O elo do crime

Míriam Leitão
04/07/2017
 
 

A prisão de Geddel Vieira Lima é mais um passo para perto do presidente Michel Temer, mas é também mais um fato revelador de que o grande beneficiário desse crime permanece, e assim será, fora do alcance da Justiça. O que está sendo investigado pela Sépsis e pela Cui Bono é o uso do dinheiro do FGTS para empréstimos fraudulentos, e o maior deles foi ao grupo J&F.

Geddel, que há um ano era o todo poderoso ministro da Secretaria de governo de Temer, responsável pela relação entre o executivo e os políticos, está hoje em prisão preventiva, sem data para sair. Antes disso, ele já havia perdido o poder depois de ser pego num flagrante de tráfico de influências e uso do poder político para interesses pessoais.

O que o levou para a prisão foi o ato de rondar um ex-comparsa preso e que pode relatar o seu envolvimento na corrupção na Caixa Econômica. A suspeita é de obstrução de Justiça.

Originalmente, o que está sendo investigado pela Sépsis e Cui Bono são operações que reúnem vários suspeitos. No governo Dilma, o então presidente da Câmara Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima tiveram poderes de nomeação. Entre os cargos, o de vice-presidente da Caixa, com poderes nas áreas de loterias, fundos governamentais e FGTS. Um criminoso, flagrado em outras operações, o doleiro Lúcio Funaro, escolheu quem seria indicado. Fábio Cleto, o escolhido, ajudou a aprovar projetos de interesses de vários empresários. A maior operação foi para que o grupo J&F investisse na sua planta de celulose, a Eldorado. E foram duas operações, uma de quase R$ 1 bilhão para o financiamento da celulose, pela qual se pagou R$ 650 mil de propina a Fábio Cleto em novembro de 2012. E isso foi apenas uma parte pequena da propina paga aos políticos. Depois houve um pedido do grupo J&F para se descumprir uma das cláusulas do acordo, o que foi atendido.

O grande beneficiário é o grupo do empresário Joesley Batista que, como se sabe, teve perdão judicial. O Supremo Tribunal Federal, depois de longo debate, confirmou a tese de que os termos do acordo de delação não devem ser mudados, sob pena de se perder esse instrumento que tem trazido tantos fatos à luz. Por outro lado, é forçoso reconhecer que a cada novo movimento fica mais uma vez exposto o quanto o grupo empresarial se aproveitou da relação promíscua com o setor público.

Fábio Cleto fez delação premiada e isso levou Lúcio Funaro à prisão, que ameaça fazer delação premiada, e, por isso, o ex-ministro Geddel Vieira Lima teria passado a assediar a família de Funaro, como ele contou ao MPF. E isso levou Geddel à prisão.

Ontem no Rio foram presos empresários de ônibus, e um deles, Jacob Barata Filho, estava para embarcar para a Europa. A assessoria do conglomerado de empresas de ônibus diz que ele estava indo fazer uma viagem de rotina e de negócios. Para os investigadores, ele estava fugindo. A boa notícia neste caso é mostrar que os suspeitos estão se sentindo ameaçados. Tanto no caso Geddel, quanto na viagem de Barata, o que fica claro é que eles temem a punição, que antes achavam que nunca aconteceria.

Joesley e Wesley, no entanto, ficarão impunes. A pergunta difícil de responder é se tinha mesmo que ser tão grande o benefício. Já se sabe que é legal, mas poucos consideram legítimo que se conceda o perdão judicial a quem fez uso em alta escala da corrupção para turbinar o crescimento dos negócios.

A quem interessa esse crime cometido na Caixa? A muita gente como Lúcio Funaro, Eduardo Cunha. O roubo no dinheiro do trabalhador engordou empresários e políticos. O FI-FGTS foi concebido nos governos petistas para ser um financiador de obras de infraestrutura com os recursos do Fundo de Garantia. Mas acabou investindo em projetos que nada têm a ver com infraestrutura, como o dinheiro concedido a Henrique Constantino e o transferido para a Eldorado, da J&F.

A expressão “Cui Bono” é exatamente “a quem beneficia?” E sem dúvida a empresa do grupo J&F foi a grande beneficiária e por isso pagou propina a políticos. Toda vez que se mexer nesse assunto, ou em outros, lá estará Joesley como beneficiário.

 

O globo, n. 30647, 04/07/2017. Economia, p. 18