Mais um aliado preso 
Jailton de Carvalho 
04/07/2017
 
 
Amigo de Temer, Geddel é acusado de tentar impedir delação de Cunha e Funaro

-BRASÍLIA- A Polícia Federal prendeu ontem o ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), um dos mais próximos aliados do presidente Michel Temer. Geddel é acusado de tentar impedir eventual acordo de delação premiada do doleiro Lúcio Funaro e do ex-deputado Eduardo Cunha, ambos presos. Também é suspeito de manter longe do alcance da polícia mais de R$ 20 milhões que teria recebido de suborno por intermédio de Funaro. Geddel é o segundo ex-ministro de Temer a ser preso. Henrique Eduardo Alves, ex-ministro do Turismo, está preso desde 6 de junho.

A prisão de Geddel aumenta a pressão política sobre Temer neste momento em que a Câmara dá início aos procedimentos para decidir se autoriza o Supremo Tribunal Federal (STF) a abrir processo por corrupção contra o presidente. Temer é investigado por corrupção passiva, organização criminosa e obstrução de Justiça. Geddel é uma das peças-chave na investigação sobre obstrução de Justiça.

Até ser levado a pedir demissão em novembro passado em meio ao primeiro escândalo do governo Temer, Geddel formava com o ministro Eliseu Padilha (da Casa Civil), a dupla mais poderosa de auxiliares diretos do presidente. Com a prisão do ex-ministro, aumenta o número de ex-auxiliares e antigos aliados detidos por corrupção. Neste grupo estão o ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, flagrado carregando uma mala com R$ 500 mil em propina da JBS, e Taddeu Filipelli, ex vice-governador do Distrito Federal.

Rocha Loures foi autorizado a deixar a prisão, com uso de tornozeleira eletrônica, no sábado, depois de passar um mês na cadeia. Fillipelli ficou oito dias preso em maio. Na lista de aliados de Temer presos está ainda o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, também muito próximo a Geddel. Sob investigação, estão o advogado José Yunes e o coronel reformado João Baptista Lima Filho, dois amigos do presidente.

A prisão de Geddel foi pedida pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal a partir da Operação Cui Bono?. Segundo investigadores, o ex-ministro da Secretaria de Governo vinha agindo para atrapalhar a LavaJato e outras investigações. “O objetivo de Geddel seria evitar que o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o próprio Lúcio Funaro firmem acordo de colaboração com o Ministério Público Federal (MPF)”, disse o Ministério Público, em nota.

No pedido de prisão, os investigadores informam que entre maio e junho, no auge das investigações de diversas frentes da Lava-Jato, Geddel ligou várias vezes para Raquel, mulher de Funaro, para sondar se o doleiro iria mesmo fazer acordo de delação premiada. Geddel é identificado na agenda de Funaro como “Carainho”. O ex-ministro é conhecido pela linguagem carregada de palavrões.

Nas tratativas com vista a um acordo de delação, Funaro já disse que pagou propina a Geddel e fez repasses ao PMDB no período em que Temer era o presidente do partido. Para o Ministério Público, “os novos elementos deixam claro que Geddel continua agindo para obstruir a apuração dos crimes e ainda reforçam o perfil de alguém que reitera na prática criminosa”.

A investigação sobre Geddel começou a partir de mensagens encontradas em um dos celulares de Cunha apreendido pela Polícia Federal. O ex-ministro é acusado de se associar a Cunha, Funaro e Fábio Cleto, um dos ex-vice-presidentes da Caixa, para facilitar financiamentos para determinadas empresas em troca de propina.

INTERLOCUTOR DO PRESIDENTE

A apuração foi reforçada pelas delações de Fábio Cleto, do empresário Joesley Batista, dono da JBS, e do advogado Francisco de Assis, que coordenou os acordos de colaborações dos executivos da JBS. Mas um dos elementos decisivos para a prisão de Geddel foi recente depoimento de Funaro nas investigações sobre Temer.

No interrogatório, Funaro confirmou que Geddel atuava como interlocutor de Temer junto a Joesley. Disse ainda que o ex-ministro vinha fazendo sondagens para saber se ele iria mesmo fazer delação. Geddel teria ligado e mandado mensagens várias vezes para a mulher de Funaro, para saber como estava a disposição do ex-cúmplice para abrir o jogo com a Justiça sobre corrupção no governo federal.

