Laudo aponta seis irregularidades em operações

Fabio Serapião/ Fábio Fabrini/ Julia Affonso

13/05/2017

 

 

Para investigadores, financiamentos favoreciam JBS, com perdas para o BNDES; empresa afirma que tudo foi feito seguindo todas as formalidades

 

 

 

A Polícia Federal deflagrou ontem uma operação para apurar suspeitas de fraude e corrupção em investimentos feitos pelo BNDES na JBS, dona das marcas Friboi e Seara. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão nas casas do ex-presidente do banco Luciano Coutinho e dos irmãos Joesley e Wesley Batista, acionistas da empresa.

Eles também foram alvo de mandados de condução coercitiva, mas Joesley e Coutinho estavam no exterior e não foram levados a depor. No total, foram 37 mandados de condução coercitiva e 20 de busca e apreensão.

As investigações se referem a financiamentos de R$ 8,1 bilhões concedidos pelo banco à JBS para aquisição de empresas no exterior. Baseada em investigação do Tribunal de Contas da União (TCU), a PF produziu um laudo contábil financeiro no qual aponta seis irregularidades nesses repasses. A operação, batizada de Bullish (termo do mercado financeiro que se refere ao movimento de elevação das ações), mostra que o BNDESPar – braço do banco que compra participações em empresas – permitiu que R$ 615 milhões injetados na JBS para a compra da americana National Beef, em 2008, ficassem com a empresa, embora o negócio não tenha se concretizado.

Segundo a PF, o valor pago pelas ações da JBS em algumas capitalizações foi superior à média ponderada da Bolsa de Valores, o que seria s um indício de favorecimento. Houve ainda, segundo os investigadores, prejuízos em operações com debêntures (título de empresas não financeiras), com conversão de ações por preço superior ao contratado e dispensa de prêmio.

O laudo da PF indica ainda que o BNDES mudou sua percepção sobre o risco do aporte de capital no grupo Bertin, que estava em dificuldades financeiras e foi incorporado pela JBS.

Também sustenta que o banco dispensou garantias na subscrição de debêntures da empresa dos irmãos Batista, além de aprovar negócios bilionários em prazo exíguo e sem relatórios de due diligence, espécie de avaliação administrativa e financeira do ativo a ser adquirido.

Os investigadores sustentam que há indícios de gestão temerária e fraudulenta nas operações com o BNDES, além de corrupção e lavagem de dinheiro.

Além dos mandados de condução coercitiva e de busca e apreensão, os investigados tiveram bens bloqueados e passaportes apreendidos.

Embora não tenham sido alvo de medidas judiciais, o ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil) e sua empresa, a Projeto, também são investigados, por conta de um contrato de consultoria assinado em 2009. O documento, com “cláusula de sucesso”, previa a “internacionalização” da JBS, com vistas a ingressar em “novos mercados” (leia mais na página B4).

Foi negada a prisão preventiva dos irmãos Batista, sob o argumento de que poderia “abalar ainda mais a já afetada imagem” da empresa e de que, por ora, não seria necessária. Os dois empresários estão proibidos, porém, de fazer mudanças na estrutura social do grupo e de abrir novas frentes de negócio no exterior.

Outro lado. O BNDES informou que está colaborando com a PF sobre as investigações. Em nota, o banco disse que estava “buscando informações” e dando apoio a seus empregados, já que alguns deles foram alvos de condução coercitiva.

A defesa de Luciano Coutinho disse que “todas as operações com a JBS foram feitas dentro da mais absoluta regularidade, e Coutinho está e sempre esteve à disposição para prestar quaisquer esclarecimentos solicitados por autoridades sobre a questão”. Os advogados disseram ter convicção de que demonstrarão, ao longo do processo, a lisura de todas as ações realizadas durante a gestão do expresidente do banco.

A JBS disse que o investimento do BNDES no grupo foi realizado obedecendo a regras de mercado e dentro de todas as formalidades. “Esses investimentos ocorreram sob crivo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e em consonância com a legislação vigente. Não houve favor algum à empresa.” Segundo nota divulgada pela empresa, “todos os atos societários advindos dos investimentos da BNDESPar foram praticados de acordo com a legislação do mercado de capitais brasileiro, são públicos e estão disponíveis no site da CVM e no site de relações com investidores da JBS”. “A JBS informa que sempre pautou o seu relacionamento com bancos públicos e privados de maneira profissional e transparente”, reforçou a empresa. 

 

Delação

A decisão que autorizou as ações cita delação premiada do ex-vicepresidente da Caixa Fábio Cleto, que relatou à Lava Jato suposto pagamento de propina, pela JBS, ao ex-deputado Eduardo Cunha.

 

 

SOB INVESTIGAÇÃO

As irregularidades nas operações entre BNDES e JBS investigadas pela Polícia Federal

 

Compra frustrada

Desistência da compra da National Beef pela JBS, sem a devolução dos recursos emprestados pelo BNDES

 

Ações mais caras

Compra de ações da JBS por preço superior à média praticada na Bolsa de Valores

 

Perda com debêntures

Prejuízos em operações com debêntures: conversão em ações por preço superior ao contratado e dispensa de prêmio

 

Mudança de posição

Mudança na percepção do BNDES sobre o risco do aporte de capital no grupo Bertin, grupo que estava em dificuldade financeira

 

Garantias falhas

Dispensa de garantias na subscrição de debêntures da empresa JBS

 

Prazo acelerado

Exíguo prazo de análise das operações financeiras e ausência de avaliações

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45133, 13/05/2017. Economia, p. B3.