Valor econômico, v. 18, n. 4252, 11/05/2017. Política, p. A8
Lula diz a Moro que Duque o enganou e que Leo Pinheiro mentiu ao depor
 
Murillo Camarotto
icardo Mendonça
Fernando Taquari
Estevão Taiar

 

Durante o interrogatório de cinco horas prestado ao juiz Sergio Moro, responsável na primeira instância pelos processos da Operação Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou o encontro com o ex-diretor da Petrobras Renato Duque no hangar do aeroporto de Congonhas, em São Paulo e que perguntou a ele sobre a existência de contas no exterior.

Lula disse que, diante dos boatos de corrupção na Petrobras, pediu para o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto para agendar uma conversa com Duque. "Eu pedi para o Vaccari, porque eu não tinha amizade com o Duque, trazer o Duque para conversar", afirmou. "E a pergunta que eu fiz para o Duque foi simples: 'Tem matérias nos jornais, tem denúncias de que você tem dinheiro no exterior, que está pegando da Petrobras, não sei de onde. Você tem conta no exterior?' Ele falou 'Não tenho'. Eu falei 'Acabou, se não tem...' Sabe, não mentiu para mim. Mentiu para ele mesmo."

Em depoimento dias atrás, Duque relatou esse encontro em Congonhas, mas deu uma versão diferente para o desfecho da conversa. Afirmou que recebeu orientação do ex-presidente para fechar contas no exterior.

Moro insistiu em perguntar se Lula tinha conhecimento da relação de amizade entre Vaccari e Duque. O ex-presidente repetiu várias vezes que sabia apenas que eles tinham "relação", mas não necessariamente de amizade.

Lula negou que tenha orientado o empresário Leo Pinheiro, da OAS, a destruir provas de propina. "Isso nunca aconteceu e nunca vai acontecer", afirmou Lula ao ser questionado por Moro.

As perguntas do juiz duraram cerca de três horas. Foi o interrogatório mais longo da Operação Lava-Jato desde o do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras e delator da investigação, Paulo Roberto Costa, também por 5 horas seguidas, em 2014. Também foi o primeiro interrogatório de Lula em uma ação penal da Lava-Jato em Curitiba. Ele também já foi interrogado em Brasília, pelo juiz Ricardo Soares, em outra ação penal que responde, na qual é acusado de obstrução à Justiça. Em Curitiba, Lula é acusado de receber R$ 3,7 milhões da OAS, em 2009, por meio da reserva e reforma de um tríplex no Guarujá (SP) e por armazenamento de bens pessoais.

O interrogatório começou com um esclarecimento feito por Moro a Lula. "Boatos sobre a decretação de sua prisão durante a audiência são apenas boatos", afirmou o magistrado. Lula disse ser "uma farsa" a denúncia que investiga a suposta doação do apartamento pela empreiteira e disse que desistiu de comprar o imóvel por avaliá-lo "inadequado".

Lula adotou tom respeitoso ao responder a Moro, mas pontuou com momentos de ironia, como quando insinuou que o juiz tem pretensões políticas. "O dia em que o senhor for candidato, o senhor vai usar muita força de expressão no palanque", disse o petista. A declaração de Lula foi dada após Moro questioná-lo sobre discurso na semana passada, em que o ex-presidente afirmou que, se eleito novamente, iria "mandar prender" quem "espalhava mentiras" contra ele. O magistrado perguntou a Lula se ele pretendia levar a ameaça adiante. "Isso é uma força de expressão", disse. "Presidente não prende ninguém, a não ser em regime autoritário."

Lula foi sarcástico ao falar sobre o ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, que devolveu aos cofres públicos R$ 204 milhões em seu processo de colaboração. Barusco disse que o PT ficava com aproximadamente 1% da propina da Petrobras. "Roubou muito, hein? um ladrão assim deve ser tão esperto que você só sabe se ele for delatado". Em seguida, minimizou a importância do funcionário. "Por que sou obrigado a acreditar no Barusco? Não conheço esse cidadão. Nunca vi. Não sei se ele distribuiu dinheiro para o PT ou para alguém". Lula negou que tivesse conhecimento do pagamento de propinas por parte da OAS. "Se eu soubesse, eles teriam sido presos bem antes", garantiu.

