O incerto futuro

João Domingos

27/05/2017

 

 

O presidente Michel Temer pode dizer quantas vezes quiser que não renunciará, pode orientar sua defesa a empurrar para não se sabe quando a decisão do TSE que decidirá o destino da chapa Dilma-Temer, pode gravar quantas mensagens com elogios ao Congresso que puder e para dizer à sociedade que está tudo bem. Não está. Ele precisa conversar com quem possa, de fato, lhe dar um panorama exato do que está acontecendo. Ouvir somente os amigos pode ser bom para o ego, mas é ilusório. Amigos nem sempre falam a verdade.

Para não dizer que existe uma unanimidade acreditando que o presidente cairá logo, vamos dizer que nove entre dez atores políticos acham que a situação do presidente é insustentável e que a solução é apenas uma questão de tempo e de forma. Ainda mais agora, quando se fala que o deputado afastado Rodrigues Rocha Loures (PMDB-PR) caminha para uma delação premiada. Rocha Loures é assessor pessoal de Temer desde o primeiro governo de Dilma Rousseff. Não é apenas um afilhado de alguém que ganhou um cargo porque um padrinho importante pediu e o presidente, não tendo como negar, deu-lhe o emprego.

Nesse clima, são intensas as articulações no Congresso em busca de um nome que possa estar à disposição dos partidos que fazem parte da aliança que forma o governo para uma eventual substituição de Michel Temer. Um nome que tenha também o apoio do setor produtivo, um dos sustentáculos de Temer e de suas reformas.

Todos sabem que a solução não pode aparecer de qualquer jeito. É preciso medir as condições de governabilidade daquele que for o nome de consenso em caso de necessidade. Caso contrário, vira um “fora, Dilma”, “fora, Temer”, “fora qualquer um que aparecer”. Há uma consciência geral de que tudo o que vier a ser feito para se buscar a governabilidade e garantir a continuidade das reformas implica uma transição feita em comum acordo com Michel Temer e com o PMDB e não contra eles. Sem eles, não há governabilidade.

É preciso entender que a situação não é tranquila nem serena. O momento é de muita confusão, muita turbulência. Se o nome de alguém aparecer como aquele que foi escolhido, e Temer não tiver sido chamado a participar dos entendimentos, parecerá um golpe. Em vez de garantir condições de governabilidade, uma solução assim tende a piorar tudo. Aumentará a desconfiança e colocará todos os parceiros em pé de guerra.

Por isso mesmo é que tantos nomes de possíveis candidatos à sucessão de Temer são falados, tantos são descartados, tantos aparecem e tantos desaparecem. Porque a busca não envolve um único partido, como em situações normais e que, no auge da discórdia, pode tentar a solução pela prévias. Não é assim que uma eventual substituição de Temer funcionará.

É preciso ainda ter cuidado para não queimar nomes que podem vir a se tornar solução. Também é necessário lembrar que a escolha do sucessor de Temer, se vier a ser feita, deverá se dar por um Congresso unicameral. Portanto, com 513 votos a Câmara leva uma vantagem imensa sobre o Senado, que só tem 81.

O nome, necessariamente, terá de vir do Congresso? Uns acham que sim. Outros que não. Porque não se pode esquecer que a sociedade também precisa ser ouvida. Não adianta escolher alguém que a desagrade, pois os questionamentos por parte dela serão os mesmos que atormentam Michel Temer desde que ele assumiu a Presidência.

Os partidos que formam o governo têm ainda o compromisso de não agravar a crise. E o Congresso não pode se esquecer de que, apesar de tudo, o País continua necessitando mais do que nunca de instituições em funcionamento. Portanto, é preciso tocar a vida como se ela estivesse normal. Só que não está.

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PF encontra anotação com ‘cx 2’ na casa de Aécio

Breno Pires

Isadora Peron

27/05/2017

 

 

Documento estava no Rio; ex-assessor de Perrella admite ter escondido R$ 480 mil

 

A Polícia Federal informou ontem ter encontrado “diversos comprovantes de depósitos e anotações manuscritas, dentre elas a inscrição ‘cx 2’” em um documento que estava entre o material apreendido no gabinete e nas residências do senador afastado Aécio Neves (PSDB-MG) durante a Operação Patmos, deflagrada no dia 18 deste mês. Aécio é investigado em inquérito aberto com base nas delações do empresário Joesley Batista, dono da JBS.

A PF também disse ter recuperado R$ 480 mil com um dos presos na operação. Mendherson Souza Lima, assessor do deputado Zezé Perrela (PMDB-MG), teria admitido a agentes federais ter buscado o dinheiro em São Paulo e escondido depois que viu notícias de que R$ 2 milhões teriam sido destinados pela JBS ao senador, após acerto com Joesley. Segundo o assessor parlamentar, o dinheiro foi levado para a casa da sua sogra, em Nova Lima, no interior de Minas.

