FMI faz críticas à relação entre BC e Tesouro

Ribamar Oliveira

05/05/2017

 

 

O Fundo Monetário Internacional (FMI) juntou-se a vários economistas brasileiros nas críticas à atual relação entre o Banco Central e o Tesouro. Em documento sobre a transparência fiscal do Brasil, divulgado quarta-feira, o FMI questiona a forma utilizada para transferir os lucros e prejuízos registrados pelo BC para o Tesouro e diz que a contabilidade atual dessas operações "torna difícil avaliar a posição fiscal e a dinâmica da dívida do governo central".

As críticas estão sendo apresentadas no momento em que o governo concluiu uma proposta de mudança do relacionamento entre BC e Tesouro. O governo ainda não decidiu se encaminhará a proposta na forma de projeto de lei ou de medida provisória.

Os pontos destacados pelo FMI são quase os mesmos que alguns dos principais economistas brasileiros - entre eles o presidente do BC, Ilan Goldfajn - levantaram no ano passado: a transferência para o Tesouro de prejuízos ou ganhos voláteis não realizados - decorrentes da simples reavaliação das reservas internacionais por causa das flutuações cambiais - e a assimetria entre os instrumentos utilizados para compensar as perdas e repassar os ganhos. Os prejuízos do BC em suas operações são cobertos pelo Tesouro com a emissão de títulos, ao passo que os lucros são creditados pelo BC na conta única do Tesouro.

Com o grande acúmulo de reservas internacionais, os resultados do BC se tornaram mais voláteis, devido também às grandes variações cambiais dos últimos tempos. O FMI nota que, desde 2010, os lucros corresponderam, em média, a 1,5% do PIB ao ano, "com grande parte formada por ganhos voláteis não realizados da reavaliação de ativos, em moeda estrangeira".

Como as reservas são contabilizadas pelo BC em reais, quando a moeda brasileira se desvaloriza frente ao dólar o BC registra lucro, pois passa a ter mais reais disponíveis em seu balanço. Ao contrário, quando o real se valoriza, o BC registra prejuízo. Mas este não é um lucro ou um prejuízo efetivamente realizado, pois as reservas não foram vendidas. Mesmo assim, a cada seis meses, o BC transfere o "ganho" ao Tesouro, na forma de depósito na conta única. No caso de perda, o BC recebe títulos do Tesouro na mesma proporção. O documento diz que "essa assimetria resultou em um crescente estoque de dívida bruta do governo".

Para o FMI, "a distribuição de lucros não realizados pelo BC também prejudica a avaliação da dinâmica da dívida". O exemplo dado pelo Fundo é que a dívida líquida pode sofrer forte queda com o aumento dos depósitos em moeda, graças à distribuição dos ganhos não realizados do BC. "Assim, essas operações resultam em flutuações nos ativos e passivos do governo central que não estão vinculadas a variações nos saldos fiscais", diz o documento.

Outras operações do BC, como as intervenções nos mercados de câmbio, inclusive por meio de derivativos, podem resultar em prejuízos e ganhos. Os custos ou lucros das operações de swaps cambiais são refletidos mensalmente como despesa com juros na conta de juros do governo central. "Isso complica a avaliação da dinâmica da dívida e do custo da dívida pública", diz o FMI.

Consultado pelo Valor sobre o documento, o BC observou que a situação institucional da autoridade monetária é distinta do padrão internacional, pois aqui o Banco Central não é independente em termos orçamentários e financeiros, sendo uma entidade do setor público. Por isso, as estatísticas fiscais são diferentes. Para o BC, a maioria dos pontos abordados pelo FMI acerca do relacionamento entre o Tesouro e o BC decorre das características do arranjo institucional existente. Mas isso não significa, ressaltou o BC, "que não haja total transparência nas estatísticas fiscais publicadas pelo BC sobre o relacionamento BC e TN".

O BC informou que está trabalhando, junto com o Ministério da Fazenda, em medida legal sobre o relacionamento entre o BC e o Tesouro, "com o objetivo de aprimorar a sistemática atual, mitigando os volumes e a assimetria nos fluxos financeiros entre ambas as entidades, em conformidade com as melhores práticas internacionais".

O projeto, que já foi concluído, fará duas mudanças principais, de acordo com autoridades ouvidas pelo Valor: acabará com a assimetria dos instrumentos para compensar os prejuízos e para repassar lucros do BC e definirá um piso para o volume de títulos públicos detidos pelo banco. Além disso, criará o depósito remunerado, que será usado para enxugar a liquidez do mercado no lugar das operações compromissadas.

Por causa do passado recente de manipulação de estatísticas, no início o governo espera utilizar o mecanismo de forma parcimoniosa. Posteriormente, poderá seguir o caminho dos demais bancos centrais e usá-lo como instrumento normal de controle da liquidez.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4248, 05/05/2017. Brasil, p. A3.