Lula dava a 'palavra final de chefe', diz marqueteiro

12/05/2017

 

 

EX-PRESIDENTES SOB SUSPEITA / Responsáveis pelas últimas campanhas presidenciais do PT, João Santana e Mônica Moura detalham pagamentos de caixa 2 e dizem que Dilma conspirou contra Lava Jato

 

 

O marqueteiro João Santana afirmou, em acordo de delação premiada, que tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva quanto a presidente cassada Dilma Rousseff sabiam dos pagamentos de dívidas de campanhas presidenciais do PT via caixa 2. O conteúdo dos depoimentos de Santana e de sua mulher, Mônica Moura, foi tornado público ontem pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Santana, ele tratava diretamente com Dilma ou com Lula quando necessitava fazer cobranças de pagamentos atrasados de campanhas. Ao falar especificamente sobre o período em que o petista ocupava a Presidência, o marqueteiro narrou que o acerto para os repasses sempre dependia da “palavra final do chefe”, se referindo a Lula.

Já Mônica afirmou ter sido avisada pela então presidente Dilma de que seria presa pela Operação Lava Jato, em fevereiro do ano passado. Mônica e o marido foram responsáveis pelas duas campanhas de Dilma à Presidência, em 2010 e 2014, e pela reeleição de Lula, em 2006. No acordo, o casal dá detalhes de como foi informado por Dilma sobre os avanços da operação.

A comunicação, segundo disse a empresária, era feita por meio do rascunho de uma conta de e-mail. A preocupação da presidente cassada era o pagamento de despesas de campanha, via caixa 2, em contas no exterior, afirmaram os delatores.

A divulgação do conteúdo dos depoimentos do casal de marqueteiros ocorreu um dia após Lula prestar depoimento ao juiz Sérgio Moro em ação na qual é acusado de receber propina da OAS. Ontem, a força-tarefa da Lava Jato apontou contradições no que disse o petista, como quando tratou de encontro com o ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque, e acusou sua defesa de mentir em entrevista logo após a audiência. Já advogados de Lula afirmaram que o Ministério Público não deu acesso a todos os documentos do processo.

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Ex-presidente autorizava pagamento via caixa 2, afirma delator à Lava Jato

Beatriz Bulla / Fábio Fabrini / Luiz Vassallo / Rafael Moraes Moura / Breno Pires

14/05/2017

 

 

O marqueteiro João Santana disse ao Ministério Público Federal (MPF), em sua delação premiada, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidente cassada Dilma Rousseff sabiam de pagamentos oficiais e caixa 2 de despesas eleitorais.

Segundo ele, o ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil Antonio Palocci, preso em Curitiba, dizia que decisões sobre a quitação de dívidas dependiam “da palavra final do chefe”, em referência a Lula.

Santana contou que tratou diversas vezes com Lula e Dilma quando necessitava fazer cobranças.

“Nessas oportunidades, tanto Lula como Dilma se comprometeram a resolver o impasse e, de fato, os pagamentos voltavam a ocorrer”, disse.

Em dois momentos da campanha de 2006, quando Lula disputou a reeleição, Santana disse ter ameaçado interromper os trabalhos em razão de inadimplência do PT. Depois disso, segundo o delator, Lula pressionou Palocci, que “colocou a empresa Odebrecht no circuito”.

Ao juiz federal Sérgio Moro, Lula afirmou, porém, que “não tem influência” sobre a legenda.

“O PT é um partido que eu não participo de nenhuma reunião desde que virei presidente.

Isso foi em 2002. Até 2014”, disse, anteontem.

Santana, por sua vez, relatou que soube por Mônica que Palocci tinha “poder quase absoluto” sobre o fundo de caixa 2 do PT. Executivos da Odebrecht afirmaram, também em delações, que havia uma conta destinada ao PT, abastecida pelo “departamento da propina”.

No anexo, o marqueteiro confirmou a existência da conta.

“Você tem conta no exterior?”, questionou Palocci, segundo Santana. Após resposta afirmativa, o ex-ministro disse que depósitos de campanha seriam feitos fora do País pela Odebrecht “para segurança de todos” e com “o respaldo do chefe (Lula)”.

O ex-presidente tinha uma forma “bem-humorada” de tratar de atrasos no pagamento de caixa 2, disse Santana. “Para demonstrar que estava preocupado (...) vez por outra pergunta a João: ‘E aí, os alemães têm lhe tratado bem?’ (em referência à Odebrecht)”, registra a delação.

 

Caixa de sapato. Em seu anexo, Mônica contou que acertou com Palocci, em 2006, os valores de caixa 1 e caixa 2. Segundo ela, os serviços custaram R$ 24 milhões – R$ 10 milhões pagos por caixa 2. “Palocci relatou a Mônica Moura diversas vezes, durante a negociação, na fase de discussão sobre valores, que ‘tinha de falar com o Lula, porque o valor era alto, e ele não tinha como autorizar sozinho’”, diz o anexo.

Segundo Mônica, metade do valor foi entregue em espécie por um assessor de Palocci, entre 2006 e 2007. O dinheiro era acondicionado em caixas de sapato e de roupas, e repassado em um shopping de São Paulo.

 

Perdas. Santana e Mônica vão abrir mão de R$ 74 milhões em razão do acordo com o MPF. Além da multa de R$ 3 milhões para cada um, o casal vai perder o saldo da conta no exterior, no valor de US$ 21,6 milhões – o equivalente a R$ 68 milhões.

O acordo estabelece também que, descontados os cinco meses de detenção em Curitiba, eles vão cumprir mais quatro anos de pena, em regime domiciliar. 

 

Ato político. Lula discursou anteontem para militantes logo após prestar depoimento para o juiz federal Sérgio Moro

 

DA PRISÃO À DELAÇÃO

Operação Acarajé

O casal de ex-marqueteiros do PT Mônica Moura e João Santana teve a prisão decretada em fevereiro do ano passado, na 23ª fase da Operação Lava Jato.

 

Campanhas

À época da Acarajé, a força-tarefa da Lava Jato afirmou que Santana recebeu mais de US$ 7,5 milhões no exterior. A suspeita é de que esse valor tenha sido desviado da Petrobrás e usado para bancar as campanhas do PT.

 

Condenação

Em fevereiro, o juiz Sérgio Moro condenou o casal por lavagem de dinheiro no esquema na Petrobrás. Cada um foi sentenciado a 8 anos e 4 meses de prisão.

 

Delação

Dois meses após a condenação, o relator da Lava Jato no STF, Edson Fachin, homologou as delações do ex-marqueteiro do PT e de sua mulher. O acordo de colaboração do casal foi firmado com o Ministério Público Federal

 

 

O Estado de São Paulo, n. 45132, 12/05/2017. Política, p. A4.