Título: Tortura e milícias ameaçam a Líbia
Autor: Garcia, Larissa
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2012, Mundo, p. 15
Três meses após a prisão e a morte do ex-ditador Muamar Kadafi, a Líbia enfrenta uma situação de extrema instabilidade política. Acusações de tortura aos detentos da cidade de Misrata (a 200km da capital, Trípoli) — supostamente simpatizantes de Kadafi — reforçaram os temores de que a situação social do país piore no novo governo. Representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) manifestaram, na semana passada, preocupação em relação à população líbia, que convive com brigadas revolucionárias, milícias e prisões secretas, nas quais prisioneiros ligados ao antigo regime seriam mantidos.
Para a ONU, a falta de controle dos governantes cria um ambiente propício a torturas. A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional informou que, nas últimas semanas, vários presos morreram sob tortura. "Começamos a denunciar os absurdos cometidos aos detentos em outubro do ano passado e tentamos tornar isto público", contou James Lynch, porta-voz da Anistia em Londres.
A organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF) suspendeu ontem os atendimentos em Misrata, em protesto contra as acusações de tortura. Os médicos denunciaram que muitos pacientes foram levados aos centros de detenção e sofreram graves lesões durante os interrogatórios. Por meio de um comunicado, a MSF acusou o governo de negar atendimento aos presos. A entidade atuava na região desde agosto passado.
Ainda de acordo com a MSF, muitos pacientes receberam tratamento e voltaram ao interrogatório. "Isto é inaceitável", lamentou o diretor-geral da organização, Cristopher Stokes. "Nossa missão é atender vítimas de guerra e detentos doentes", alegou. No total, 115 pessoas tratadas tinham ferimentos de tortura. A organização enviou um documento oficial ao Conselho Militar de Misrata, ao Comitê de Segurança da cidade, ao Serviço de Segurança do Exército Nacional e ao Conselho Civil Local, no início deste mês, com um pedido de trégua aos prisioneiros.
Paralisação Sem resposta por parte do governo, a MSF decidiu paralisar os atendimentos médicos aos detentos. A organização continuará trabalhando em escolas e em centros de saúde de Misrata e prestando assistência aos cerca de 3 mil imigrantes, refugiados e deslocados internos africanos que vivem em Trípoli e nos arredores.
James Lynch afirmou que, ao contrário do MSF, as operações da Anistia Internacional serão mantidas na Líbia. "Temos linhas diferentes de atuação. Por isso, é difícil julgar se a suspensão dos atendimentos é certa ou errada. Só posso garantir que continuaremos com nosso trabalho e esperamos que a situação seja amenizada", destacou. "Infelizmente, os familiares e os próprios sobreviventes desse tipo de prática não têm recursos para acionar a Justiça", completou Lynch. As organizações não conseguiram estimar o número de torturados nos últimos meses. "São mais de 2 mil prisioneiros em Misrata, e é difícil fiscalizar esse tipo de crime. As ações, entretanto, são muito comuns naquele país", frisou o porta-voz.