A lista de itens apreendidos nos endereços ligados a Aécio contém telefones celulares, obras de arte, documentos e anotações que incluem a Odebrecht e Joesley, dono do Grupo J&F, que informou à Procuradoria- Geral da República (PGR) ter repassado R$ 2 milhões indevidos ao senador.

A anotação “cx 2” foi encontrada em documento apreendido no apartamento que o senador tem na Avenida Vieira Souto, no Rio. Um aparelho bloqueador de sinal telefônico também foi apreendido, além de 15 quadros e uma escultura – um dos quadros tem a inscrição “Portinari”.

Já no gabinete do tucano no Senado, foram apreendidas “planilhas com indicações para cargos federais”, além de cópias de uma agenda de 2016 com os nomes do empresário Joesley e a irmã de Aécio, Andrea Neves, presa durante a operação. E também a “folha manuscrita contendo dados da CNO (Construtora Norberto Odebrecht)”.

Há ainda o registro de um “papel manuscrito contendo anotações citando o ministro Marcelo Dantas”, em uma possível indicação ao ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, investigado em um dos inquéritos da Lava Jato.

O relatório do material apreendido no gabinete do senador inclui ainda “folhas impressas no idioma aparentemente alemão, relativo a Nobert Muller”.

Muller é um doleiro que fora investigado na Justiça Federal do Rio e suspeito de ser responsável por criar e manter contas bancárias em Liechtenstein, paraíso fiscal na Europa.

Na investigação no Rio, havia uma referência a Inês Maria Neves Faria, mãe do senador. Os doleiros foram denunciados, mas o inquérito foi arquivado.

Na delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral (ex-PT-MS), ele relatou ter tido conhecimento de que Aécio era beneficiário de uma fundação em Liechtenstein.

Em nota, o advogado de Aécio, Alberto Toron, negoi que a inscrição “cx 2” em documento seja indício de ilegalidade. “Asseguramos que uma eventual referência a ‘cx 2’ não significa qualquer indício de ilegalidade”, afirmou Toron.

A defesa do senador também lamentou no mesmo texto que “citações sem qualquer informação real” ou contexto tenham sido divulgadas por agentes da investigação em curso.

‘Assustado’. No relatório da PF, também é narrada a recuperação de R$ 480 mil que Mendherson admitiu ter escondido na casa da sogra na véspera da operação, depois da notícia sobre repasse de propina a Aécio. Mendherson foi preso sob a suspeita de ter recebido parte dos valores destinados pela JBS a Aécio.

O assessor disse, de acordo com a PF, ter buscado os R$ 480 mil em São Paulo no dia 3 de maio deste ano e ter escondido o dinheiro na casa da sogra por ter ficado assustado com as citações ao seu nome em meio às notícias de pagamento de propina a Aécio. A informação surgiu na noite da quarta-feira, dia 17, véspera da operação.

“Assim, deslocou-se com duas sacolas contendo aproximadamente 480 mil reais e levou até a cidade de Nova Lima, pedindo para sua sogra que ali reside (Rua Paraná, 26), de nome Azelina Rosa Ribeiro, para guardálos em local seguro, sem que a mesma soubesse do seu conteúdo”, escreveu o relatório.

Após ser preso, Mendherson tomou a iniciativa de ir com os agentes da Polícia Federal até o endereço que indicou. As sacolas, com as cédulas de R$ 100, foram encontradas pela PF no local. Segundo a PF, foram “devidamente conferidas e apreendidas em sede policial”.

 

- Defesa

“Asseguramos que uma eventual referência a ‘cx 2’ não significa qualquer indício de ilegalidade.”

Alberto Zacharias Toron

ADVOGADO DO SENADOR AFASTADO AÉCIO NEVES (PSDB-MG)

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INVESTIGAÇÃO VÊ ELO ENTRE JBS E TRANSPETRO

 Jamil Chade

 

 

CORRESPONDENTE EM GENEBRA

A empresa de fachada usada pela JBS para camuflar recursos na Suíça também aparece nas investigações sobre a transferência de dinheiro ao ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado. No ano passado, áudios divulgados de conversas do exexecutivo levaram à queda de Romero Jucá, na época, ministro do Planejamento do governo Michel Temer.

A empresa fundada no Panamá, Lunsville International, era controlada pela JBS e, conforme revelou o Estado, mantinha suas contas no banco Julius Baer como forma de distribuir pagamentos de propinas.

