Valor econômico, v. 18, n. 4257, 18/05/2017. Brasil, p. A4

Importação aumenta mais que o consumo interno no 1º trimestre

 

Marta Watanabe

 

Depois de dois anos seguidos de fortes quedas, a importação começa a reagir e em alguns setores cresce em ritmo mais acelerado do que o do consumo aparente (resultado da soma da produção e das importações, excluindo as exportações). A combinação de dados de importação e consumo sinalizam, segundo analistas, início de recuperação da economia em alguns segmentos, mas com desembarques subindo principalmente por conta do câmbio favorável.

De janeiro a março as importações cresceram 12% contra igual período de 2016 e a elevação foi ditada principalmente pelo volume, que subiu 9,5%. Os preços também tiveram alta, mas a variação foi bem menor, de 2,3%. Os cálculos são da Fundação Centro de Estudo do Comércio Exterior (Funcex).

Também no primeiro trimestre o coeficiente de importação da indústria de transformação medido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) subiu para 21,5% contra 20,5% nos três meses anteriores na comparação dessazonalizada. Na comparação com o primeiro trimestre do ano passado, o avanço foi de 2,5 pontos percentuais. O coeficiente mostra a participação dos importados no total do que é consumido internamente. A expansão do índice do fim do ano passado para o primeiro trimestre de 2017 foi impulsionada principalmente pelo aumento de 6,2% na quantidade importada. O aumento no consumo aparente foi bem menor, de 1%.

O indicador de consumo aparente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) também mostra tendência parecida para o consumo aparente, com alta de 0,8% no primeiro trimestre de 2017 na comparação com o trimestre anterior, na série com ajuste sazonal. O bom desempenho no trimestre ocorreu mesmo com o resultado negativo registrado no mês de março, com recuo de 2,7% sobre fevereiro. O padrão de volatilidade dos últimos meses, com alternância de meses de crescimento e de queda, diz o Ipea, são típicos dos estágios iniciais de recuperação.

Para Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), os números mostram em alguns segmentos um movimento de recuperação que ainda precisa se concretizar nos próximos períodos. Essa reação, porém, já mostra vazamentos para as importações, que têm grande elasticidade com o câmbio. Na indústria de transformação, diz ele, insumos produzidos nacionalmente e que ganharam espaço em algum momento perderam competitividade e deram lugar aos importados, num movimento que se iniciou no decorrer do ano passado.

Ao separar a evolução das variáveis do coeficiente de importação, o estudo da Fiesp mostra que de 20 setores da indústria da transformação, a fatia dos importados sobre o consumo doméstico avançou em dez segmentos, ficou empatado em dois e recuou no restante. Sempre na comparação do primeiro trimestre do ano em relação aos três meses anteriores, na série dessazonalizada. Entre os dez setores em que o coeficiente de importação avançou, em oito a alta foi puxada pelo volume de desembarques (ver quadro acima).

Produtos químicos, por exemplo, a quantidade importada subiu 14,7% enquanto o consumo aparente cresceu 4,6%. No segmento de produtos farmoquímicos e farmacêuticos, a elevação foi de 10,1% e 7,9%, respectivamente. No segmento de confecções o descompasso foi maior: alta de 11,6% no quantum importado e de 1,2% no consumo aparente. Em máquinas, aparelhos e material elétrico, o volume de desembarques avançou 7,4% enquanto o consumo subiu 4,9%.

O vazamento da reação de consumo ou de produção industrial para os importados, diz Cagnin, torna mais lento o processo de recuperação da economia e mais longo o período do "andar de lado". "Perde-se o efeito encadeador entre os diversos segmentos que geram massa crítica para se dar um passo à frente."

De qualquer forma, diz ele, o crescimento das importações é notável e importante depois de um longo período de grandes quedas. Na comparação dos primeiros três meses com igual período do ano passado, o volume importado cresceu 9,5%, embora em março o ritmo tenha sido menor, com alta de 6,1%, segundo a Funcex. No primeiro trimestre do ano passado contra igual período do ano anterior os desembarques caíram 25,7%. No ano, a queda foi de 11,9% contra 2015, ano em que a quantidade importada já havia recuado 15,1%.

Na comparação anualizada do trimestre, o avanço do volume importado foi disseminado. De 23 setores da indústria de transformação, só quatro não avançaram na quantidade desembarcada no primeiro trimestre contra iguais meses do ano passado. A alta no total das importações brasileiras do período mostra uma reversão em relação ao quadro anterior. No acumulado de 12 meses até março a importação ainda ficou com redução, de 3,3%.

