Valor econômico, v. 18, n. 4257, 18/05/2017. Política, p. A8

Em meio a buzinaço, Temer suspende agenda

 

Andrea Jubé
Bruno Peres
                                                                                               

O presidente Michel Temer negou ontem à noite, por meio de nota, sua participação em esquema para comprar o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha e do operador Lúcio Funaro. Uma reunião de emergência com ministros, convocada para discutir a crise, durou cerca de três horas, até às dez da noite, quando Temer deixou o Planalto. O clima era de tensão máxima, mas a sinalização do presidente era de que lutaria para sobreviver no governo.

Ao final da reunião, um dos auxiliares de Temer disse aos jornalistas que hoje será um dia de trabalho normal no Palácio. "Tudo que tem que ser dito sobre esse assunto foi dito na nota", disse o secretário especial de Comunicação Social, Márcio de Freitas. "Amanhã [hoje] vamos trabalhar normalmente, agora vamos descansar", completou, sobre o dia de hoje.

A nota diz o seguinte: "O presidente Michel Temer jamais solicitou pagamentos para obter o silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha. Não participou e nem autorizou qualquer movimento com o objetivo de evitar delação ou colaboração com a Justiça pelo ex-parlamentar", diz a nota, assinada pela Secretaria de Comunicação Social (Secom).

Na manifestação, Temer confirma o encontro com o empresário Joesley Batista, autor da gravação, que ocorreu no começo de março, no Palácio do Jaburu. "Mas não houve no diálogo nada que comprometesse a conduta do presidente da República", diz a nota.

No comunicado, Temer defende "ampla e profunda investigação" das denúncias com a responsabilização dos envolvidos "em quaisquer ilícitos que venham a ser comprovados".

Nos bastidores, assessores ponderam que não há provas de comprometimento de Temer. Na delação, Joesley afirma que ao revelar que estaria comprando o silêncio de Eduardo Cunha e do doleiro Lúcio Funaro, Temer teria afirmado: "Temos que manter isso, viu?" Mas esse áudio não foi divulgado e aguarda homologação do ministro relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, que participou da reunião de emergência com Temer no Planalto, pediu cautela. "Vamos ver. Vamos ver", disse ao Valor. Ele soube da denúncia pela televisão e aguardava uma reunião com Temer no palácio para tratar do novo Refis. Antes de assumir o cargo, Meirelles era presidente do Conselho de Administração da holding J&F, de Joesley e Wesley Batista, autores da delação premiada.

No momento em que a informação se espalhava o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, participava de coquetel oferecido à missão do Fundo Monetário Internacional (FMI). Tesouro Nacional e Banco Central terão papel relevante hoje na atuação dos mercados de juros, câmbio e ações.

Quando soube da delação premiada do grupo JBS, que o compromete, divulgada no site do jornal "O Globo" por volta das 19h30, Temer suspendeu uma agenda com governadores do Nordeste e convocou uma reunião com ministros, assessores e aliados de primeira hora no Congresso.

Com buzinaço e protestos do lado de fora do Planalto, Temer discutia, no gabinete do terceiro andar, o que dizer sobre a denúncia com os ministros e auxiliares mais próximos. Além de Meirelles, reuniram-se com Temer Eliseu Padilha (Casa Civil), Moreira Franco (Secretaria-Geral) e Antônio Imbassahy (Secretaria de Governo), o porta-voz, embaixador Alexandre Parola, e do secretário de Imprensa, Márcio de Freitas.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que teve de encerrar a sessão mais cedo, chegou correndo ao Planalto. Na mesma correria, surgiu o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). Ambos juntaram-se à reunião.

No momento da divulgação da matéria, no site do jornal "O Globo", Temer estava reunido com o governador da Bahia, Rui Costa (PT), com o governador de Sergipe, Jackson Barreto (PMDB), e vice-governadores do Ceará, Piauí e da Paraíba.

A avaliação unânime no Planalto era de que a crise é gravíssima e o ambiente de incerteza. Segundo a matéria do jornal "O Globo", a delação premiada do grupo JBS inclui a gravação de um diálogo com Michel Temer, feita em março, em que o presidente indica o deputado federal Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) para resolver um assunto da J&F.

