AÉCIO SE DIZ VÍTIMA DE UMA ‘TRAMA ARDILOSA’

MARIA LIMA

JÚNIA GAMA

05/07/2017

 

 

Em sua volta ao Senado, tucano, denunciado por corrupção e obstrução de Justiça, nega ter cometido crimes

Após 46 dias afastado do mandato por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o senador Aécio Neves (PSDB-MG) voltou ontem ao Senado e, em discurso de 20 minutos, disse que nunca cometeu os crimes de que é acusado, e que seu erro, no caso do grampo com o dono da JBS, Joesley Batista, foi ter se deixado envolver por uma “trama ardilosa”. Evitando o tom político e ataques ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que pediu sua prisão, Aécio disse, porém, que misturar as investigações da Lava-Jato com a atividade parlamentar, “confunde a tudo e a todos” e lembrou o artigo da Constituição que dá aos parlamentares imunidade de palavra e voto.

Aécio estava afastado por decisão do ministro Edson Fachin, do STF, com base na delação de executivos da JBS. Segundo o Ministério Público, Aécio pediu e recebeu de Joesley Batista R$ 2 milhões que seriam supostamente usados para pagar seus advogados em inquéritos da Lava-Jato. Em troca, Aécio atuaria em favor da JBS no Congresso. Além disso, Fachin entendeu, com base nas investigações do MP, que, em razão do mandato, o senador poderia usar seu poder para atrapalhar as investigações da Lava-Jato. Com base nas delações, Aécio já foi denunciado por Janot pelos crimes de corrupção passiva e obstrução de Justiça.

O senador tucano disse que o período de afastamento foi marcado por sentimentos de indignação “com a injustiça” e lamentou o fato de ter deixado que seus familiares servissem “de massa de manobra” para um criminoso:

— Quero reiterar aqui: não cometi crime algum, não aceitei recurso de origem ilícita, não prometi ou ofereci vantagem indevida, ou atuei nesse sentido. Fui vítima de uma armadilha engendrada por um criminoso confesso de mais de 200 crimes, que seria condenado a mais de 2 mil anos de cadeia.

Para rebater a acusação de corrupção pelo recebimento de R$ 2 milhões, o tucano alega ter oferecido, por meio da irmã Andreia Neves, a venda de um apartamento da família, que já teria sido oferecido antes a quatro empresários.

— Não teve contrapartida, como mostram gravações, e ficará cabalmente comprovado na Justiça. Como pagar propina se não teve benefícios? — questionou.

 

DESCULPAS POR VOCABULÁRIO PESADO

Aécio reconheceu, no entanto, que errou.

— Quero nesta tribuna dizer que eu errei, e assumo aqui esse erro, em primeiro lugar por me deixar envolver nessa trama ardilosa e, principalmente, ao permitir que meus familiares servissem de massa de manobra para atender aos propósitos espúrios daqueles que, por absoluta ausência de caráter, não se constrangeram em submeter a honra e a vida de pessoas de bem a seus nefastos interesses — disse o tucano, acrescentando: — Errei também, e por isso já me desculpei, ao me permitir utilizar, mesmo em conversa que deveria ser privada, vocabulário que não me é comum.

Aécio ainda defendeu o presidente Michel Temer, que, na sua opinião, continua no comando das reformas que justificam o apoio ao PSDB ao governo.

Avisados de que não seriam possíveis apartes ao discurso de Aécio, os senadores do PT deixaram o plenário. O pronunciamento foi acompanhado por caciques do PSDB, como Tasso Jereissati, José Serra e Cássio Cunha Lima, e deputados tucanos. O deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) também foi ouvir o discurso. Ao final, Aécio recebeu tímidos aplausos dos correligionários e foi cumprimentando por aliados.

O globo, n. 30648, 05/07/2017. PAÍS, p. 8