Dilma sofre de amnésia moral, diz Santana 
Rafael Moraes Moura
30/04/2017
 
 
Marqueteiro afirmou ao TSE que, ‘infelizmente’, presidente cassada sabia de caixa 2 e se sentia chantageada por Marcelo Odebrecht

O uso de caixa 2 na campanha eleitoral de Dilma Rousseff (PT) em 2014 reforçou a percepção de que os políticos brasileiros sofrem de “amnésia moral”, disse em depoimento sigiloso à Justiça Eleitoral o marqueteiro João Santana, responsável pelas campanhas do PT à Presidência em 2006, 2010 e 2014. Segundo o publicitário, Dilma, “infelizmente”, sabia do uso de recursos não contabilizados em sua campanha e se sentia “chantageada” pelo empreiteiro Marcelo Odebrecht.

De acordo com Santana, a petista teria sido uma “Rainha da Inglaterra” em se tratando das finanças de sua campanha, não sabendo de todos os detalhes dos pagamentos efetuados.

No entanto, indagado se a presidente cassada tinha conhecimento de que parte das despesas era paga via caixa 2, o marqueteiro foi categórico: “Infelizmente, sabia. Infelizmente porque, ao me dar confiança de tratar esse assunto, isso reforçou uma espécie de amnésia moral, que envolve todos os políticos brasileiros. Isso aumentou um sentimento de impunidade”.

O Estado apurou mais detalhes do depoimento de Santana, prestado na segunda-feira passada no Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA).

Na ocasião, o ex-marqueteiro de Dilma lembrou o papel do atual governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), como “porta-voz” de recados de Marcelo Odebrecht.

“Dilma se achava chantageada pelo Marcelo”, afirmou Santana à Justiça Eleitoral. De acordo com o relato do publicitário, o objetivo da chantagem seria intimidar a então presidente a ponto de fazê-la impedir o avanço das investigações da Lava Jato.

Dilma nunca gostou do “Menino”, apelido que usava para se referir a Marcelo Odebrecht, disse o ex-marqueteiro do PT.

Conforme depoimento do ex-executivo da Odebrecht João Nogueira à Procuradoria- Geral da República, o ex-presidente da Odebrecht enviou, por meio de Pimentel, documentos que demonstravam o uso de caixa 2 na campanha da petista. O objetivo era mostrar que Dilma não estava blindada na crise de corrupção instalada no governo. Para Pimentel, o delator “nada diz de concreto”.

Dilma também teria sido avisada reiteradas vezes de que sua situação poderia se complicar se ela não barrasse um acordo entre autoridades do Ministério Público do Brasil e da Suíça, já que a conta da sua campanha estaria “contaminada”.

Julgamento. Santana foi uma das últimas testemunhas ouvidas na ação em curso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que apura se a chapa encabeçada por Dilma, de quem Michel Temer foi vice, cometeu abuso de poder político e econômico para se reeleger em 2014. O julgamento do processo deve ser retomado na segunda quinzena de maio. A informação de que Dilma sabia de caixa 2 foi considerada um fato novo pelo ministro- relator, Herman Benjamin.

O assunto “caixa 2” foi tratado por Dilma e Santana em abril e maio de 2014, antes do início oficial da campanha eleitoral.

De acordo com o marqueteiro, o pagamento “oficial” estava em dia, enquanto os repasses de recursos não contabilizados via Odebrecht sofriam atrasos.

Santana foi questionado no depoimento se esses atrasos não seriam genéricos, mas o próprio marqueteiro enfatizou que a demora nos pagamentos sempre envolve a parte não contabilizada.

O publicitário afirmou que já estava acostumado a dar “alerta vermelho” sobre atrasos, desde a época em que trabalhou na campanha de Lula à Presidência, em 2006.

“Caixa 2 é uma coisa nefasta”, disse Santana, que afirmou não haver campanha eleitoral sem a irrigação de recursos não contabilizados – mesma constatação que já havia sido feita por Marcelo Odebrecht em outro depoimento a Herman Benjamin.

Para o marqueteiro, a definição das coligações em torno de candidaturas são “leilões”, que envolvem interesses e negociações, como a distribuição de cargos.

“Isso vai perdurar enquanto tiver empresário querendo corromper e político querendo ser corrompido”, disse. Mesmo considerando Dilma uma política honesta, o marqueteiro afirmou que a petista acabou “fatalmente nessa teia”.

“É um esquema maior que o ‘petrolão’. Essa promiscuidade de público e privado vem do Império, passou por todas as coisas da República”, disse o ex-marqueteiro do PT.

Propaganda eleitoral. À Justiça Eleitoral, Santana ainda relatou que Temer “encheu o saco” para participar de programas no horário eleitoral ao lado de Dilma. “Dilma e Temer nunca tiveram uma boa relação”, afirmou o publicitário ao ministro Herman Benjamin, ressaltando que o então candidato da chapa não era o “vice dos sonhos” da petista nem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. / COLABOROU FÁBIO FABRINI

PONTOS-CHAVE

Processo foi aberto por tucanos

Ação

Na ação apresentada à Justiça Eleitoral, em dezembro de 2014, o PSDB acusa a chapa Dilma-Temer de abuso de poder político e econômico na campanha.

Novas testemunhas

Os depoimentos de João Santana e Mônica Moura  na segunda- feira passada foram pedidos pelo Ministério Público Eleitoral ao TSE, no início de abril.

Fim da coleta de provas

O ministro do TSE Herman Benjamin , relator do caso, encerrou na quinta-feira a fase de coleta de provas na ação que pretende cassar a chapa

 

O Estado de São Paulo, n. 45120, 30/04/2017. Política, p. A6