Lula tenta adiar audiência; Moro vê atuação política
Ricardo Galhardo, Julia Affonso, Luiz Vassallo e Ricardo Brandt
09/05/2017
 
 
Defesa de ex-presidente pede mais tempo para analisar processo relacionado a triplex; juiz nega pedido para gravar encontro em vídeo

A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu ontem mais tempo para analisar o processo contra o petista relacionado a um triplex no Guarujá e adiar o depoimento marcado para amanhã em Curitiba. Em mais um episódio do embate jurídico com o juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato, os advogados recorreram ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) pedindo que a ação penal seja suspensa por 90 dias.

Pessoas próximas ao ex-presidente, porém, afirmam ter pouca esperança de que o tribunal acate o recurso e admitem que a estratégia dos advogados de Lula é usar uma eventual negativa como argumento de cerceamento de defesa em futuros recursos em instâncias superiores.

Segundo o pedido da defesa, o prazo maior seria necessário para que os advogados pudessem analisar os 5,42 gigabytes – equivalentes a 100 mil páginas – de documentos que a Petrobrás anexou aos autos do processo no qual Lula é réu por corrupção e lavagem de dinheiro.

No pedido, um habeas corpus encaminhado ao TRF-4, os advogados argumentam que tiveram impedido o acesso aos documentos referentes aos três contratos firmados entre a empreiteira OAS e a Petrobrás. Segundo a denúncia do Ministério Público Federal, os contratos seriam a contrapartida dos R$ 3,7 milhões em propinas supostamente pagas ao ex-presidente.

Segundo os advogados de Lula – Cristiano Zanin Martins e Roberto Teixeira –, os documentos da Petrobrás foram solicitados desde 10 de outubro de 2016, mas “foram levados, em parte, ao processo somente nos dias 28 de abril e 2 de maio de 2017, por meio digital”.

Os advogados citam decisão recente do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que no dia 26 de abril suspendeu depoimento do senador Aécio Neves (PSDB-MG) para que a defesa do tucano pudesse ter acesso aos autos.

“Guerra de nervos”. O pedido de suspensão do processo faz parte da “guerra de nervos” travada entre Lula e seus aliados e o juiz Moro às vésperas do depoimento. Ainda ontem, o juiz federal negou pedido da defesa de Lula para gravar em vídeo o encontro.

Moro argumenta que o objetivo de Lula e seus advogados é usar as gravações com objetivos políticos. “Não se ignora que o acusado Luiz Inácio Lula da Silva e sua defesa pretendem transformar um ato normal do processo penal, o interrogatório, oportunidade que o acusado tem para se defender, em um evento político-partidário, tendo, por exemplo, convocado militantes partidários para manifestações de apoio ao ex-presidente na referida data e nessa cidade, como se algo além do interrogatório fosse acontecer”, afirmou Moro. A defesa de Lula disse que vai recorrer.

À noite, em evento em Curitiba, o juiz disse que processo não é confronto e fez novo apelo para que apoiadores da Lava Jato evitem ir às ruas amanhã.

“Melhor que seja um jogo de torcida única. Se querem prestar apoio à investigação naquela data melhor evitar confronto. Eu não sou um dos times em campo, eu sou o juiz. Não torço para nenhum time ali. Preferível que fiquem em casa”, disse.

Também à noite, o advogado Cristiano Zanin Martins publicou um vídeo nas redes sociais no qual diz que Moro age como político. “Não somos nós, a defesa, que agimos como políticos, mas o próprio Moro”, disse. Zanin afirmou que o juiz tem “obsessão” por Lula, abriu precedente que “coloca em risco” a advocacia ao proibir a gravação do depoimento e foi “surpreendido” pela decisão. “Mais uma vez, ele (Moro) acusa sem provas.”

Agenda. Petistas esperavam a presença de Lula na reunião da Executiva Nacional do partido, hoje, em Curitiba. O ex-presidente, porém, não vai participar de nenhum ato em sua defesa . / RICARDO GALHARDO, JULIA AFFONSO, LUIZ VASSALLO e RICARDO BRANDT

Em Curitiba. PM faz cadastro de pessoas que moram e trabalham em ruas próximas do prédio da Justiça Federal, onde será realizado depoimento de Lula

CRONOLOGIA

Embates entre Moro e Lula

Março de 2016

Condução coercitiva

O juiz Sérgio Moro ordena a condução coercitiva de Lula na 24.ª fase da Lava Jato.

Grampos

Em ofício ao STF para explicar por que deu publicidade aos áudios de Lula, Moro diz que petista quis “intimidar” e “obstruir” investigações.

Julho

Suspeição e prisão

A defesa de Lula protocola pedido para que Moro declare suspeição para julgar o petista. O juiz rebate dizendo que os grampos poderiam justificar a prisão temporária do ex-presidente.

ONU

Lula entra com representação no Comitê de Direitos Humanos da ONU contra Moro e a Lava Jato. Petista cita “abuso de autoridade”.

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A quem interessa o conflito?

Marcus André Melo

09/05/2017

 

 

Interessa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT maximizar o enfrentamento com o juiz Sérgio Moro. Elevar a visibilidade do conflito permite alcançar dois objetivos. O primeiro deles é reforçar a narrativa do golpe judicial contra a democracia.

Com isso, o petista mira em dois públicos.

O externo, ao reforçar a tese de que o julgamento do ex-presidente dá continuidade ao golpe do impeachment e ao jacobinismo judicial iniciado no mensalão. É perceptível, no entanto, que as reações favoráveis à narrativa do golpe enfraqueceram-se, se é que já não mudaram radicalmente.

A estratégia também mira o público interno dos “core voters” do PT, ao fornecer uma narrativa de vitimização para mobilizar interesses. O partido, no entanto, está em colapso.

O segundo objetivo de Lula ao partir para o confronto com Moro é aumentar os custos das decisões judiciais ao vendê-las como decisões contra uma candidatura popular em 2018. Nesse ponto, os interesses do ex-presidente como réu e de seu partido convergem.

A Moro interessa manter o conflito sob controle, reduzindo seu escopo. A ciência política nos ensina que os juízes são atores estratégicos: antecipam as reações dos outros atores relevantes no jogo.

Os magistrados distinguem-se uns dos outros por características individuais, mas isso é assunto para a psicanálise. Alguns são boquirrotos e comprometem a credibilidade do Judiciário.

Outros têm maior aversão ao risco.

Como o ex-presidente, Moro espera contar com a opinião pública: o juiz aprendeu o papel essencial que ela cumpriu no sucesso da Mani Pulite (Mãos Limpas). Mas Moro também aprendeu quando é necessário reduzir o escopo do conflito, evitando a hiperpolitização.

Como ator estratégico reage.

Mancuso, juiz da Mani Pulite, foi alçado a ministro da Justiça (cujo título em italiano, Guardasigilli, deveria servir de inspiração para os magistrados brasileiros). Mas foi o único ministro na história da Itália republicana a sofrer uma moção de censura no Parlamento, pelo qual perdeu o cargo.

 

O Estado de São Paulo, n. 45129, 09/05/2017. Política, p. A6