Polêmicas da reforma trabalhista chegam ao Senado

Fernando Nakagawa e Anne Warth

07/05/2017

 

 

Aprovada de forma rápida na Câmara, proposta ainda provoca fortes divergências entre empresários, trabalhadores e analistas

Enquanto os mundos econômico e político seguem atentos a cada passo da reforma da Previdência, o projeto que muda a legislação trabalhista avançou discreta e rapidamente. Entre a apresentação do texto pelo Palácio do Planalto e a aprovação na Câmara, foram apenas 85 dias úteis. A despeito da rapidez, falta consenso entre especialistas, trabalhadores e empregadores em temas-chave, como o impacto no emprego. As divergências deverão pautar a tramitação que começou oficialmente no Senado.

A chegada de Michel Temer à presidência colocou a reforma trabalhista na lista de prioridades do Planalto. O pano de fundo para o senso de urgência é a piora do mercado de trabalho e o desemprego crescente.

O governo argumenta que a reforma tem potencial de criar até 5 milhões de empregos no médio prazo. Diante dos 14,2 milhões de desempregados, seria uma ótima notícia.

Empregadores reconhecem que vagas devem ser criadas, mas ninguém crava um número. Sindicatos temem que possa ocorrer apenas a substituição de vagas.

“Novos contratos, como o intermitente (por períodos específicos, a depender da demanda) e o teletrabalho, são indutores de empregos e tirarão muitos da informalidade”, diz o presidente do conselho de relações do trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan, ao comentar que empresas terão mais segurança jurídica para contratar.

Na Confederação Única dos Trabalhadores (CUT), a opinião é diametralmente oposta. “Não serão oferecidas novas vagas. Serão usados novos contratos para ocupar as atuais vagas”, diz a secretária de relações do trabalho da CUT, Graça Costa.

Outro objetivo do governo é reduzir o volume de processos trabalhistas. O Planalto prevê que o litígio trabalhista diminuirá com o maior peso jurídico dos acordos individuais e coletivos, regulação de temas controversos e divisão de custos processuais.

O professor de direito do trabalho na Fundação Getúlio Vargas Paulo Sérgio João reconhece que o projeto “proíbe que a Justiça crie direito”, o que deve diminuir o peso da jurisprudência, simbolizada pelas súmulas que acabam ocupando o lugar da legislação em vários temas. Mas ele nota que a diminuição do papel da Justiça do Trabalho não é uma consequência óbvia. “Teremos filtros para o litígio, mas é preciso considerar que o Judiciário tem autonomia na interpretação da lei. Então, acho que só poderemos ver se haverá mudança em horizonte mais longo, como cinco anos.”

O professor de economia da Unicamp Claudio Dedecca tem visão mais crítica. “Não está claro, nem para os juristas, se isso (a reforma) não está em conflito com a Consolidação das Leis do Trabalho e a própria Constituição. O nível de demandas na Justiça do Trabalho só vai aumentar.”

Deterioração. A estrutura do mercado de trabalho também é tema de discórdia. Representantes dos trabalhadores alertam que a popularização de instrumentos como terceirização e contratos temporários mais longos deverão deteriorar as condições de emprego. Mas há especialistas que dizem o contrário. No governo, há expectativa de que a reforma tire brasileiros da informalidade.

“Em setores como limpeza e telemarketing, a reforma deve aumentar o uso de contratos não permanentes. Será mais fácil manter um empregado temporário ou em contrato intermitente e demiti-lo com menos custos ou nenhuma despesa”, diz a secretária da CUT. “Não haverá negociação. Teremos imposição do lado mais forte.”

O professor de economia da PUC-Rio José Márcio Camargo acredita no contrário. “Aumentará o número de empresas que poderão terceirizar serviços, as terceirizadas terão de ter trabalhadores formais para fechar contratos e a contratante será corresponsável pelo trabalhador.”

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Tramitação da reforma pode se estender a 90 dias

Fernando Nakagawa e Anne Warth

07/05/2017

 

 

Senadores da oposição querem usar tempo para reverter regras propostas pela Câmara dos Deputados

A tramitação da reforma trabalhista no Senado deve demorar um pouco mais que as previsões iniciais, que citavam 30 dias. O próprio relator na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES), reconhece que o prazo pode se estender a até 90 dias.

Senadores da oposição querem usar esse tempo para tentar reverter regras propostas pela Câmara dos Deputados e o líder do PMDB, Renan Calheiros, poderá ter papel fundamental nessa estratégia.

Representantes da oposição nas três comissões que avaliarão a reforma no Senado - Assuntos Econômicos, Constituição e Justiça e Assuntos Sociais - já se articulam para amenizar ou até mesmo derrubar pontos polêmicos do projeto, como a criação dos contratos de trabalho intermitente, redução do horário de almoço e a jornada diária de até 12 horas.