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Para aliados, cassação da chapa é "saída honrosa"

Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Vandson Lima
Fabio Murakawa
Luísa Martins
Daniel Rittner
 

A oposição cobrou a renúncia do presidente Michel Temer e a realização de eleições diretas após denúncias de que o pemedebista deu aval para a compra de silêncio do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Caso ele não renuncie, afirmaram oposicionistas, eles cobrarão do presidente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) - que assumiria o país enquanto Temer estivesse afastado e até a convocação de novas eleições -, a abertura de um processo de impeachment.

PT, PCdoB, Psol, PDT e Rede protocolarão hoje, às 11h, pedido de impeachment por crime de responsabilidade e defenderão a aprovação de proposta de emenda à Constituição (PEC) do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) para realização de eleições diretas a qualquer momento do mandato. "O artigo 6º da Lei 1079 diz que obstruir a Justiça é crime. Estamos avaliando se cabe ação ao Supremo Tribunal Federal", afirmou o deputado Rubens Pereira (PCdoB-MA).

O deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) antecipou-se e, pouco depois das denúncias, já protocolou documento com seis páginas solicitando o impedimento por "comportamento incompatível com decoro do cargo". Nem toda a oposição, porém, concorda com essa alternativa, que demoraria meses até levar ao afastamento e daria tempo ao governo para tentar se recompor.

Líder do governo no Senado, e um dos poucos que se dispôs a falar, Romero Jucá (PMDB-RR) afirmou que não tinha informações sobre a acusação, mas que quem está na vida pública "tem que dar explicações". "A consequência política é um embate. A oposição quer pedir impeachment, é uma discussão a ser feita. Tudo deve ser investigado", afirmou, procurando minimizar a gravidade da delação. "É uma denúncia de tantas. Na maioria das delações, o PT descredencia. Se envolve o governo, é válida [para eles]", rebateu.

Mas muitos na base não se mantiveram incondicionalmente ao lado do governo. Presidente do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força (SP) afirmou que não há mais condições de aprovar nenhuma reforma após as denúncias. Sobre se permanece na base, disse que era melhor aguardar até amanhã [hoje]. "Já estamos meio rebeldes", afirmou. O deputado João Henrique Caldas (PSB-AL), 3º secretário da Câmara, também protocolou impeachment.

No grupo de WhatsApp dos deputados do PMDB, os comentários variavam de "tsunami" a "é hora de ficar calado". Líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB) afirmou que o Congresso tem que tocar as reformas, mas reconheceu que o caso é "grave".

Câmara e Senado encerraram as sessões, em que votavam projetos de interesse do governo, logo após as revelações pelo jornal "O Globo". O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), não quis comentar. Rodrigo Maia saiu do Congresso às pressas dizendo que "tem que ver o que tem" na denúncia. "Não tem mais condições de trabalhar", afirmou, ao deixar o plenário em direção ao Palácio do Planalto.

Parlamentares de PSDB, PMDB e outros partidos da base deixaram o plenário dizendo que o governo caiu. Um senador governista admitiu e que há grande chance de reversão no cenário desenhado para o julgamento da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - a expectativa, até então, era de absolvição do pemedebista em junho. Para esse aliado, a cassação da chapa tornou-se uma "saída honrosa".

Já havia pedido de impeachment, paralisado porque a base não indicou os integrantes da comissão. Mas parlamentares ressaltam que, além de se referir a denúncia bem mais fraca - a participação nas pedaladas - a antiga acusação se tratava de fato anterior ao mandato. "Agora não tem escapatória", afirmou o ex-presidente do Conselho de Ética da Câmara, José Carlos Araújo (PR-BA).

Líder da oposição na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) defendeu que Temer renuncie e eleições diretas - o que, pela Constituição, não ocorreria, já que se passou mais de metade do mandato presidencial. "A oposição não participará de tratativas para eleições indiretas", afirmou.

Além disso, a oposição obstruirá todos os trabalhos do Congresso até o afastamento do presidente. Há mais de dez medidas provisórias na pauta que, se não votadas em duas semanas, perderão a validade, como o Refis, a reforma em benefícios do INSS, permissão para desconto no pagamento em dinheiro e liberação do saque do FGTS.

Embora Rodrigo Maia seja o primeiro na linha sucessória da Presidência da República, parlamentares avaliavam que o STF pode inviabilizá-lo. Ele e Eunício Oliveira, são investigados na Operação Lava-Jato. Caso virem réus, ficariam impedidos de assumir à Presidência e o posto seria ocupado pela presidente do Supremo, Carmen Lúcia.

