Lula atribui a Marisa interesse pelo triplex 

11/05/2017

 
 
EX-PRESIDENTE RÉU/ Em depoimento ao juiz Sérgio Moro, ex-presidente nega ser dono de imóvel no Guarujá; audiência é marcada por tensão. Do lado de fora, manifestantes prestaram apoio ao petista

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou ontem ao juiz federal Sérgio Moro um dos mais longos depoimentos em três anos de Operação Lava Jato. O petista, que responde à ação penal por vantagens indevidas recebidas da construtora OAS para a aquisição de um triplex no Guarujá, na Baixada Santista, falou pela primeira vez em audiência na 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba e respondeu a perguntas do juiz, procuradores e advogados por cerca de cinco horas. A mais esperada audiência na investigação sobre esquema de corrupção e desvios na Petrobrás nos governos do PT foi transformada em uma espécie de cenário político para o ex-presidente, já réu em cinco ações penais e alvo de mais seis pedidos de investigação.

No depoimento, marcado por momentos de tensão, Lula negou a intenção de comprar o apartamento, atacou a imprensa e disse que é vítima de prejulgamento. “A verdade é a seguinte: não solicitei, não recebi, não paguei e não tenho nenhum triplex”, afirmou Lula a Moro. Ele atribuiu à sua mulher Marisa Letícia, morta em fevereiro, a intenção de adquirir o imóvel no litoral como investimento. “Eu acho que ela tomou a decisão de não comprar.” A mobilização na capital paranaense começou cedo. Na frente do Museu Oscar Niemeyer, manifestantes pró-Lava Jato inflaram um boneco do ex-presidente. Em maior número, militantes de movimentos sociais e apoiadores do petista marcharam pelo centro. No início da noite, Lula chorou ao se dizer inocente. “Quero ser julgado por provas.”

__________________________________________________________________________________

‘Não sei se ela ia ficar para fazer negócio’

11/05/2017

 

 

​O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva atribuiu à sua mulher, Marisa Letícia, morta em fevereiro deste ano, o interesse pelo triplex do Edifício Solaris, no Guarujá, “certamente para fazer investimento”. O petista negou ter solicitado ou recebido o apartamento do empreiteiro José Adelmário Pinheiro Filho, Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS. Segundo a Operação Lava Jato em Curitiba, o imóvel seria propina paga pela construtora em troca de contratos com a Petrobrás.

O petista admitiu ao juiz federal Sérgio Moro que esteve no apartamento uma vez, em fevereiro de 2014, acompanhado de Marisa e do empreiteiro. Ele disse, porém, que não sabia que sua mulher havia feito uma segunda visita, em agosto daquele ano. “Nem sempre elas perguntam para a gente o que vão fazer”, alegou Lula. “Eu não ia ficar com o apartamento, mas eu não sei se a dona Marisa iria ficar para fazer negócio ou não”, disse o ex-presidente.

Lula contou que a primeira vez que tratou do imóvel foi em outubro de 2013, quando Pinheiro foi ao Instituto Lula, em São Paulo, para convidá-lo para visitar o triplex. “O senhor sabe que todo e qualquer vendedor quer vender de qualquer jeito”, afirmou o petista. “Eu disse: ‘Léo, o apartamento tem 500 defeitos’”, disse. “Nunca mais tratei de triplex ou de quadruplex.” Em depoimento no mês passado, Pinheiro disse que o imóvel era do petista.

Moro questionou se fora solicitada alguma reforma – Lula negou o pedido. O juiz perguntou por que dona Marisa voltara ao apartamento. “Me parece que a minha esposa esteve mais uma vez, me parece, porque ela foi com meu filho Fábio e chegou lá o apartamento, me parece, estava totalmente desmontado”, afirmou Lula. Para ele, ela teria ido dizer que o imóvel era “inutilizável”. “Pelo fato de eu ser uma figura pública, eu só poderia ir naquela praia ou na segunda-feira ou na Quarta-Feira de Cinzas.”

Questionado se Marisa relatou sobre a reforma do triplex pela OAS, Lula respondeu a Moro: “Não, não relatou, querido. Lamentavelmente, ela não está viva para perguntar.” Lula disse que era “muito difícil” ser questionado sobre a mulher. “É muito difícil para mim toda hora que o senhor cita a minha mulher, sem ela estar aqui para se defender.”

Lula foi confrontado com o depoimento prestado em março do ano passado, quando foi conduzido coercitivamente pela Polícia Federal, no qual disse que ele próprio havia desistido da compra do imóvel. “Eu repito a mesma coisa”, afirmou. “Ela disse que não tinha gostado do apartamento mais uma vez e como eu tinha insistido para ela que ela não gostava de praia e que eu gostava, sabe, mas que era inadequado para mim, eu acho que ela tomou a decisão de não comprar”, disse Lula.

