Valor econômico, v. 18, n. 4252, 11/05/2017. Política, p. A9

Em ato público, Lula adota tom de candidato

 
Pristiane Agostine
Carolina Leal

 

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que nunca foi tão perseguido e massacrado como tem sido nesses últimos anos. A uma plateia de integrantes de movimentos sociais, de partidos de esquerda e de simpatizantes, Lula disse que prefere ser "atropelado por um ônibus" a mentir para a sociedade e afirmou que "não suportaria o que estão fazendo" contra ele se não tivesse apoio da militância. O ex-presidente reafirmou sua candidatura à Presidência em 2018 e disse que "nunca teve tanta vontade de voltar" ao comando do país como tem agora".

Durante seu discurso de pouco mais de dez minutos, Lula repetiu por diversas vezes que não mente à militância. "Eu queria dizer para vocês do fundo do coração: se um dia eu tiver cometido erro, eu não quero ser julgado apenas pela Justiça, eu quero antes ser julgado pelo povo brasileiro", disse. "Se um dia eu tiver que mentir para vocês, eu prefiro que um ônibus me atropele em qualquer rua desse país. Porque eu jamais poderia mentir para pessoas como vocês que há muito tempo depositam confiança, acreditam e seguem", disse, com a voz embargada.

O ex-presidente afirmou que quer "continuar merecendo a confiança". "Eu disse para eles [força-tarefa da Lava-Jato] que possivelmente minha relação com vocês é diferente da que os políticos têm com seus eleitores. A minha relação com vocês é de companheiros de luta, de projeto de país e de sociedade civilizada", disse. No discurso, Lula agradeceu as milhares de pessoas que vieram de diferentes regiões do país para Curitiba, para prestar solidariedade a ele. "É gratificante saber que vocês confiam em alguém que está sendo massacrado pelas acusações", disse. "Eu vim aqui depois de quatro horas de interrogatório agradecer do fundo da alma. Não tenho outra palavra a não ser agradecer. Haverá um momento em que a história mostrará que nunca antes na história do Brasil alguém foi tão perseguido ou massacrado como eu estou sendo nesses últimos anos", disse, ao participar de um ato organizado no centro de Curitiba pela frente Brasil Popular, que reúne entidades como CUT e MST.

Ao falar sobre o depoimento, Lula disse que não foram apresentadas provas contra ele. "Pensei que os meus acusadores iriam mostrar uma escritura, um documento, um pagamento, alguma coisa que fiz para ter o tal do apartamento que ele diz que é meu. Eu esperava que depois de dois anos de massacre eu chegasse lá e tivesse um documento dizendo: o Lula comprou apartamento; o Lula reformou o apartamento, o Lula pagou tanto, a escritura está aqui registrada e o apartamento é dele, já dormiu no apartamento. Nada", disse. "É perguntando se eu conheço Vaccari, Leo Pinheiro, Paulo Okamotto. É lógico que eu conheço e não tenho vergonha das pessoas que eu conheço."

O ex-presidente reclamou e disse que quer ser julgado com base em fatos concretos. "Não quero ser julgado por interpretações, mas quero ser julgado por provas". Para tentar evitar problemas com a Justiça, no entanto, Lula disse que não pretende "afrontar ninguém" e que é um "cidadão que respeita as leis, a Constituição e a Justiça". "A única coisa que peço em troca é que me respeitem como respeito eles."

O petista disse ainda que irá a "quantas audiências forem necessárias" e "prestará quantos depoimentos forem necessários". "Se tem um brasileiro, um ser humano que está em busca da verdade, sou eu."

Lula afirmou também que está pronto para concorrer novamente à Presidência. "Eu quero dizer para vocês que eu tô vivo e me preparando a voltar a ser candidato a presidente desse país. Eu nunca tive tanta vontade como tenho agora", disse. "Vontade de fazer mais, melhor e provar mais uma vez que se a elite não tem competência para consertar esse país, um metalúrgico de quarto ano primário vai provar que é possível consertar esse país".

Pouco antes de Lula discursar, a ex-presidente Dilma Rousseff criticou o governo Michel Temer e defendeu a candidatura de seu padrinho político em 2018. No palco, estavam deputados, senadores e governadores do PT e do PCdoB, além do presidente nacional da CUT, Vagner Freitas, o líder do MST, João Pedro Stedile, e lideranças de outros movimentos populares, que também reforçaram a candidatura de Lula em 2018 e criticaram Moro e Temer.

O ato foi organizado pela Frente Brasil Popular, que reúne entidades como CUT e MST. Os organizadores disseram que cerca de 50 mil pessoas participaram do evento. Já a Polícia Militar contabilizou 6,5 mil.

Diversos integrantes do PT passaram pelo local, como os governadores Wellington Dias (Piauí) e Tião Viana (Acre), os senadores Lindbergh Farias (RJ) e Gleisi Hoffmann (PR), os deputados federais Carlos Zarattini (SP), José Guimarães (CE), Paulo Pimenta (RS) e Zeca Dirceu (PR), filho de José Dirceu.

A militância a favor de Lula promoveu atos durante todo o dia de ontem, desde a chegada do ex-presidente à cidade, pouco depois das 10h. Ao acompanhar a chegada de Lula para o interrogatório, o líder do MST João Pedro Stédile discursou a militantes de movimentos sociais e de partidos de esquerda. Disse que o juiz precisa tomar "cuidado". "Moro, não se bobeie em infringir a lei", afirmou. "Nossa luta é para defender o Lula, cobrar justiça do Moro e Diretas Já", completou.

Lula chegou a uma rua próxima ao prédio da Justiça Federal às 13h45 e foi recebido sob aplausos e gritos de "Lula, guerreiro, do povo brasileiro". Escoltado por uma multidão, o ex-presidente caminhou por menos de uma quadra. Muitos tentavam tirar fotos, dar beijos e abraços. Estava acompanhado de Gleisi e Lindbergh, ambos candidatos à presidência da sigla, do diretor-presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, e de dirigentes de movimentos sociais.

Em frente ao local onde os militantes se concentraram, o morador de um prédio que pendurou uma faixa em apoio a Moro na sacada gritou "Lula, ladrão". O grito foi logo abafado pelo coro "Lula, ladrão, roubou meu coração" dos manifestantes.

Em menor número, manifestantes favoráveis à Lava-Jato também marcaram presença. Eles se reuniram em frente ao Museu Oscar Niemeyer e condenaram o ataque ao acampamento que reúne ativistas pró-Lula na cidade. Na madrugada anterior, foram lançados foguetes contra uma barraca de lona do acampamento. Um adulto sofreu queimaduras e uma criança foi atingida nos olhos por estilhaços. "Quem fez isso é bandido, é maluco. Tem que ser preso e pagar pelo que fez", disse Marisa Lobo, do movimento Curitiba Contra a Corrupção.