A Ordem dos Advogados do Brasil defendeu que as gravações citadas pelos donos do frigorífico JBS, Joesley e Wesley Batista, precisam ser tornadas públicas, na íntegra, o mais rapidamente possível e que os fatos relevados são "são estarrecedores, repugnantes e gravíssimos".

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Segundo Joesley, Mantega era o elo com PT

 

Lauro Jardim


Nem Antonio Palocci, nem Lula. De acordo com o que Joesley Batista contou em sua delação, o ex-ministro Guido Mantega era o seu elo com o PT. Relatou que havia uma espécie de conta corrente para o PT na JBS. Por meio dela, e tendo sempre Mantega como intermediário, irrigava os bolsos de parlamentares petistas.

Ao falar de Mantega, os delatores afirmam que era ele quem operava para o grupo no BNDES. Portanto, eram através de tratativas diretamente com Mantega que se negociavam os aportes ao grupo J&F. Os delatores ressaltam, no entanto, que Mantega não pegava o dinheiro para si próprio, mas sim para o partido.

Joesley disse aos procuradores que Luciano Coutinho, o presidente do BNDES em quase toda a era petista, era duro nas negociações. Mas admite que às vezes se reunia com Coutinho e parecia que Mantega, com quem tratava de propinas para o PT, já antecipara os assuntos da JBS para ele.

Palocci entrou em situação mais light. Joesley disse que o contratou como consultor quando a JBS começou sua escalada. Mas, segundo ele, Palocci atuava mais como uma espécie de "professor de política" ao empresário então neófito entre os gigantes da indústria e da política. Garantiu que Palocci nunca se meteu em seus pleitos ao BNDES - tarefa de Mantega. Mas admitiu que o ex-ministro de Dilma e Lula pediu a ele doação de campanha, via caixa dois. E o dinheiro, claro, foi dado.

Em relação a Lula, Joesley afirmou aos procuradores que não tinha intimidade com o ex-presidente. Narrou, entretanto, um encontro com Lula em que, preocupado, reclamou que as doações, no caixa um ou dois, estavam atingindo cifras astronômicas. Já estariam chamando a atenção. Segundo Joesley, Lula ficou quieto, nada falou e não esticou o assunto.

Em 2014, a JBS foi a maior doadora de campanha: R$ 366 milhões, repassados a diversos partidos, de acordo com dados do TSE. Nesta prestação de contas, claro, só aparece o dinheiro "por dentro". (Colaborou Guilherme Amado)

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Em gravação, Aécio pede R$ 2 milhões a empresário

 

Lauro Jardim
Guilherme Amado

 

Joesley Batista entregou à Procuradoria-Geral da República (PGR) uma gravação que piora de forma descomunal a tempestade que já cai sobre a cabeça de Aécio Neves. No áudio, o presidente do PSDB surge pedindo nada menos que R$ 2 milhões ao empresário, sob a justificativa de que precisava da quantia para pagar despesas com sua defesa na Lava-Jato. O diálogo gravado durou cerca de 30 minutos. Aécio e Joesley encontraram-se no dia 24 de março no Hotel Unique, em São Paulo. Quando Aécio citou o nome de Alberto Toron, como o criminalista que o defenderia, não pegou o dono da JBS de surpresa. A menção ao advogado já havia sido feita pela irmã do senador, Andréa Neves. Foi ela a responsável pela primeira abordagem ao empresário, por telefone e WhatsApp.

As investigações, contudo, mostrariam para a PGR que esse não era o verdadeiro objetivo de Aécio. O estranho pedido de ajuda foi aceito. O empresário quis saber, então, quem seria o responsável por pegar as malas. Deu-se, então, o seguinte diálogo, chocante pela desfaçatez com que Aécio trata o tema:

" Se for você a pegar em mãos, vou eu mesmo entregar. Mas, se você mandar alguém de sua confiança, mando alguém da minha confiança " propôs Joesley.

"Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu. Vamos combinar o Fred com um cara seu porque ele sai de lá e vai no cara. E você vai me dar uma ajuda do caralho " respondeu Aécio.

O presidente do PSDB indicou um primo, Frederico Pacheco de Medeiros, para receber o dinheiro. Fred, como é conhecido, foi diretor da Cemig, nomeado por Aécio, e um dos coordenadores de sua campanha a presidente em 2014. Tocava a área de logística. