Judiciário em transe

José Roberto de Toledo

11/05/2017

 

 

Para sorte do governo Temer, a Justiça roubou os holofotes. Em vez de votação da Previdência, a atenção foi para o festival de suspeições togadas. Do bate-boca entre procuradores, juízes e advogados à recepção pela presidente do Supremo de um bonde de grandes empresários, o Judiciário protagonizou a semana. Sem contar o show em que se transformou o encontro de Lula da Silva com o juiz Sérgio Moro em Curitiba. Quando o Judiciário entra em transe, é a República que parece perder os sentidos.

Tratado como luta de telecatch, o depoimento de Lula mostrou que a principal linha de defesa do ex-presidente está do lado de fora dos tribunais. Enquanto os advogados do petista colecionavam derrotas em todas as instâncias e cortes, sua militância desfraldava bandeiras e comandava o coro na “casa do adversário”. Dos antipetistas nas ruas curitibanas, a maioria era fardada. Lula disputou os direitos de transmissão do evento porque tem mais chance de influir na narrativa do que nos fatos.

Influências externas nos tribunais foram o prato da segunda, da terça e da quarta no cardápio do Judiciário. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, começou levando o tema indigesto à mesa ao pedir o impedimento de Gilmar Mendes no caso Eike Batista, pelo fato de a mulher do ministro do Supremo trabalhar em escritório de advocacia que atende o réu. No contragolpe, Gilmar lembrou que a filha de Janot advoga para outros réus de processos da Lava Jato em que o pai é o principal acusador.

A lembrança não foi à toa. Implica que, se Gilmar se declarasse impedido, coisa que disse que não fará, seu rival deveria fazer o mesmo, sob pena de ver partes das investigações que comanda serem anuladas pelo mesmo motivo de suspeição. Vale lembrar que Janot não é o primeiro procurador-geral a ter filhos advogados que militam em cortes nas quais o progenitor atua. E que tampouco Gilmar é o primeiro ministro do STF a ter parentes em escritórios de advocacia com causas no tribunal onde julga.

O duelo entre titãs de toga virou briga de rua quando outro peso pesado entrou na lama. Dono do escritório que emprega a mulher de Gilmar, a sobrinha de Marco Aurélio e já abrigou a filha de Luiz Fux (os três são, por acaso, ministros do Supremo), o advogado Sergio Bermudes chamou Janot de sicofanta, leviano, inescrupuloso e irresponsável. Sicofanta quer dizer mentiroso. Seus clientes devem ter vibrado – em silêncio, é claro.

Quando o debate jurídico atinge esse nível e é travado não nos autos, mas em notas à imprensa, entrevistas coletivas e declarações via mídias sociais é porque o Judiciário arrancou a venda, jogou a balança fora e está prestes a rasgar a fantasia.

Ao rolarem na lama, os operadores do Direito revelam que, sob a toga, alheia ou própria, há pais, tios, maridos ou simplesmente desafetos de clientes, réus e outras partes do processo. Sem aparência de isenção, sobriedade e equidistância, a opinião pública questiona se há, de fato, justiça na Justiça. É tudo o que a classe política poderia querer: arrastar o Judiciário para a mesma poça onde estão o Executivo e o Legislativo.

No momento em que juízes e procuradores são postos em suspeição pelos seus pares, não ajuda em nada para a imparcialidade aparente da Justiça que a presidente do STF receba para uma reunião privativa no tribunal um grupo de 13 dos maiores empresários do País. E pela segunda vez. O encontro já é conhecido em Brasília como o “Conselhão” de Cármen Lúcia – referência ao conselho que atende aos presidentes da República.

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Em ato, petista chora e se diz inocente

Ricardo Galhardo e Valmar Hupsel Filho

11/05/2017

 

 

Após depoimento, Lula se reuniu com militantes em Curitiba; para defesa de ex-presidente, Moro fugiu de tema da ação durante audiência

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chorou ontem durante discurso em Curitiba em que se disse inocente. O petista participou de evento com militantes depois da audiência com o juiz federal Sérgio Moro. “Quero ser julgado por provas”, afirmou.

Lula voltou a dizer que foi vítima de um “massacre” e pediu para ser julgado com base em provas materiais e não em suposições.

