COMBUSTÍVEL LIMITADO

Cristiane Jungblut

27/05/2017

 

 

Governo já destinou 65% da verba de emendas parlamentares; oposição critica uso político

O presidente Michel Temer corre o risco de ficar sem o principal combustível usado pelo governo para agradar a deputados — e obter votos em troca — desde que a delação do empresário Joesley Batista veio a público. Depois de acelerar a liberação de recursos para as emendas parlamentares e empenhar R$ 3,9 bilhões em 50 dias, Temer já gastou 65,6% de todo o valor disponível neste ano para essa finalidade e tem agora cerca de R$ 2 bilhões para deputados e senadores até dezembro.

A expectativa é que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresente ao menos mais uma denúncia contra ele em agosto. Temer precisará também fortalecer sua base se quiser aprovar as tão prometidas reformas da Previdência e tributária, reforçando outras táticas além das emendas. A oposição diz que o uso político do Orçamento vai agravar ainda mais a crise fiscal.

Após o cortes orçamentários e quedas na arrecadação, a verba hoje é de R$ 6,1 bilhões, o que gerou uma cota de R$ 10,3 milhões para cada um dos 513 deputados e 81 senadores. O cálculo é da Comissão Mista de Orçamento (CMO). As emendas impositivas, que são de execução obrigatória, geralmente são utilizadas pelos parlamentares para fazer pequenas obras em suas bases eleitorais. Por isso, essas liberações merecem especial atenção neste ano, uma vez que quase todos os deputados disputarão as eleições em 2018.

A verba original para as emendas prevista no Orçamento de 2017 era de R$ 8,6 bilhões, o que representava uma cota individual de R$ 14,5 milhões para cada um dos deputados e senadores. Mas esse valor sofreu corte e terá mais reduções em breve, caso o governo mantenha a ameaça de fazer novos congelamentos nas despesas. Há uma briga entre a área econômica e os ministros políticos, justamente porque esse tipo de corte reduz o dinheiro que pode ser liberado para os parlamentares e suas bases eleitorais nos estados. E a forma de deputados e senadores darem o troco pelo corte em emendas é justamente votando contra o governo.

 

GOVERNO DITA O RITMO DAS LIBERAÇÕES

Pelas regras orçamentárias, o empenho é apenas o primeiro passo, com promessa de pagamento se a obra ou ação for feita. Já a fase do pagamento acontece quando o dinheiro é efetivamente desembolsado. Segundo dados da CMO, o governo também inflou o pagamento de emendas de anos anteriores: R$ 1,8 bilhão entre janeiro e o dia 13 de julho.

A explosão dos chamados empenhos (promessa de pagamentos futuros) das emendas se deu justamente nos dois últimos meses. Em junho, o total liberado foi de R$ 1,8 bilhão. Nos primeiros 19 dias de julho, foram liberados R$ 2,1 bilhões.

O governo passou a acelerar a liberação para o empenho quando intensificava as negociações para vencer na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ). No último dia 13, a CCJ rejeitou a denúncia contra Temer por corrupção passiva. Foi derrotado o parecer do deputado Sergio Zveiter (PMDB-RJ), que autorizava o Supremo Tribunal Federal (STF) a analisar a peça da PGR. Os deputados aprovaram outro parecer, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), contrário à denúncia.

Pelas regras, parlamentares governistas ou de oposição têm a mesma cota, mas é o governo que dita o ritmo dos empenhos. A oposição, apesar de também ter sido contemplada com empenhos, chegou a acionar o Supremo Tribunal Federal (STF), reclamando dos uso desses recursos na busca de votos, mas acabou derrotada. O líder da oposição na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), disse que o presidente Temer vem “torrando” os recursos públicos num momento de crise fiscal.

— O governo vem liberando, e isso agrava ainda mais a crise fiscal do país. Desse jeito, até setembro não vai ter mais Orçamento. Já torrou tudo até lá — disse Guimarães, afirmando que o governo vem liberando não apenas as emendas, mas “o que pode” dentro do Orçamento com fins políticos.

O Palácio do Planalto e os aliados adotam o discurso de que as emendas são impositivas, ou seja, de caráter obrigatório conforme a Constituição e que, por isso, o governo nada mais faz do que cumprir as regras. Em recente entrevista ao GLOBO, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, destacou a obrigatoriedade da execução dos recursos destinados a parlamentares.

— As emendas hoje são impositivas. O governo tem o dever de liberá-las — disse o ministro.

 

OUTRAS TÁTICAS

Nos últimos dias, Temer tem se reunido com parlamentares e feito uma lista de outros pleitos. Como O GLOBO mostrou, o governo renegociou dívidas de produtores rurais do Nordeste e do semiárido do Vale do Jequitinhonha (MG), agradando parlamentares como Júlio Cesar (PSD-PI) e o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE).

Dos R$ 4,1 bilhões das emendas individuais já empenhadas, R$ 3,5 bilhões foram para deputados e outros R$ 541 milhões para senadores. Segundo os dados do Siga Brasil, sistema de acompanhamento da execução orçamentária do Senado, até o último dia 19 de julho, o governo havia feito o empenho de R$ 4 bilhões em emendas individuais de deputados e senadores. A soma chega a R$ 4,2 bilhões quando somados os R$ 224 milhões das emendas das bancadas estaduais, também de caráter impositivo.

Se Temer resolver liberar os gastos, poderá voltar a gastar a verba cheia. Mas, para isso, o governo precisaria de uma destas variáveis: aumento de receita ou elevar o déficit fiscal para 2017, hoje de R$ 139 bilhões. Inicialmente, o congelamento dos gastos foi de R$ 42,1 bilhões, mas depois foi reduzido para R$ 38,9 bilhões, em maio. Na prática, quando o governo reduz o congelamento, ele volta a gastar. O governo já anunciou cortes no Orçamento — de R$ 4,9 bilhões — para tentar fechar as contas de 2017.

A chamada Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do Orçamento Impositivo foi promulgada em 2015, quando as regras de cotas e obrigação de empenho foram criadas. Mas o “pulo do gato” para o governo é exatamente a figura do “empenho das emendas”. Isso porque o empenho é, dentro do Orçamento, uma promessa de pagamento futuro daquela obra, serviço ou projeto.

Os parlamentares pegam a cota e destinam verbas para suas bases eleitorais, por meio de construção de escolas, praças, estradas ou ações em Saúde, por exemplo. Mas o dinheiro só é efetivamente pago quando a obra ou projeto é feito. Então, o governo promete, mas, na maioria dos casos, não paga no mesmo ano. Em dezembro, o governo fecha a cota do empenho, mas adia para o ano seguinte a liquidação ou pagamento do serviço.

Por isso, muitos parlamentares estão reclamando que o governo estaria represando esses pagamentos. Muitas emendas, no entanto, ficam paradas nos ministérios porque as prefeituras beneficiadas não apresentam projetos técnicos viáveis. Alertados pelo governo, parlamentares e prefeitos fazem uma romaria aos ministérios para tentar solucionar os problemas e liberar os recursos.

O globo, n.30670 , 27/07. PAÍS, p. 3