Título: Acordo de bastidores
Autor: Craveiro, Rodrigo ; Rothenburg, Denise
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2012, Mundo, p. A15
Chanceler Antonio Patriota intercede com Havana para que permita à blogueira Yoani Sánchez viajar ao Brasil. Contatos tiveram início no dia 21 e o regime deu "sinal positivo", às vésperas da visita de Dilma
Assim que a Embaixada do Brasil em Havana recebeu a solicitação de Yoani Sánchez para a obtenção de visto, no último dia 20, o chanceler Antonio Patriota iniciou as gestões com o governo cubano em favor da blogueira. Os contatos entre as autoridades dos dois países começaram no dia 21. Uma fonte do Palácio do Planalto admitiu ao Correio que, desde o princípio, havia um consenso no governo brasileiro para a concessão do documento. Patriota obteve de Havana a "sinalização positiva" de que, caso o Itamaraty liberasse o visto de Yoani, a cubana receberia a permissão de saída de Cuba. A princípio, as autoridades brasileiras não consideraram um vídeo usado por Yoani como ferramenta de apelo à presidente Dilma Rousseff. Nas imagens, gravadas na costa oeste da ilha — de onde partiram vários balseiros rumo à Flórida —, Yoani afirmava a Dilma que não desejava sair de maneira ilegal do país.
A blogueira garante que fará ao Brasil uma "viagem de denúncia"
Existe no Planalto a ideia de que a blogueira não seria uma figura política e que, por isso, não haveria motivos para negar-lhe a entrada no Brasil. A mesma fonte acrescentou que "o problema agora é de Cuba". Yoani viria para Jequié (Bahia) para o lançamento do documentário Conexão Cuba-Honduras, do cineasta Dado Galvão, do qual ela é protagonista.
O assessor internacional da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, confirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que o governo orientou a Embaixada do Brasil em Havana a conceder o visto a Yoani. "Agora, obter a autorização para sair de Cuba é problema dela", declarou. Consultado pelo Correio, o Itamaraty negou a existência de qualquer gestão de Patriota em relação ao caso e lembrou que a emissão de uma permissão de saída é uma decisão unilateral e soberana do próprio governo cubano. O Ministério das Relações Exteriores destacou a tradição brasileira de conceder vistos e descartou qualquer intenção de provocar o regime de Raúl Castro. Ainda segundo o Itamaraty, Yoani jamais havia solicitado o documento à representação brasileira e, por isso, não o obteve anteriormente.
Por volta das 17h de ontem, Yoani usou sua página no microblog Twitter para desabafar. "Entre a esperança e o ceticismo em relação à minha viagem ao Brasil", publicou. Duas horas antes, ela falou à reportagem e mostrou-se surpresa com a suposta negociação entre Cuba e Brasília. "Se isso ocorreu, é um sinal de que o regime de Cuba sempre escuta outros governos, a despeito de seu próprio povo", alfinetou. "Se a resposta (de Havana) for positiva, será uma oportunidade para seguir lançando luz sobre o absurdo migratório que atinge milhares de pessoas. Vai ser uma viagem de denúncia", disse Yoani.
Questionada sobre se pretende ficar no Brasil, com um status de refugiada, ela é enfática na resposta. "(As autoridades cubanas) Terão que me deixar entrar. Ainda que eu tenha que me converter na primeira balseira no sentido contrário", afirmou. A expectativa era de que Yoani submetesse a documentação ao Escritório de Imigração, em Havana, na tarde de ontem ou na manhã de hoje. Caso consiga permissão de saída, ela embarcará para o Brasil por volta de 5 de fevereiro. Em 2007, a contragosto da então ministra Dilma Rousseff, o governo Lula repatriou os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara. Nos círculos políticos de Brasília, acredita-se que a aceitação do regime castrista em negociar a permissão de saída para Yoani seria uma espécie de deferência à deportação dos pugilistas.
PC debate o próprio futuro O Partido Comunista de Cuba (PC) debaterá amanhã, em uma inédita Conferência Nacional, uma centena de projetos para se modernizar, limitar o tempo para cargos de direção, acabar com a discriminação a homossexuais e incentivar as reformas do presidente Raúl Castro. Cerca de mil delegados debaterão um conjunto de medidas para separar a ação do partido da do governo e combater a burocracia. "Ou nos retificamos ou afundaremos junto do esforço de gerações inteiras", disse Raúl Castro em agosto.