Secretária de Direitos Humanos prioriza Exterior

Leonencio Nossa

15/05/2017

 

 

Em campanha para órgão da OEA, Flávia Piovesan foi a 10 cidades de EUA e Europa; no Brasil, 2 viagens foram para tratar de violações

Em campanha por uma vaga na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), a secretária especial de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, teve extensa agenda de viagens por Estados Unidos, Europa e capitais brasileiras entre junho de 2016 e março deste ano. Levantamento obtido pelo Estado mostra que, das 38 cidades visitadas – dez no exterior –, apenas duas tiveram por motivo acompanhar casos de violação de direitos humanos.

O roteiro de viagens de Flávia, fornecido por meio da Lei de Acesso à Informação, incluiu seminários e eventos fechados em Frankfurt, Lisboa, Genebra, Washington, Santiago, Rio e São Paulo, com participantes que influenciam a votação dos novos membros da OEA – entre eles, o Seminário Internacional de Teoria das Instituições: Desenhos Institucionais e Racionalidade Decisória, no Rio, e Estruturas do Estado, em Heidelberg, na Alemanha. Flávia, por e-mail, informou que dialoga com autoridades regionais para tratar de violações.

Do total de deslocamentos, 17 foram para palestras, reuniões com autoridades e participações em fóruns sobre direito ou direitos humanos no contexto internacional; 16 para participação em seminários genéricos sobre direitos humanos ou problemas específicos, como diversidade religiosa, tráfico de pessoas, homofobia e preconceito racial. Outras três viagens não foram detalhadas. A lista não incluiu cidades de escala de voo.

Muitas das viagens da secretária para capitais do Sul ou do Nordeste tiveram escala em São Paulo, onde tem residência. As duas únicas “missões” de Flávia – como os dados fornecidos classificam as viagens para acompanhar problemas nacionais – foram para discutir o sistema carcerário em Manaus, em 25 de janeiro, e em Boa Vista, em 8 de fevereiro, mais de 20 dias após os assassinatos de presos ocorridos no início deste ano. Em outubro, Flávia tinha sido criticada por não ir a Roraima avaliar as consequências de um massacre anterior de detentos.

A secretária também não foi a Rondônia e Mato Grosso, onde, em dia 19 de abril, nove camponeses foram mortos na região de Colniza. A chacina elevou para 136 o número de assassinados no campo no Estado desde 1985.

Comunicação. Lideranças de movimentos sociais questionam a atuação da secretária e falam em falta de diálogo. Segundo Inácio José Werner, do Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso, a falta de comunicação com Flávia e outras autoridades federais ocorre em um momento em que 300 lideranças de movimentos no Estado estão em uma lista de risco. “A falta de proteção federal a testemunhas é o que mais nos preocupa”, afirmou.

Em março, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou nota para repudiar os assassinatos do líder camponês Waldomiro Costa Pereira, no Pará, e do cacique Antônio Mig Claudino, no Rio Grande do Sul. Flávia silenciou sobre esses casos. Ela não atendeu a um convite dos guaranis-caiovás, de Dourados, Mato Grosso do Sul, para discutir ataques de fazendeiros. Também evitou falar dos ataques aos índios gamelas, no Maranhão, no início deste mês.

“A Secretaria de Direitos Humanos não funciona”, afirmou o cacique Raoni Metuktire, uma das lideranças indígenas mais conhecidas. “O que faz a secretaria para combater pistoleiro que mata irmão guarani?”

Elaine Castro, do grupo de famílias de mortos políticos, disse que o trabalho de pesquisa sobre a Guerrilha do Araguaia parou desde que a Flávia assumiu. “Pelo currículo dela, pensei que fosse fazer algo.”

A ativista social Lidiane Malanquini, da ONG Redes de Desenvolvimento da Maré, que atua há 20 anos em uma região com 140 mil pessoas na zona norte do Rio, afirmou que as últimas visitas de autoridades federais na área para discutir a violência ocorreram em 2009, 2010 e 2014. No primeiro trimestre, foram 13 mortes de moradores pela polícia; em 2016, foram 17 casos. A entidade integra o Conselho Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça. Segundo Lidiane, no atual governo o órgão só realizou uma reunião. “É muito difícil qualquer articulação com autoridades”, afirma.

