Setúbal e ministra do TST divergem sobre reforma trabalhista

Américo Martins

13/05/2017

 

 

O co-presidente do conselho de administração do banco Itaú-Unibanco, Roberto Setúbal, e a ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaíde Arantes divergiram abertamente sobre a proposta de reforma trabalhista proposta pelo governo federal durante debate ontem em Oxford, na Inglaterra. Setúbal afirmou que "legislação trabalhista é muito detalhista, muito burocrática e intervencionista ao extremo. E o que é pior: não favorece a criação de empregos".

A ministra do TST, por outro lado, afirmou que a reforma trabalhista está sendo feita "sem se assegurar o amplo debate democrático e em momento de crise de legitimidade e de representação" do governo e do Congresso Nacional. Delaíde Arantes afirmou ainda que a reforma trabalhista está sendo vendida à população de forma equivocada. Ela negou que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) esteja desatualizada já que "vários de seus artigos foram alterados desde sua promulgação" na década de 1940. E também criticou o fato de a reforma permitir que negociações ocorram entre trabalhadores e empresários sem oferecer garantias de que os empregos sejam mantidos em caso de divergências durante essas negociações.

Em sua fala, o banqueiro disse que "cumprir no detalhe o que a legislação coloca é impossível. É tão impossível que a União, as multinacionais, as grandes empresas brasileiras não conseguem cumprir. E não é que não querem cumprir. É que não conseguem", disse ele. "Se as empresas mais estruturadas não conseguem, quem é que consegue cumprir essa legislação?", questionou ele.

Setúbal defendeu ainda a reforma da Previdência e o limite de teto dos gastos do governo como condições essenciais para a retomada do crescimento no país. Segundo ele, essas medidas vão dar ao país "pela primeira vez uma perspectiva fiscal que vai permitir o planejamento" das empresas. "O cenário fica muito mais previsível para a frente e isso é essencial para a retomada do crescimento sustentável", disse ele.

Em conversa com o Valor, Setúbal no entanto afirmou que ainda existem riscos nesse possível cenário de recuperação da economia. "O próprio ambiente político pode criar incertezas que talvez momentaneamente desacelerem o interesse em investimentos", disse ele. Essas incertezas poderiam vir de novas descobertas da Operação Lava-Jato.

O debate entre Setúbal e a ministra do TST aconteceu durante o seminário Brazil Forum UK 2017, promovido por pesquisadores brasileiros da Universidade de Oxford e da London School of Economics, sobre os rumos do Brasil. O diretor-executivo do Board de Diretores do Banco Mundial, Otaviano Canuto, também participou do evento e, assim como Setúbal, defendeu a necessidade das reformas propostas pelo governo. Segundo ele, as reformas são fundamentais para ajudar a resolver dois males da economia brasileira: "a anemia de produtividade" do país e a "obesidade das contas públicas". Sem essas reformas, ele diz que não será possível se conseguir um crescimento econômico sustentável.

A professora do Instituto de Economia da UFRJ e assessora econômica do Senado Federal, Esther Dweck, também fez parte da mesa e criticou aspectos das reformas propostas pelo governo. Segundo ela, não é possível acreditar que os trabalhadores vão ter o mesmo "poder de barganha" que os empresários nas negociações diretas em casos que poderiam se sobrepor às determinações da CLT.

As reformas também foram defendidas por vários outros participantes do Brazil Forum UK 2017. O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso - que abriu o evento no sábado, em Londres - disse que o Brasil precisa de uma reforma "drástica" da Previdência Social. Ele defendeu a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria e a criação de um teto igual para servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada. Caso o Brasil não faça a reforma, ele diz que as autoridades vão entregar às futuras gerações um "país arruinado" como a Venezuela.

A presidente da holding Latam no Brasil, Claudia Sender, também defendeu de forma enfática a necessidade não só da reforma trabalhista como também de outras mudanças que permitam a volta do crescimento econômico ao país. Segundo ela, é necessário promover reformas trabalhista, tributária e legislativa, além de conter exageros de alguns direitos do consumidor e rever a infraestrutura burocrática do Brasil. Ao defender a reforma trabalhista, ela citou um exemplo envolvendo os pilotos da companhia aérea. "Um piloto brasileiro, por causa da legislação trabalhista, só pode fazer a rota São Paulo-Londres três vezes em um mês. Um piloto inglês pode fazer quatro voos no mês. Isso diminui nossa competitividade", disse ela.

O senador e ex-presidente da Confederação Nacional das Indústrias Armando Monteiro (PTB-PE) também defendeu "um choque de produtividade" para poder sair da atual "crise depressiva econômica". Segundo o ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior, esse choque passa por três áreas: a reforma trabalhista, uma profunda reforma tributária e uma maior abertura do país ao comércio exterior. Ele foi um dos que mais defenderam o principal ponto da reforma trabalhista em discussão no Congresso: a possibilidade de acordos entre empresas e sindicatos prevalecer sobre a CLT. "O Brasil precisa de um sistema (trabalhista) mais negocial e menos estatutário. A legislação nunca consegue acompanhar a evolução das relações trabalhistas", disse ele. No entanto, o ministro disse que isso também não pode levar à precarização dos direitos dos trabalhadores.

Entre os participantes contrários às reformas estiveram o pré-candidato à Presidência da República pelo PDT, Ciro Gomes, e o ex-ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Jacques Wagner.

Para Ciro, as formas de encaminhamento atuais são absolutamente "toscas" e passam completamente ao largo de qualquer consequência estratégica para o país. Para ele, "o país precisa avançar no sistema de previdência, mas pensando no futuro e não na emergência agora. E menos ainda da forma como está se fazendo". Para ele, o "diagnóstico está errado. O problema da Previdência Social é que 2% dos beneficiários recebem 40% dos benefícios. E esse conjunto de propostas não só não muda isso como são regressivas e injustas".

Ao contrário das polêmicas causadas pelas propostas de reformas econômicas, a necessidade de uma reforma política foi praticamente unânime entre os palestrantes do fórum. No entanto, os problemas começam quando se discute os detalhes da possível reforma, com muitas variações entre cada um.

Em linhas gerais, no entanto, a maioria - inclusive os políticos presentes - parece defender a necessidade de se limitar as coligações partidárias (o ministro Barroso chegou a chamá-las de "inconstitucionais") e do financiamento público como uma forma de se tentar evitar a corrupção.

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4254, 13/05/2017. Política, p. A12.