Sem assinatura. O Edifício Solaris era da Cooperativa Habitacional dos Bancários (Bancoop), fundada nos anos 1990 por um núcleo do PT. Em dificuldade financeira, a Bancoop repassou para a OAS empreendimentos inacabados. Dona Marisa assinou um termo de adesão com a Bancoop e adquiriu uma cota-parte em abril de 2005. A cota garantia a aquisição de um apartamento simples de três dormitórios por R$ 195 mil.

“Simplesmente minha mulher resolveu comprar uma cota da cooperativa Bancoop”, disse Lula, quando questionado sobre as circunstâncias da aquisição da cota. “Consta uma proposta de adesão sujeita à aprovação relativa ao mesmo imóvel uma rasura: o numero 174 do imóvel foi rasurado e colocado 141. Isso foi objeto de laudo pericial da PF. O senhor tinha conhecimento da proposta e da rasura e poderia explicar?”, questionou Moro. “Não sei.”

Moro apontou um termo de adesão de 1.º de janeiro de 2004 de uma cota de um apartamento duplex sem assinatura. “Então não sei”, disse Lula. O juiz afirmou que o documento foi encontrado em seu apartamento em São Bernardo do Campo. “Talvez quem acusa saiba como foi parar lá”, respondeu.

Sobre ser proprietário do imóvel, Lula cobrou provas. “A verdade é a seguinte: não solicitei, não recebi, não paguei e não tenho nenhum triplex”, afirmou Lula. “Imagino que o Ministério Público vai na hora que for falar apresentar as provas.”

O Ministério Público Federal sustenta que Lula recebeu R$ 3,7 milhões em benefício próprio – de um valor de R$ 87 milhões de corrupção – da empreiteira OAS, entre 2006 e 2012. 

_____________________________________________________________________________________________

Mulher emerge como 'investigadora' 

11/05/2017

 

 

Mais uma vez, Luiz Inácio Lula da Silva não sabia de nada. Antes foram Delúbio Soares, Silvio Pereira, José Dirceu e os “malfeitos” do mensalão. Depois, os “aloprados” do dossiê contra os tucanos em 2006. Agora, o triplex: sua mulher, Marisa Letícia, a despeito de “odiar” praia, visitou o apartamento no Guarujá mais de uma vez, desejava adquiri-lo para “investimento”, mas não conversava com o marido sobre isso, nem sobre a eventual troca de uma cota de unidade simples pelo triplex.

“Eu não sei” foi a frase mais dita por Lula em suas cinco horas de depoimento diante do juiz Sergio Moro. Semblante crispado, nervosismo patente em cacoetes como cofiar o bigode, abrir e fechar compulsivamente as pernas dos óculos de leitura, beber sucessivas garrafas de água, folhear (sem ler) o calhamaço de papel à sua frente e arrumar o nó na gravata, como se o tivesse apertando, eram gestos a indicar um animal político fora de seu hábitat.

Mas embora não tenha conseguido transformar o interrogatório num comício, como fizera em seu primeiro depoimento como réu, em Brasília, Lula teve seus momentos. Ao dizer a Moro que, por ser quem é, só poderia frequentar a praia no Guarujá “às segundas ou na quarta-feira de Cinzas”, ao perguntar ao juiz se não sabia se ele já tinha enfrentado um vendedor de imóveis ou ao pintá-lo como um “jovem” sem paciência com um “velho”, estava lá a raposa dos palanques.

Mas isso pouco ou nada pode ajudar a situação jurídica de Lula. Nesse campo, o que se viu, depois de meses clamando por “provas”, foi o ex-presidente tergiversar. Diante de documento de 2004 de opção de compra do apartamento, apreendido em seu apartamento em São Bernardo, chegou a insinuar que o papel pode ter sido “plantado”. Flagrado em contradição sobre as circunstâncias das visitas ao triplex, de novo recorreu a dona Marisa para deixar sob sua responsabilidade toda a transação do imóvel. As inconsistências da defesa e o truque de terceirizar para alguém que morreu e, assim, não é mais parte do processo não parecem ser um caminho jurídico seguro para alguém que tem um séquito de advogados à disposição e armou um circo político para posar de vítima de perseguição. Diante das câmeras, o Lula bravateiro deu lugar a outro, acuado e hesitante. Entende-se a celeuma em torno do ângulo de filmagem do depoimento.

 

O Estado de São Paulo, n. 45131, 11/05/2017. Política, p. A4