77 delatores ainda esperam por penas

Beatriz Bulla e Fabio Serapião

07/05/2017

 

 

Acordo prevê cumprimento de punições antes de sentenças e logo após homologação, mas Cármen Lúcia transferiu prerrogativa para juízes

As delações da Odebrecht começaram a produzir efeitos nos mundos político e jurídico, mas um dos pontos das colaborações ainda não saiu do papel: o cumprimento das penas pelos 77 delatores imediatamente após a homologação dos acordos. A cláusula inédita em negociações da Operação Lava Jato é exclusiva aos executivos e ex-executivos da empreiteira baiana.

Os delatores concordaram com a Procuradoria-Geral da República (PGR) em cumprir as sanções antes mesmo da condenação.

O Estado apurou, porém, que, ao homologar as colaborações, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, indicou que o cumprimento da pena deve ser estabelecido pelo juiz responsável pelo processo penal a que cada executivo responder.

As delações da Odebrecht foram homologadas pela ministra há mais de três meses. De forma excepcional, Cármen Lúcia analisou os acordos após a morte do ministro Teori Zavascki em um acidente de avião e antes do sorteio que definiu o novo relator da Lava Jato no STF, ministro Edson Fachin.

Na prática, a decisão da presidente da Corte gera insegurança para que os delatores comecem a cumprir suas penas, sob o risco de eventualmente o tempo não ser considerado pelo magistrado que julgá-los.

Advogados que participaram das negociações consideram que a controvérsia deve voltar ao Supremo, para ser resolvida de forma definitiva. Para isso, as defesas dos delatores precisam provocar o STF a analisar esse trecho das colaborações ou acionar a própria PGR, que atua após a assinatura das delações para assegurar a validade dos termos acertados.

Para fontes ligadas à Odebrecht, os delatores estão em um “limbo” e cada um aguarda a movimentação dos demais sobre o assunto. O conteúdo das delações foi revelado pelo Estado no dia 11 do mês passado, mas os termos dos acordos com as imposições feitas aos delatores permanecem sob sigilo. A pena estabelecida é considerada por investigadores como um parâmetro que serve de limite à condenação do juiz em cada caso.

Primeira instância. Na Odebrecht, em razão da grande quantidade de delatores, a maior parte dos executivos nem sequer foi investigada e denunciada pelo Ministério Público Federal (MPF). A impossibilidade do cumprimento antecipado transfere a um juiz de primeira instância, como Sérgio Moro, a definição sobre o futuro dos colaboradores.

Há executivos que desejam dar início ao cumprimento da pena o quanto antes. Como também quer a empresa, a intenção é deixar para trás o envolvimento no escândalo de corrupção.

Só os delatores que chegaram a ser presos preventivamente durante as investigações da Lava Jato e, portanto, já têm restrições de liberdade, cumprem a pena de forma antecipada. Isso porque o tempo em que permanecerem impossibilitados de sair de casa ou estiverem com tornozeleira é descontado no momento da condenação, como Márcio Faria, Rogério Araújo e Hilberto Mascarenhas.

Marcelo Odebrecht, herdeiro e ex-presidente do grupo, também já cumpre pena. Ele é o único que precisará ficar detido, apesar do acordo com a PGR. Marcelo foi preso em junho de 2015 e vai continuar na prisão até o fim deste ano, chegando a 2 anos e meio em regime fechado em Curitiba.

A pena de Marcelo acertada com o MPF totaliza dez anos.

Ao sair da prisão, ele vai passar pelas três outras etapas estabelecidas para os demais delatores: regime fechado domiciliar, no qual não pode sair de casa; semiaberto domiciliar, em que pode sair para trabalhar durante o dia e deve voltar à noite; aberto domiciliar, no qual deve permanecer em casa nos fins de semana e feriados.

Dos delatores, 26 continuam trabalhando na empresa, especialmente os mais jovens. Eles estão afastados de cargos de direção e de funções com contato com o poder público. Durante o regime domiciliar fechado, poderão contribuir de casa.

A Odebrecht informou que está colaborando com a Justiça no Brasil e nos países em que atua e reiterou que já reconheceu os seus erros, pediu desculpas públicas, assinou um acordo de leniência com as autoridades brasileiras e da Suíça e com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos. A PGR não comentou os termos do acordo em razão do sigilo. O STF também não se manifestou.

Na prisão. Marcelo Odebrecht, ex-presidente do grupo, já cumpre pena e terá de ficar 2 anos e meio no regime fechado

Multas

US$ 2,6 bi é o valor que a Odebrecht terá de pagar em multas aos governos do Brasil, dos Estados Unidos e da Suíça por ter se envolvido em escândalos de corrupção.