O ex-presidente recusou-se a responder sobre as reformas que teriam sido feitas pela OAS no sítio que frequenta na cidade de Atibaia (SP), de propriedade de Fernando Bittar e Jonas Suassuna. Orientado pelos advogados, Lula disse que a questão do sítio é tratada em outro inquérito e que, por isso, só responderia no momento oportuno.

Lula disse a Moro ainda que não tinha como saber em 2003 e 2004 que os nomes indicados para ocupar a diretoria da Petrobras eram corruptos. O ex-presidente afirmou que as indicações, que partiam dos partidos aliados e das bancadas, não tinham restrições de órgãos do governo, do conselho da estatal ou de instituições externas. Alterado, elevou o tom de voz ao responder a um procurador que a escolha de José Eduardo Dutra para comandar a estatal em 2003 "partiu da instituição presidência da República".

Lula disse que o PP, sozinho, não tinha condições de obstruir a pauta do Congresso Nacional durante seu primeiro mandato. A afirmação do petista contraria a tese do Ministério Público Federal, segundo a qual ele teria nomeado Paulo Roberto Costa para a diretoria da Petrobras após uma rebelião de parlamentares do PP.

O ex-presidente viajou a Curitiba, onde chegou por volta das 10h15, no jatinho do ex-ministro Walfrido dos Mares Guia - citado tanto no escândalo do mensalão, quanto em outro episódio rumoroso, o chamado "mensalão mineiro", que apurou caixa dois na campanha de Minas em 1998.

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Marisa Letícia teria agido sem conhecimento do marido

 

André Guilherme Vieira

 

No interrogatório realizado ontem pelo juiz Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se contradisse em relação ao que falou à Polícia Federal (PF) durante sua condução coercitiva, realizada em março de 2016, e atribuiu à sua mulher, Marisa Letícia (morta em fevereiro), o interesse pela aquisição do tríplex reformado pela OAS no Guarujá (SP).

Lula relatou a Moro que visitou o imóvel uma única vez, em fevereiro de 2014, juntamente com sua mulher e com o então presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro, o 'Léo' Pinheiro. O ex-presidente disse "me parece que a minha esposa esteve mais uma vez" no apartamento, em agosto de 2014.

Questionado pelo juiz se em algum momento Marisa Letícia havia se decidido por não ficar com o imóvel, Lula respondeu: "não, não discutiu isso comigo mais, não discutiu".

Moro então indagou se Lula soube, depois da segunda visita feita ao imóvel por ela, se a ex-primeira-dama acabou resolvendo ficar com o tríplex. O petista, no entanto, afirmou não ter sabido da segunda visita de sua mulher ao apartamento. "Eu fiquei sabendo depois que ela tinha ido ao apartamento e que também não tinha interesse em comprar", disse.

"Quando o senhor ficou sabendo [da visita]?", perguntou o magistrado. "Um dia. Não foi no mês de agosto, não foi no dia que ela foi. Foi depois. Difícil precisar agora, se foi 10, 15, 20 dias depois", respondeu Lula.

Foi então que Moro confrontou Lula, apontando contradição com a declaração prestada pelo ex-presidente à PF. "Eu disse exatamente as duas coisas, tanto no primeiro depoimento como agora, a mesma coisa. É difícil se não estou lendo, repetir as mesmas palavras". Lula falou que apontou os defeitos que deveriam ser reparados no apartamento e que Leo Pinheiro teria dito que faria uma proposta. "Nunca mais eu conversei com o Leo sobre o apartamento", disse Lula.

Moro insistiu e perguntou se tal proposta envolveria uma reforma no imóvel. "Eu não sei qual era a proposta, ele disse que ia fazer uma proposta. Não me disse de fazer reforma", respondeu Lula.