A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) acredita que o governo deverá correr para aprovar o texto antes do prazo citado por Ferraço. Mesmo assim, acredita que há espaço para alterar o projeto - o que devolveria o texto para a Câmara e atrasaria a sanção presidencial. “A resistência será maior no Senado porque há visão mais crítica que na Câmara. Além disso, é bom lembrar que há cisão dentro do próprio PMDB”, diz.

Há alguns dias, o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, afirmou que o texto aprovado na Câmara dos Deputados não será chancelado pelos senadores. Ao avaliar que a reforma é “injusta” com o trabalhador, o senador alagoano acusou a reforma de ser “malfeita” e afirma que o governo não ouviu opiniões divergentes. Na oposição, esse levante de Renan é visto como uma grande oportunidade de reverter pontos do projeto.

A tramitação mais lenta da reforma trabalhista afeta também as discussões sobre as mudanças na Previdência. O governo articulou para que a votação da proposta no plenário da Câmara se dê somente após o fim da apreciação da proposta trabalhista no Senado. / F.N. e A.W.

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ENTREVISTA - José Márcio Camargo

 Anne Warth

07/05/2017

 

 

José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio

‘Informalidade e rotatividade vão diminuir’

No debate sobre a reforma trabalhista, o professor de economia da PUC-Rio José Márcio Camargo diz acreditar que a informalidade e rotatividade vão diminuir. Veja abaixo a entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.

A reforma trabalhista vai gerar empregos?

Sim. As empresas vão investir mais nos trabalhadores, elevando a produtividade e gerando crescimento econômico. Atualmente, metade da força de trabalho no Brasil é informal, e o salário médio é de R$ 950,00. Se a CLT fosse tão boa, o salário médio seria bem mais alto. A informalidade e a rotatividade vão diminuir. A China retirou 800 milhões de pessoas da pobreza com relações de trabalho supostamente precárias. A economia cresce mais e os salários são mais altos que no Brasil.

Os litígios e as disputas judiciais serão reduzidos?

Sim. Será o primeiro passo na direção de eliminar a Justiça do Trabalho e reduzir a insegurança jurídica. Um dos maiores passivos das empresas que entram atualmente em recuperação judicial é o trabalhista. Hoje, quando um trabalhador assina um contrato e é mandado embora, ele recorre à Justiça do Trabalho, que muda o contrato inteiro. Com a nova legislação, ela não vai mais poder interferir em itens pequenos, mas importantes, que geram muitos problemas para as empresas.

O trabalho intermitente é um avanço?

Sim. Será mais fácil contratar trabalhadores em tempo parcial, o que vai aumentar a geração de empregos de estudantes e mulheres, que não querem ou podem trabalhar em tempo integral. Esse tipo de contrato será mais comum do que antes e vai reduzir o desemprego no País. / A. W.

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ENTREVISTA - Claudio Dedecca

 Anne Warth

07/05/2017

 

 

Claudio Dedecca, professor da Unicamp

‘Sem proteção da lei, só restará apelar à Justiça’

No debate sobre a reforma trabalhista, o professor de economia da Unicamp Claudio Dedecca tem uma visão crítica e avalia que as mudanças não vão gerar emprego. Veja abaixo a entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo.

A reforma trabalhista vai gerar empregos?

Não. O emprego só aumenta quando a economia do País tem crescimento. A redução do custo do trabalho, único objetivo dessa reforma, não é suficiente para gerar empregos. O custo do trabalhador não é a causa da baixa competitividade e produtividade da economia brasileira. As razões são mais complexas. A explicação do dinamismo da China não é o baixo custo do trabalhador, mas sua estratégia de inserção internacional, com investimentos em tecnologia e escala de produção.

Serão reduzidos os litígios e disputas judiciais?

Não. Historicamente, os acordos coletivos fechados no Brasil são ruins e se limitam às negociações sobre reajuste anual. Sem proteção da lei e dos sindicatos, só restará apelar à Justiça do Trabalho, que será ainda mais demandada, sendo a última instância de proteção do trabalhador. Mesmo que tentem acabar com a Justiça do Trabalho, o que é muito improvável, esses litígios serão julgados pela Justiça Comum, como ocorre nos países onde não há essa instância.

O trabalho intermitente é um avanço?

Não. Estudos mostram que o trabalhador que tem emprego intermitente abandona a função assim que encontra um emprego melhor. Trata-se de uma insanidade para o trabalhador, principalmente para setores que possuem horários de pico, como transporte urbano e supermercados. / A. W.

 

O Estado de São Paulo, n. 45127, 07/05/2017. Economia, p. B6