Corrupção nos ônibus desviou meio bilhão 
Chico Otavio, Daniel Biasetto, Juliana Castro e Miguel Caballero 
04/07/2017
 
 
Segundo investigação, somente Cabral recebeu R$ 122 milhões de esquema que funcionava desde 1991

Um dos mais antigos esquemas de corrupção no Estado do Rio foi desbaratado entre a noite de domingo e a manhã de ontem. A Operação Ponto Final, mais uma ramificação da Lava-Jato no Rio, levou à prisão donos de empresas de ônibus e operadores e ex-autoridades do governo estadual ligados aos desvios e subornos na área de transporte do Rio. Embora o esquema exista desde 1991, segundo informações prestadas por delatores, o Ministério Público Federal (MPF) conseguiu confirmar pagamentos no período entre 2010 e 2016, num total de R$ 260 milhões de propinas pagas pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Rio de Janeiro (Fetranspor) em troca de benefícios como subsídios de impostos (IPVA e ICMS sobre o diesel) e autorização para aumento das tarifas, mesmo acima de valores indicados por estudos.

Os valores totais, segundo os investigadores, chegam a cerca de R$ 500 milhões, porém quase a metade envolve autoridades com direito a foro privilegiado, que ficaram portanto excluídos da operação de ontem. Dos R$ 260 milhões com destinatários identificados, R$ 122,8 milhões foram para o ex-governador Sérgio Cabral, em pagamentos que aconteceram até o mês de sua prisão, em novembro passado. Rogério Onofre, ex-presidente do Detro, o departamento estadual da Secretaria de Transportes que fiscaliza as empresas de ônibus, recebeu R$ 44 milhões, e o dinheiro foi distribuído até mesmo para os próprios donos das empresas.

Foram 11 prisões desde a noite de domingo: os empresários de ônibus Jacob Barata Filho e Marcelo Traça Gonçalves; o diretor-presidente da Fetranspor, Lélis Teixeira; Rogério Onofre, ex-presidente do Detro e João Augusto Monteiro, presidente do conselho da Rio Ônibus. Os operadores Cláudio Freitas e David Sampaio estão detidos preventivamente, sem data para sair. Todos foram levados para a Superintendência da PF no Rio. Carlos Roberto Alves, Enéas Bueno e Octacílio Monteiro foram presos temporariamente por cinco dias. Márcio Miranda, funcionário de uma transportadora de valores, estava foragido mas se entregou. José Carlos Reis Lavouras, empresário de ônibus e que comandava a Fetranspor com Barata, está foragido em Portugal, e a PF já pediu a ajuda da Interpol.

Foram apreendidos R$ 2,3 milhões, € 17 mil e US$ 8 mil, além de 49 caixas com objetos de valor como relógios e joias que serão periciados.

A operação Ponto Final seria deflagrada nos próximos dias, mas foi antecipada para a noite de domingo porque o MPF desconfiou que Barata Filho fosse fugir. Ele, que estava sendo monitorado, foi preso na sala de embarque do Galeão, prestes a entrar no voo para Portugal. Sua defesa afirmou que ele faria uma viagem de negócios, como de costume, e ontem apresentou a passagem de volta já comprada.

A base para a Operação Ponto Final são as delações do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Jonas Lopes e, principalmente, a colaboração do doleiro Álvaro Novis, que foi homologada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) por envolver autoridades com foro. Novis, que detalhou a arrecadação e distribuição do dinheiro, é um velho conhecido da Lava-Jato, presente em pelo menos três outras operações. Ele foi preso pela primeira vez na Operação Xepa, que identificou operadores da contabilidade paralela da Odebrecht. Depois, voltou a ser preso na Eficiência, fase que levou Eike Batista à prisão, e apareceu na Operação Quinto do Ouro, que devassou o TCE.

MÁ GESTÃO HISTÓRICA DOS ÔNIBUS DO RIO

Suas informações ajudaram a comprovar um esquema sobre o qual há muito já se suspeitava. O próprio Novis afirmou que a Fetranspor subornava autoridades no Rio desde 1991. A federação tinha um controle com os pagamentos e saldos de cada político ou ocupante de cargo público subornada, mas quase tudo foi destruído após a deflagração da Operação Xepa. Restou um pendrive com um detalhamento dos pagamentos entre 2010 e 2016.

O preço das tarifas, a má conservação dos veículos e o serviço ruim são algumas das principais reclamações dos usuários de ônibus no Rio. Conhecido como “rei dos ônibus”, Jacob Barata é o maior empresário do setor. Seu filho foi preso ontem, e a neta Beatriz foi alvo em 2013 de um inusitado protesto. Em 2013, no auge das passeatas contra o reajuste das passagens, manifestantes foram à porta de sua festa de casamento no Copacabana Palace.

Em nota, a Fetranspor afirmou que está colaborando com a Justiça. A defesa de Sérgio Cabral afirmou que “não houve qualquer pagamento veiculado ao aumento das tarifas de ônibus no Rio”, e que, durante seu governo, o Rio foi o estado que menos aumentou a tarifa na Região Sudeste, além de ter criado o Bilhete Único.

Personagens dos ônibus do Rio

JACOB BARATA E JACOB BARATA FILHO: O empresário Jacob Barata Filho herdou do pai, Jacob Barata (foto), a desenvoltura no meio político e a alcunha de “rei do ônibus”. O apelido é autoexplicativo: Barata Filho é sócio de 25 empresas do setor de transportes. O pai trabalhou como bancário e motorista antes de se tornar sócio da primeira empresa. O filho assumiu o controle do grupo, que abrange companhias como a Viação Verdun e a Real Expresso. Ele é acusado de receber R$ 27,5 milhões em propina.

LÉLIS TEIXEIRA: Presidente da Fetranspor, Lelis Teixeira era responsável por ordenar os pagamentos de propina a Sérgio Cabral, na ausência do presidente do Conselho de Administração da Fetranspor, José Carlos Lavouras, segundo a investigação. É sócio da empresa que forneceu o programa de computador usado no Riocard .É conhecido por conceder entrevistas sobre transportes e escrever artigos. É a face mais conhecida da Fetranspor.

JOSÉ CARLOS LAVOURAS. Sócio de oito empresas do setor, como a Três Amigos e a Flores, e presidente do Conselho de Administração da Fetranspor. Segundo o MPF, Lavouras era responsável por ordenar os pagamentos de propina. Também se beneficiou com o esquema: recebeu R$ 40,4 milhões da Fetranspor. Está foragido em Portugal

MARCELO TRAÇA GONÇALVES. Era o responsável pelos pagamentos de propina ao ex-presidente do Detro Rogério Onofre. Além de vice-presidente do Conselho de Administração da Fetranspor, é sócio de oito empresas do setor, como Expresso Tanguá e Auto Ônibus Fagundes .Em depoimento, um funcionário do doleiro Álvaro Novis confirmou que entregava a Traça dinheiro do esquema.

 

O globo, n. 30647, 04/07/2017. País, p. 6