Em certo momento, o ex-presidente disse ao juiz que nem sempre as mulheres perguntam aos maridos a opinião deles sobre decisões que pretendem tomar.

"Não sei se o senhor tem mulher. Nem sempre elas (sic) pergunta pra gente o que vão fazer".

Quando Moro abordou o fato de a OAS ter declarado, em 2011, que todas as unidades do prédio tinham sido vendidas, e uma nova unidade "para novo adquirente", ele perguntou a Lula por que a empresa fez tal declaração se ele não havia feito a opção de compra.

"Então eles devem ter vendido o apartamento sem falar com a dona Marisa", respondeu o petista.

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"Sou vítima de uma caçada jurídica"

 

Cristian Klein | Do Rio


Em suas considerações finais no depoimento prestado ontem ao juiz Sergio Moro, em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que está "sendo vítima da maior caçada jurídica que um presidente ou um político brasileiro já teve".

Mais à vontade que nos momentos anteriores, quando demonstrava estar inquieto ou nervoso ao abrir e fechar as pernas dos seus óculos ou rodá-los no ar, Lula aproveitou o tempo para fazer uma defesa eminentemente política.

Durante os 20 minutos, Moro faz diversas interrupções alegando que as declarações do ex-presidente estariam fugindo do objeto do processo. Lula insiste que na Operação Lava-Jato haveria um acordo para que os investigados - "políticos importantes e pessoas ricas" - sejam criminalizados, primeiramente, pela imprensa, por meio de vazamentos de informações, pois, como são pessoas poderosas, há mais dificuldade de condená-las.

Depois de encerrada a fala de Lula, num tom mais acalorado, Moro faz seu comentário. "A imprensa não tem qualquer papel no julgamento desse processo, que vai ser julgado com base na lei e nas provas. O senhor foi chamado aqui e foi tratado com o máximo respeito", diz o juiz.

Lula, então, reage e menciona a divulgação de escuta telefônica em que o próprio Moro foi repreendido pelo então ministro do Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki, morto em acidente aéreo neste ano: "O senhor sem querer talvez entrou nesse processo, sabe por quê?", perguntou o ex-presidente.

"Porque o vazamento de conversas com a minha mulher e dela com os meus filhos foi o sr. que autorizou", disse Lula. "Mas sr. presidente, eu não...", disse Moro, sendo cortado. Lula continuou, numa referência `condução coercitiva: "Eu não tinha direito de ter minha casa molestada sem que eu fosse intimado para uma audiência, doutor, ninguém nunca me convidou e de repente eu vejo um pelotão da Polícia Federal. Quando eu saí, levantaram até o colchão da minha casa achando que eu tinha dinheiro, doutor".

O ex-presidente continuou: "Então deixa eu te falar uma coisa, doutor. Eu espero que essa nação nunca abdique de acreditar na Justiça. Agora, eu queria lhe avisar uma coisa. Esses mesmos que me atacam hoje, se tiverem sinais de que serei absolvido: prepare-se, porque os ataques ao sr. vão ser muito mais fortes".

Moro rebateu: "Senhor presidente, infelizmente eu já sou atacado por muita gente, inclusive por blogs aí que supostamente patrocinam o senhor. Então padeço dos mesmos males em certa medida. Entretanto, eu vou encerrar aqui essas suas declarações, mas eu lhe asseguro que vai ser julgado unicamente nas leis e nas provas do processo, o sr. pode ficar seguro quanto a isso. Certo?" Lula devolveu: "Assim espero, doutor".

O ex-presidente abriu o depoimento com discurso de vitimização. Falou de sua entrada na Presidência em 2003: "Eu dizia pra mim todo santo dia: 'Eu não tinha direito de errar'. Porque, se eu errasse, a classe trabalhadora nunca mais iria eleger alguém do andar de baixo. Nunca mais. Presidência da República não foi feita pra metalúrgico. Não foi feita para quem não tinha diploma universitário. Não foi feita para quem só tinha primário e era torneiro mecânico", disse, para logo em seguida ser interrompido pela primeira vez por Moro.