José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), avalia que os dados do primeiro trimestre mostram recuperação ainda discreta para alguns setores da economia. Ele pondera, porém, o efeito do câmbio como acelerador das importações e também a baixa base de comparação. Em abril, lembra ele, os desembarques também mantêm a tendência de crescimento.

Segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic) a alta do valor importado em abril foi de 13,3%, puxada por crescimento de 16,5% nos intermediários, o que é considerado uma boa notícia. O que continua a preocupa os analistas nos desembarques são os bens de capital. Em abril a importação dessa categoria caiu 5,9% contra igual mês de 2016. No primeiro quadrimestre, a queda foi de 19%. Isso, diz Castro, revela ainda a falta de confiança para investimentos na produção.

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Fala de secretário cria cizânia entre entidades empresariais e Fazenda

 

Stella Fontes
Renato Rostás

 

Em carta enviada ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) criticou a recente atuação em processos antidumping do Grupo Técnico de Avaliação de Interesse Público (GTIP) - grupo ligado à Secretaria de Assuntos Internacionais (Sain) do Ministério da Fazenda e composto por representantes dos ministérios que integram o conselho da Câmara de Comércio Exterior (Camex). O ápice do descontentamento foi uma declaração do secretário de Assuntos Internacionais, Marcello de Moura Estevão Filho, em evento em Washington, em meados de abril. Estevão Filho classificou como "escândalo" a quantidade de barreiras impostas pelo país contra produtos importados.

A carta foi recebida pela Fazenda em 2 de maio e tem o título "Medidas antidumping e segurança jurídica na defesa comercial no Brasil". Conforme a CNI, além da "extrema preocupação" com o discurso do secretário, que "demonstra desconhecimento do atual estágio de aplicação de medidas de defesa comercial pelo Brasil", houve casos em que o GTIP "extrapolou suas competências, gerando tensões, burocracia e custos desnecessários para setores industriais".

Procurado, o diretor de Desenvolvimento Industrial da entidade, Carlos Abijaodi, disse que a intenção da CNI ao enviar a carta a Meirelles foi a de se posicionar diante de uma "excepcionalidade". "Houve descontentamento com esse posicionamento [de Estevão Filho], que consideramos ser um caso isolado", disse. Abijoadi defendeu o trabalho do GTIP.

A carta afirma que as investigações de dumping abertas pelo país caíram 65%, levando o Brasil à quinta posição no ranking mundial. Em Washington, Estevão Filho disse que, de 2013 a 2016, o país foi líder na imposição de barreiras. Ao mesmo tempo, a CNI aponta que as exportações brasileiras são alvo crescente de medidas de defesa comercial. Elas quintuplicaram entre 2015 e 2016.

A CNI alega ainda que houve casos de suspensão de medidas sem cumprimento dos procedimentos legais previstos, o que fere "garantias essenciais de ampla defesa, contraditório e transparência para as partes envolvidas". A entidade se diz a favor da abertura comercial e que a maior inserção do Brasil na economia mundial é um caminho para o desenvolvimento.

A CNI confirmou não ter recebido resposta à carta.

O caso revela um processo de ressentimento da indústria com o governo federal. Além da defesa comercial, há divergências sobre a nova política de conteúdo local e o fato de Brasília aparentemente ignorar o pedido de elevação da alíquota do Reintegra, programa de restituição de resíduo tributário a exportadoras. A indústria também reivindica programa de refinanciamento (Refis) mais adequado a sua realidade. Consultada sobre o assunto, a CNI disse que não há mal-estar e que o governo tem sido muito aberto ao diálogo.

Após o episódio, representantes de dois dos maiores setores industriais do país saíram em defesa da manutenção de regras rígidas e investigações ágeis em casos de concorrência desleal no comércio exterior. Para siderurgia e setor químico, o governo não deve afrouxar barreiras para importação.

Para Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do Instituto Aço Brasil, a declaração do secretário foi "uma besteira, dita por um novato que não estava acompanhando o assunto". Além disso, ele reclama que o instrumento de defesa comercial, em geral, está travado no país, e que será preciso avançar nesse sentido. A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) viu no episódio uma "confusão" de conceitos de abertura comercial e concorrência desleal, além de desconhecimento da realidade econômica e jurídica. "Dizer isso é uma bobagem grande e preocupa muito a indústria", diz o presidente-executivo da entidade, Fernando Figueiredo.