“Não quero ser julgado por interpretações.” Ao comentar o depoimento a Moro, o petista tentou esvaziar as acusações das quais é alvo ao dizer que a Operação Lava Jato não apresentou documentos que comprovem que ele é o real dono do triplex no Guarujá, no litoral de São Paulo. O petista é réu por corrupção e lavagem de dinheiro por, segundo denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em setembro do ano passado, ter recebido R$ 3,7 milhões em propinas em contrapartida a três contratos da OAS com a Petrobrás.

“Hoje eu pensei que meus acusadores iriam mostrar uma escritura, um documento, um pagamento, alguma coisa que eu fiz para ter o tal do apartamento.

Eu esperava que, depois de dois anos de massacre, tivesse lá documento: ‘Lula comprou apartamento’, ‘a escritura está aqui registrada em cartório’...

Nada, perguntaram se eu conheço o Vaccari (João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT e ex-presidente da Bancoop), o Léo Pinheiro (ex-presidente da OAS), o Okamotto (Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula). É claro que conheço e não tenho vergonha”, afirmou o petista.

O ex-presidente agradeceu a presença de militantes do PT e de movimentos sociais em Curitiba e foi às lágrimas ao dizer que prefere morrer a mentir para seus apoiadores. Cerca de 5 mil pessoas participaram do ato pró-Lula ontem, na capital paranaense, de acordo com estimativa da polícia.

Temas ‘alheios’. Em entrevista coletiva concedida logo após o depoimento, os advogados de Lula afirmaram que Moro fez perguntas alheias ao escopo do processo no interrogatório que durou toda a tarde. Para eles, isso só reforçou o argumento da defesa do petista de que se trata de “um processo jurídico para fins políticos”.

“O juiz Sérgio Moro buscou saber até mesmo a opinião a respeito do julgamento no Supremo Tribunal Federal e políticas públicas em seu governo”, disse o advogado Cristiano Zanin Martins, que representa o expresidente.

Segundo Zanin, o magistrado quis saber a opinião de Lula sobre o julgamento do caso do mensalão.

“A pergunta que ele fez, textualmente, foi: ‘Qual é a opinião do senhor sobre o julgamento do STF no caso do mensalão?’ Quando é que uma pessoa naquela condição tem que dar opinião sobre um caso que não tem nada a ver?”, afirmou Zanin.

O advogado disse que Lula também foi questionado sobre o sítio em Atibaia, no interior paulista, o que também não está no escopo da ação penal para a qual o ex-presidente prestou depoimento ontem. “Isso mostra que, na verdade, o que está em discussão não é o triplex, mas o governo do ex-presidente Lula, eleito democraticamente”, disse Zanin.

Já o advogado José Roberto Batochio afirmou que os procuradores da força-tarefa da Lava Jato se interessaram em perguntar sobre os custos do armazenamento dos presentes recebidos por Lula durante seu mandato como presidente. “O depoimento mostrou duas coisas: sua inocência, que não é proprietário do triplex e não participou de qualquer ato ilícito na Petrobrás”, afirmou.

Os advogados disseram ainda que vão concentrar a defesa de Lula no questionamento a todas as ações consideradas inconstitucionais por eles. Além disso, vão arguir a incompetência territorial do juízo e questionar a “paridade de armas”. “A defesa quer ter acesso e tempo para analisar todos os documentos que o Ministério Público Federal e a Petrobrás têm acesso”, afirmaram.

Suspeição. Eles também vão voltar a pedir a suspeição de Sérgio Moro no caso. “Temos elementos concretos para questionar a suspeição do magistrado. Em nenhum lugar do mundo, depois de praticar os atos que praticou, poderia ser considerado legítimo para julgar”, afirmou Zanin. Segundo ele, a assessoria jurídica orientou o ex-presidente a responder apenas sobre a denúncia.