Agenda. Flávia diz que tratou de chacinas de presos em encontro com autoridades

Queixas

“A Secretaria não funciona.”

Cacique Raoni Metuktire

LÍDER GUARANI

“Pelo currículo dela, pensei que fosse fazer algo.”

Elaine Castro

ATIVISTA

“Quanto a graves violações mencionadas, mantivemos contato com as autoridades locais, demandando as providências necessárias.”

Flávia Piovesan

SECRETÁRIA DE DIREITOS HUMANOS

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Por Flávia, Brasil paga dívida de US$ 8 milhões com órgão internacional

Leonencio Nossa 

15/05/2017

 

 

País teve de acertar contas com OEA para secretária especial concorrer a uma vaga da Corte Interamericana

Em um momento de fortes restrições orçamentárias, a campanha da secretária especial de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, não vai sair barata para o governo. A candidatura foi lançada pouco antes de o governo brasileiro quitar uma dívida de cerca de US$ 8 milhões que tinha com a Organização dos Estados Americanos (OEA).

A dívida, estimada pelo jornal Folha de S.Paulo, começou no governo Dilma Rousseff, que em 2011 decidiu retirar seu representante na organização e suspender as contribuições depois que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou medida cautelar contra a construção da Hidrelétrica de Belo Monte, uma obra atacada por entidades de direitos humanos no País. Flávia se empenhou diretamente junto ao Ministério do Planejamento para garantir os recursos.

Ela contou com os esforços do embaixador brasileiro na OEA, José Luiz Machado e Costa, para tentar neutralizar as reações contrárias à sua candidatura. Machado e Costa também renegociou a dívida do Brasil na entidade para permitir a escolha de Flávia.

Repudiada pela rede das mais importantes entidades de direitos humanos do País, a candidatura de Flávia a uma vaga na Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi oficializada pelo ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, no dia 30 de março.

A indicação não é automática. Ela concorrerá a uma das três vagas abertas com representantes da Argentina, do Chile, dos Estados Unidos, do México e do Uruguai para o mandato de 2018 a 2021. A corte tem sete membros. A eleição ocorrerá na Assembleia-Geral da OEA, na Cidade do México, entre os dias 19 e 21 de junho. Uma das vagas abertas é ocupada atualmente por Paulo Vanucchi, indicado pelo governo Dilma Rousseff, que deixará a corte em 2018.

Silêncio. Há duas semanas, o Estado voltou a procurar a secretária especial de Direitos Humanos, na ocasião para esclarecer o baixo número de viagens de “missões” para áreas de conflito e as escalas em São Paulo, onde tem residência. Ela evitou novas respostas.

Também não respondeu se a falta de diálogo com índios, com moradores de favelas e com camponeses não impede seu projeto de ocupar vaga na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Em mais uma viagem de campanha a Washington, no começo deste mês (deslocamento que não está incluído no levantamento obtido por meio da Lei de Acesso à Informação), ela foi questionada pela imprensa sobre problemas enfrentados por trabalhadores rurais, mas não quis comentar.

Campanha. Enquanto violações se agravam no Brasil e nos países vizinhos, Flávia se focou na campanha. Ao jornal Valor Econômico, ela disse que se reuniu com diplomatas venezuelanos para pedir votos e saiu “quase aos prantos de emoção pela tônica do diálogo”. No encontro não se discutiu a série de mortes ocorrida em protestos contra o governo Maduro./L.N

Em Washington. Prédio da OEA; Brasil quitou o débito

QUEM É

Flávia Piovesan

SECRETÁRIA DE DIREITOS HUMANOS

É procuradora do Estado de São Paulo, professora de Direito Constitucional e de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e também de pósgraduação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). É mestre e doutora em Direito pela PUC-SP, onde foi orientada por Michel Temer. É autora de diversas obras sobre direitos humanos.

 

O Estado de São Paulo, n. 45135, 15/05/2017. Política, p. A8