Funaro também apresentou extratos de contas telefônicas com as ligações e cópias de mensagens em que a mulher dele fala com o advogado Bruno Espiñeira sobre as conversas com Geddel. Segundo registros de ligações feitas via aplicativo WhatsApp, Geddel teria ligado ou tentado ligar para Raquel, mulher de Funaro, nos dias 17, 18, 20, 23, 24, 29 e 31 de maio deste ano, e ainda nos dias 1 e 5 de junho.

No telefone de Raquel, o número de Geddel está gravado nos contatos com o apelido de “Carainho”. Nos registros enviados à PF, há ligações completadas, mensagens de áudio e ligações originadas do celular do ex-ministro, mas perdidas. Em uma mensagem enviada por Raquel a Espiñeira, ela informa ter recebido ligação do ex-ministro, logo após soltura de Roberta Funaro, irmã do doleiro. “Esses 2 prints acima já te mandei, mas para lembrar que esse foi o dia que saiu a decisão da Roberta (irmã de Funaro) e o sr. nos avisou por volta das 15:00 e ele (Geddel) às 16:09 já estava me ligando para falar que tinha ficado feliz com a decisão que agora o Lúcio ficaria mais calmo com a irmã em casa”.

Na ordem de prisão de Geddel, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara da Justiça Federal de Brasília afirma que a medida é essencial para evitar que o ex-ministro de Temer continue cometendo crimes e tentando atrapalhar as investigações. O juiz lembra que até agora a polícia não localizou os R$ 20 milhões de suborno que o ex-ministro teria recebido de Funaro.

“Em liberdade, Geddel Vieira Lima, pelas atitudes que vem tomando recentemente, pode dar continuidade a tentativas de influenciar testemunhas que irão depor na fase de inquérito da Operação Cui Bono?, bem como contra pessoas próximas aos coinvestigados e réus presos Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Lúcio Bolonha Funaro”, afirma o juiz.

A defesa de Geddel considerou “absolutamente desnecessário” o decreto de prisão. Segundo o advogado do ex-ministro, Gamil Föppel, Geddel estava à disposição da Justiça.

HISTÓRICO DE POLÊMICAS

DEMISSÃO DO MINISTÉRIO

Em novembro de 2016, Geddel pediu demissão da Secretaria de Governo após o então ministro da Cultura, Marcelo Calero, acusá-lo de fazer pressão para liberar obras, embargadas pelo Iphan, de um prédio em Salvador no qual o ex-ministro tinha um apartamento
 
RELAÇÃO COM EDUARDO CUNHA

Geddel esteve próximo do ex-presidente da Câmara até sua prisão. Um dia antes de Cunha ser cassado, ele o visitou na residência oficial. Ao perceber que seria preso, Cunha ligou para o ministro pedindo socorro

LIGAÇÃO COM A OAS

Mensagens por celular entre Geddel e o ex-presidente da OAS Leo Pinheiro, apreendidas pela PF, mostram ação do ex-ministro por interesses da empreiteira na Caixa, na Secretaria da Aviação Civil e na prefeitura de Salvador

OPERAÇÃO CUI BONO?

Em janeiro de 2017, a PF cumpriu mandado de busca e apreensão na casa de Geddel em Salvador. Ele foi alvo da Operação Cui Bono? (a quem beneficia?), suspeito de facilitar crédito para empresas na Caixa Econômica em troca de propina

VERBA SUSPEITA

Em 2010, TCU constatou que Secretaria de Defesa Civil, vinculada ao Ministério da Integração Nacional, gerido por Geddel, repassou à Bahia, estado do então ministro, as maiores verbas, mesmo sem análise de risco justificável.

EXPLICAÇÃO POLÊMICA

Ao se defender das ligações com a OAS, Geddel disse: “Hoje tem o fato de ele (Léo Pinheiro) ter sido preso. Antes ele era empresário, e eu tinha de tratar com empresário, com jornalista, com puta, com viado...”

 

O globo, n. 30647, 04/07/2017. País, p. 3