Com base em Zurique, a empresa de fachada usava três contas – em euro, dólar e franco suíço – para fazer as movimentações. Procurado pelo Estado, o nome oferecido pela JBS como o gerente da conta na Suíça, o brasileiro Fernando Marques, não se pronunciou. Entre os documentos apresentados ao Ministério Público, estava um cartão de visitas do gerente de contas.

No caso de Machado, o nome da empresa de fachada também aparece em sua delação premiada. É seu filho, Expedito Machado da Ponte Neto, que explica aos procuradores como seu pai recebia o dinheiro da propina no exterior. Uma das empresas que fazia o depósito era a Lunsville International.

Segundo Expedito Machado, existia uma planilha que ele usava para “prestar contas” a seu pai. Nela, aparecia o nome Lunsville International. Essas transferências teriam ocorrido em 2007 e 2008. O que se busca saber agora é o motivo pelo qual o mesmo nome de empresa aparece tanto no caso da Transpetro como no caso da JBS.

Machado fechou um acordo de delação premiada e indicou que repassou propina a mais de 20 políticos de seis partidos.

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Gilmar defende revisão de termos da delação de grupo

ISADORA PERON

 BRENO PIRES

 

 

Para ministro do STF, a homologação está sujeita a ‘referendo’ do plenário da Corte; ele também quer rever prisão em 2º grau

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, disse ontem que o tribunal terá de discutir o rito da homologação dos acordos de delação premiada fechados pela Procuradoria- Geral da República. Questionado sobre a possibilidade de revisar os benefícios concedidos aos delatores da J&F – holding que inclui a JBS – ele afirmou que esse é um tema que deverá ser discutido pelo plenário da Corte.

O Estado mostrou ontem que ministros do Supremo admitem revisar os benefícios concedidos no acordo de delação premiada firmado com a PGR – alvo de críticas por prever imunidade penal aos irmãos Joesley e Wesley Batista, proprietários da maior processadora de carne do mundo.

Gilmar afirmou que a homologação de um acordo deveria ser feita apenas pelo ministro relator Edson Fachin, mas posteriormente teria de ser referendada pelo conjunto dos integrantes da Corte, seja no âmbito da Segunda Turma ou do plenário.

‘Referendo’. O ministro disse que chegou a conversar sobre o assunto com o ministro Teori Zavascki, morto em janeiro deste ano. Zavascki era o juiz responsável pela relatoria da Lava Jato no Supremo.

“O que a lei diz? Que o juiz é quem homologa, mas o juiz aqui não é o relator, quando se trata de tribunal, é o próprio órgão. Ele pode até fazer a homologação prévia, mas sujeita a referendo”, disse Gilmar.

Como a delação dos irmãos Batista envolvem o presidente Michel Temer, ele afirmou que o caso terá de ser discutido pela instância máxima do STF, o plenário. “Certamente vamos ter de discutir o tema no próprio plenário.” Segundo Gilmar, o relator da Lava Jato poderá levar uma questão de ordem para ser decidida pelos demais colegas. A previsão não é de consenso entre os integrantes Corte, mas tem sido defendida por alguns magistrados e até mesmo por Fachin.

Prisão. Ao conceder um habeas corpus nesta semana, Gilmar defendeu também que o tribunal deve rever a decisão que autorizou o decreto de prisão logo após a condenação em segunda instância.

Ao analisar um caso concreto durante a sessão da Segunda Turma, na terça-feira, o ministro afirmou que cumprimento dessa medida é possível, mas não obrigatório. “Nós admitimos que se permitiria a prisão a partir da decisão de segundo grau. Mas não dissemos que ela fosse obrigatória.” Gilmar afirmou ainda que estava refletindo sobre a posição expressada pelo ministro Dias Toffoli em um julgamento sobre o tema em outubro do ano passado. Toffoli mudou o seu entendimento e sugeriu que a execução da pena começasse após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). “Esse é um tema que nós temos talvez de revisitar”, disse.

O entendimento do Supremo de que seria possível a prisão logo após a decisão de segundo grau, ou seja, sem esgotar todos os recursos, foi tomada em fevereiro do ano passado, e alterou a jurisprudência adotada desde 2009 no País, de que a sentença só seria cumprida após o trânsito em julgado.

Em outubro, os ministros voltaram a discutir o tema, após entidades questionarem o julgamento de fevereiro. Por 6 votos a 5, a Corte confirmou o entendimento anterior. Nos dois casos, Gilmar votou pela possibilidade de execução de penas após a condenação de segundo grau. / ISADORA PERON e BRENO PIRES

O Estado de São Paulo, n.45147 , 27/05/2017. Política, p. A6