que as condições de venda fossem investigadas.

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Operação Conclave derruba ações do Pan e do BTG

 

Josette Goulart

20/04/2017

 

 

Banco Pan vem tendo dificuldades em apresentar resultados; no ano passado, perdeu R$ 237 milhões

 

 

A Operação Conclave, que apura possíveis irregularidades na compra, pela Caixa, do banco Panamericano (atual banco Pan), em 2009, pega a instituição em um momento desfavorável.

O banco, que desde 2011 tem o BTG como principal sócio, vem patinando nos resultados nos últimos anos.

As ações do Pan fecharam ontem em queda de 4%.

Em 2014, os acionistas chegaram a comemorar o primeiro lucro, que não chegou a R$ 5 milhões, mas o fato de ser um registro positivo diante da turbulência pela qual havia passado, com a revelação de fraudes bilionárias encontradas pelo Banco Central, parecia ser um grande passo. No ano seguinte, o azul apareceu novamente no balanço, cerca de R$ 8 milhões. Mas a recessão e o aumento da inadimplência, que afetaram todo o mercado, fizeram efeito no ano passado, e o prejuízo voltou a bater forte no Pan, chegando a R$ 237 milhões.

Apesar de não ser o alvo direto da operação Conclave, da Polícia Federal, o banco BTG também viu suas ações sofrerem uma queda de 4% ontem, com a notícia de que seu acionista, André Esteves, estava na lista de busca e apreensão de documentos da Conclave.

O banco já havia sido fortemente atingido pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal, no final de 2015, quando Esteves chegou a ser preso, suspeito de planejar a obstrução de investigações. A prisão foi revogada em abril de 2016. Esteves é hoje apenas acionista preferencial da instituição, decisão tomada para blindá-la, mas o executivo ainda dá expediente no banco.

A investigação também pode ter um outro efeito colateral para o BTG: aumentar a dificuldade para a venda da Pan Seguros. A seguradora tinha sido vendida por R$ 700 milhões, no ano passado, para o grupo francês BNP Assurances, mas o negócio acabou sendo cancelado em fevereiro, por “impossibilidade da satisfação de determinadas condições”, de acordo com comunicado divulgado na época.

 

Sócio. Desde 2011, Caixa e BTG são sócios no banco Pan

 

Recuo

4% foram as quedas registradas ontem tanto pelas ações preferenciais (PN) do banco Pan quanto pelas Units do BTG

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45110, 20/04/2017. Economia, p. B8.