US$ 2,39 bi serão pagos ao governo brasileiro em razão de ter participado de cartéis na celebração de contratos com a Petrobrás.

US$ 93 mi é o montante que ficará com o governo americano.

PARA LEMBRAR

‘Estado’ revelou lista

No dia 11 de abril, o Estado revelou que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, havia determinado a abertura de inquérito contra oito ministros do governo Michel Temer, 24 senadores e 39 deputados federais, entre eles os presidentes das duas Casas. Na chamada lista de Fachin também constam três governadores e 23 outros políticos e autoridades que, apesar de não terem foro no tribunal, estão relacionados aos fatos narrados pelos executivos e ex-executivos do Grupo Odebrecht que firmaram acordos de delações premiadas com a Procuradoria-Geral da República (PGR).

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Analistas divergem sobre liberdade de Dirceu

Gilberto Amendola

07/05/2017

 

 

Há quem considere que decisão do STF seja revés para Lava Jato; outros questionam uso de prisão preventiva

O impacto na Lava Jato da decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, de revogar a prisão preventiva de José Dirceu, divide analistas. Para alguns, a liberdade concedida ao ex-ministro e a outros condenados pelo juiz Sérgio Moro pode ser considerada um revés para a força-tarefa, com reflexos nas delações premiadas. Outros questionam o uso da prisão preventiva na operação.

Para a jurista Janaina Paschoal, autora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, há um processo de “desmerecimento” da Lava Jato. “Aparentemente, existe uma vontade de desconstituir o trabalho dos procuradores e da força-tarefa”, afirmou. Ela disse ainda que “não é comum” todas as teses de defesa serem aceitas pelos ministros do STF, como ocorreu nos votos favoráveis ao habeas corpus de Dirceu.

Segundo Janaina, o ministro Dias Toffoli, que “já foi funcionário de Dirceu”, não deveria participar do julgamento. Toffoli, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram pela revogação da prisão do petista.

O professor de Direito Penal do Mackenzie Orlando Sbrana afirmou que a liberdade de Dirceu pode trazer consequências para a Lava Jato. “A prisão preventiva servia para que José Dirceu não tivesse influência em delações e nesse processo de forma geral. Mesmo que ele não tenha contato com outros investigados, a simples soltura dele já traz consequências – vide a posição de Antonio Palocci, que já não parece mais disposto a delatar”, disse Sbrana.

Divergências. O professor de Direito Constitucional da PUC-SP Marcelo Figueiredo afirmou que o caso de Dirceu mostrou que o STF tem “diferentes interpretações” sobre prisões preventivas. “Como a votação foi apertada, a indicação do Supremo é de que existem dúvidas e diferentes interpretações.

A prisão preventiva só deve ser tomada se existe algum risco de o infrator prejudicar a coleta de provas.” O debate sobre prisões preventivas da Lava Jato divide o plenário do Supremo. Como mostrou o Estado, no entanto, o entendimento pela manutenção das detenções, defendida pelo relator dos casos na Corte, ministro Edson Fachin, tem maior chance de prevalecer entre os 11 ministros.

O professor de Direito da PUC-SP Luiz Guilherme Conci disse não concordar com a maneira com que as prisões preventivas são usadas. “Claramente, as prisões preventivas no âmbito da Lava Jato têm como objetivo desestabilizar o preso até que ele decida aceitar a delação.

Esse não é o espírito da lei. A prisão preventiva no Brasil acabou criando uma máquina de encarceramentos”, afirmou.

Para Conci, um entendimento mais “garantista” em relação às prisões preventivas não pode ser acusado de prejudicar as investigações no País.

A professora de Direito da FGV-SP Heloísa Estellita segue a mesma linha. “É preciso ter muito cuidado com prisões preventivas.

É uma excepcionalidade, não pode ter função de pena.

Quando esse tipo de prisão é aplicada, como ainda não existe condenação, ela acaba se tornando a pena mais pesada do nosso sistema.”

REPERCUSSÃO

Orlando Sbrana

Professor do Mackenzie

“Mesmo que ele (Dirceu) não tenha contato com outros investigados, a simples soltura dele já traz consequências – vide a posição de Antonio Palocci, que já não parece mais disposto a delatar.”

Luiz Guilherme Conci

Professor da PUC-SP

“Claramente, as prisões preventivas no âmbito da Lava Jato têm como objetivo desestabilizar o preso até que ele decida aceitar a delação. Esse não é o espírito da lei. A prisão preventiva no Brasil acabou criando uma máquina de encarceramentos.”

Janaina Paschoal

Advogada

“Aparentemente, existe uma vontade de desconstituir o trabalho dos procuradores e da força-tarefa.”

 

O Estado de São Paulo, n. 45127, 07/05/2017. Política, p. A6