O IMÓVEL

● Lula foi interrogado ontem pelo juiz Sérgio Moro no caso do triplex no Guarujá – ex- presidente é acusado de receber vantagens indevidas da OAS por meio da reforma do apartamento

O triplex

O condomínio Solaris, no Guarujá (SP), onde fica o triplex, era um empreendimento da Cooperativa Habitacional dos Bancários do Estado de São Paulo (Bancoop), ligada ao PT. Em 2010, a Bancoop quebrou e projetos inacabados da cooperativa foram negociados com outras construtoras. O Solaris foi assumido pela OAS

A denúncia

O Ministério Público Federal denunciou Lula em setembro do ano passado; segundo a acusação formal, a OAS pagou R$ 87 milhões de propina em contratos da Petrobrás dos quais R$ 3,7 milhões beneficiaram, pessoalmente, Lula.

R$ 1,3 milhão

ARMAZENAMENTO DE BENS DO ACERVO PRESIDENCIAL

R$ 2,4 milhões

RESERVADO TRIPLEX NO GUARUJÁ E REFORMAS NO IMÓVEL

R$ 3,7  milhões

‘CONTRAPARTIDA’

Segundo o Ministério Público Federal, em troca dos pagamentos ao petista, a empreiteira teria sido beneficiada com contratos da Petrobrás

CRIMES ATRIBUÍDOS A LULA

● Corrupção passiva

● Lavagem de dinheiro

OUTROS RÉUS

Além de Lula, seis investigados foram denunciados no caso

As versões sobre o apartamento

Negócio

Léo Pinheiro

EX-PRESIDENTE DA OAS

Ex-executivos da OAS

● O triplex está no nome da OAS e, segundo o ex-presidente da empreiteira Léo Pinheiro, não foi feita a transferência do imóvel para o nome de Lula por um pedido de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, e de João Vaccari Neto, ex-presidente da Bancoop

Defesa de Lula

● No plano de recuperação judicial da OAS, apresentado em 2015, a empreiteira relacionou entre seus ativos o triplex 164-A, o que, segundo a defesa de Lula, confirma que o apartamento “jamais foi dado ao ex-presidente”

Lula no depoimento a Moro

● Ex-presidente afirmou que a OAS pretendia vender o triplex para sua família, mas que, após ir ao local uma única vez, não “gostou” e desistiu do negócio. No entanto, sua mulher, Marisa Letícia, queria o apartamento “para fazer investimento”

Propriedade

Léo Pinheiro e ex-executivos da OAS

Ex-executivos da OAS

● Léo Pinheiro afirmou que o triplex 164-A pertencia a Lula. Ele relatou dois encontros com o ex-presidente no Instituto Lula para tratar do imóvel. Um ex-diretor da empreiteira afirmou ainda que o triplex “nunca” foi colocado para venda pública porque era uma “reserva”

Defesa de Lula

● Em 2005, a mulher de Lula, Marisa Letícia, adquiriu a opção de compra do imóvel após a conclusão da obra ou a restituição do capital investido.

No entanto, Marisa desistiu de ficar com o imóvel e, em 2015, assinou termo da Bancoop requerendo “demissão” do empreendimento

Lula no depoimento a Moro

● Lula afirmou que não solicitou nem recebeu o triplex no Guarujá.

Também disse que não pediu reformas no imóvel. “A verdade e o seguinte: não solicitei, não recebi, não paguei e não tenho nenhum triplex”, disse o petista. Segundo ele, Marisa Letícia não fechou o negócio

Visitas

Léo Pinheiro e  testemunhas

Ex-executivos da OAS

● Em depoimento, Léo Pinheiro relatou visita feita pelo petista, em janeiro de 2014, à propriedade no litoral de São Paulo. O imóvel foi reformado pela OAS e, ainda segundo relatos de testemunhas, a família de Lula acompanhou as obras

Defesa de Lula

● Após visitar o Edifício Solaris e verificar que não tinha interesse na aquisição da unidade 164-A, o casal Lula e Marisa optou, de acordo com advogados, por pedir a restituição dos valores investidos no negócio

Lula no depoimento a Moro

● Afirmou que só tomou conhecimento do triplex em 2013 e que, em fevereiro de 2014, fez uma única visita ao imóvel com a mulher, Marisa Letícia. Disse que Marisa foi novamente ao local, mas que só soube da visita depois

 

O Estado de São Paulo, n. 45131, 11/05/2017. Política, p. A6