"É um momento de desglobalização, com ações de defesa comercial em todo o mundo. Um grande exemplo é o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que de maneira clara decidiu proteger seu mercado", diz Lopes, do Aço Brasil. "Tínhamos que agilizar a defesa comercial no Brasil."

Uma postura mais vigilante no comércio exterior seria essencial para os dois setores, principalmente porque os números indicam que é o produto estrangeiro que está se beneficiando mais dos sinais - ainda fracos - de recuperação do mercado.

Nos 12 meses até abril, por exemplo, a importação de aço somou 2,19 milhões de toneladas, ou 11,8% do consumo aparente. A penetração do importado não é tão alta em comparação histórica, mas desde outubro, quando o consumo aumentou após um ano em queda, a importação subiu 578,9 mil toneladas na perspectiva anualizada, enquanto as vendas das siderúrgicas nacionais diminuíram em 192,5 mil toneladas.

Ao mesmo tempo, mercados importantes para o país fecharam as portas, como Estados Unidos e Europa, por exemplo.

No setor químico, o Brasil tornou-se um dos destinos do excedente de produção do mundo após a crise de 2008, até registrar a marca recorde de 10,8 milhões de toneladas importadas no primeiro trimestre deste ano - a parcela das importações no consumo brasileiro de químicos já superou os 30%. Segundo Figueiredo, desde 2013 o Brasil tornou-se mais rigoroso com a concorrência desleal. Ainda assim, está bem atrás de outros países em direitos antidumping no setor químico: foram 228 em dez anos até 2015, enquanto na Índia o número chegou a 572, nos EUA a 359 e na União Europeia, a 309. "Quando o país voltar a crescer, haverá mais dumping", diz.

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EUA pedem que Brasil apresse registro de medicamentos

 

Juliano Basile


O Representante Comercial dos Estados Unidos (USTR, na sigla em inglês) cobrou maior celeridade nos procedimentos para registro de patentes de medicamentos no Brasil num relatório em que mantém o país em lista negativa sobre proteção de propriedade intelectual. Em documento concluído recentemente, que o Valor teve acesso, a revisão de pedidos de patentes de remédios pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi apontada como uma preocupação pelo USTR sob a alegação de que haveria "falta de transparência" e atrasos excessivos de registros para novos remédios num processo que dificultaria o exame desses pedidos pelo Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI).

O Brasil foi colocado ao lado da Suíça, do México, do Canadá e da Bolívia entre os países que ficam numa "lista de observação" na última edição do "Special 301" - relatório que trata dos avanços e declínios dos países do mundo na área de proteção industrial. O USTR até reconheceu que houve avanços nesse campo no Brasil no último ano e qualificou como um "passo adiante" o acordo feito com os Estados Unidos para acelerar os exames dos registros de inovações nos setores de óleo e gás. Já no caso da Anvisa, os americanos esperam que haja uma aceleração dos procedimentos de patentes a partir de uma nova sistemática entre a Anvisa e o INPI.

"Os Estados Unidos esperam ansiosamente a revisão do acordo e pretendem monitorar o impacto do novo papel da Anvisa em sua implementação", informou o relatório, referindo-se ao anúncio de novos procedimentos entre a agência e o instituto, que foi feito em abril passado.

O USTR acrescentou ainda que, embora a legislação brasileira garanta proteção contra o uso comercial desleal de testes não revelados e de outras informações geradas para obter a aprovação da comercialização para produtos químicos agrícolas e veterinários, ela não prevê proteção semelhante para os produtos farmacêuticos.

Os Estados Unidos também manifestaram preocupação com eventuais ações do INPI para invalidar ou encurtar o prazo de duração de um número significativo de patentes para produtos farmacêuticos e agrícolas. "Uma forte proteção de propriedade intelectual, tanto doméstica quanto para os detentores de direitos internacionais, garante um incentivo crucial ao mercado para investir na inovação futura no Brasil e os Estados Unidos esperam ansiosamente para se engajar de maneira construtiva com o Brasil na confecção de um ambiente fortalecido e para endereçar as preocupações existentes", completou o relatório.

No campo do combate à pirataria, o governo dos Estados Unidos reconheceu os esforços para proteção de direitos de propriedade intelectual nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, mas, mesmo assim, manteve o país na lista negativa de nações que descumprem regras de direito autoral. De maneira geral, prevalece a visão de que o Brasil tem uma forte pirataria "on-line" e problemas na tríplice fronteira com o Paraguai e a Argentina. O USTR também reclamou do enfraquecimento do Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNPC), órgão do Ministério da Justiça, que, segundo o relatório, teve uma atuação, em 2016, que "pareceu não operacional".