Executivos delatam até colega de empresa

Josette Goulart

14/04/2017

 

 

Campanha / Funcionário pediu dinheiro ‘não contabilizado’ para o tio, Ricardo Montoro, segundo delatores

 

 

 

A lista dos nomes citados nos acordos de colaboração fechados pela Odebrecht trouxe uma situação sui generis para a empreiteira. Além de políticos e operadores financeiros, um executivo da própria empresa foi delatado pelos colegas.

Trata-se de Felipe Montoro Jens, que atua na área de reestruturação de ativos do grupo Odebrecht. Jens, segundo dois delatores, pediu “pagamento de vantagem não contabilizada” para a campanha de 2010 de seu tio José Ricardo Franco Montoro. O executivo não pertence ao grupo de 78 funcionários da empresa que fez delação com o Ministério Público Federal no âmbito da Lava Jato.

Nos corredores da empreiteira, o executivo tem dito a amigos que está “bastante chateado” com o fato de ter sido delatado pelos colegas. Ele diz que, na época, apenas tentou se informar sobre como funcionavam as doações da empresa para campanhas eleitorais.

Quando a maior empreiteira do País decidiu relatar às autoridades atos irregulares cometidos, foi feita uma “chamada” em todos as áreas do grupo que poderiam ter algo a declarar à Justiça. Jens ficou de fora e, agora, pode ser investigado.

 

Apuração. O Ministério Público Federal enviou um pedido ao Supremo Tribunal Federal relativo ao caso de Jens e de seu tio. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, solicitou a apuração dos fatos pela Procuradoria da República em São Paulo, já que nem sobrinho nem tio tem prerrogativa de foro privilegiado. Relator da Lava Jato no STF, o ministro Edson Fachin acolheu o pedido e determinou a remessa do caso.

Segundo o documento enviado por Janot ao Supremo, Jens foi mencionado pelos ex-executivos Carlos Armando Guedes Paschoal e Benedicto Barbosa da Silva Júnior, o BJ. Os dois relataram o pedido feito por Jens à campanha de Montoro. Não há, no entanto, informação sobre valor solicitado ou doado.

Benedicto Júnior foi diretor da Odebrecht Infraestrutura. Carlos Armando Paschoal era diretor da empresa em São Paulo.

 

Na eleição de 2010, Montoro, que é filho do governador Franco Montoro, foi candidato a deputado federal pelo PSDB, mas não foi eleito. Antes, o político foi eleito vereador por São Paulo, em 2000 e 2004, e deputado estadual em 2006.

Defesas. Jens informou, por meio de nota, que não fez qualquer solicitação de valores em nome do tio. “Nunca foi feito tal pedido de minha parte e muito menos que fossem realizados com recursos não contabilizados. Ademais, Ricardo Montoro era candidato a deputado federal em 2010 e não candidato à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, como o suposto alegado”, afirmou o diretor da empreiteira.

O pedido enviado pela Procuradoria- Geral da República ao Supremo afirma que Ricardo Montoro era candidato a deputado estadual na época dos fatos relatados.

Montoro não foi localizado pela reportagem. A Odebrecht reafirmou que entende que é de responsabilidade da Justiça a avaliação de relatos específicos feitos pelos seus ex-executivos.

 

Eleições. Ricardo Montoro foi vereador e deputado em SP

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Nem a 'Bancada Ética' escapa de investigação

 Marcio Rocha

14/04/2017

 

 

‘Surpresa’ / Parlamentares cuja bandeira era o combate à corrupção têm nome em lista

 

 

Integrantes da chamada “bancada ética”, formada por parlamentares com discurso permanente de combate à corrupção, acabaram por integrar a lista do ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). É o caso, por exemplo, dos deputados Onyx Lorenzoni (DEM-RS) e Maria do Rosário (PT-RS) e do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES).

Forte opositor dos governos do PT, Onyx usava a tribuna da Câmara constantemente para criticar o partido, chamado por ele em algumas ocasiões de “organização criminosa”. Em um discurso no plenário da Câmara em 28 de março, o parlamentar enaltecia a Lava Jato, “que faz bem para o Brasil e faz mal para a bandidagem”.

No pronunciamento, Onyx declarou que as investigações jogavam “luz e transparência talvez sobre a maior delas (bandidagem), a mistura entre partido e governo” e disse que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva era um dos responsáveis “pela infestação de corruptos e incompetentes no governo federal”.

“O PT montou o seguinte tripé: corrupção, incompetência e mentiras. Esse é o tripé do capítulo mais triste da história política brasileira nos últimos 40 anos. E não resta nenhuma dúvida de que Lula é um psicopata”, disse na ocasião.

O deputado será investigado por falsidade ideológica eleitoral, e teria recebido R$ 175 mil para a campanha de 2006. Nas redes sociais, Onyx afirma que recebeu a citação com surpresa, indignação e revolta, e que tem “24 anos de vida pública limpa e ela vai continuar limpa”. Disse ainda que nunca esteve na Odebrecht e que, se mostrarem uma foto dele na sede da empresa, renuncia ao mandato.

 

Defensora. Membro da tropa de choque da presidente cassada Dilma Rousseff, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) também defendeu a Lava Jato, na qual agora é uma das investigadas.

Em pronunciamento no dia 4 de março de 2015, a petista pedia que as investigações não fossem contaminadas.

“Não se pode admitir, pelo bem do Brasil, o contágio da investigação nos destinos do País e o comprometimento das riquezas nacionais. Quem errou, quem praticou corrupção ou corrompeu que seja responsabilizado de acordo com a lei. Disso nenhum de nós, homens e mulheres honrados, que ocupam a responsabilidade pública, podemos arredar o pé”, afirmou na época.

Maria do Rosário vai responder por falsidade ideológica eleitoral, e teria recebido R$ 150 mil para a campanha de 2010. A deputada também se diz indignada pela citação do nome dela na lista de Fachin e que vai tornar disponível os sigilos fiscal, bancário e telefônico ao STF.

Crítico da ex-presidente Dilma Rousseff, o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) integrava o PMDB quando deixou a base do governo petista, em 2016, para se aliar aos tucanos na oposição.

Na época do impeachment, subiu à tribuna do Senado para criticar a distribuição de cargos pelo governo petista para evitar o afastamento da presidente.

“De forma aberta, despudorada, a presidente e seus assessores mais diretos iniciaram ofensiva para assediar parlamentares, partidos políticos, oferecendo verbas e cargos públicos estratégicos (...) Não há dúvida de que estamos diante de mais um crime”, declarou.

Ferraço vai responder pelo mesmo crime que Maria do Rosário e Onyx Lorenzoni. Segundo as investigações, o tucano teria recebido R$ 400 mil para a campanha ao Senado em 2010. Em nota, disse estar “perplexo” com a citação, que não tem nem nunca teve qualquer relação com os executivos da Odebrecht.

 

Discurso. Onyx afirma que recebeu citação com revolta

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45104, 14/04/2017. Política, p. A11.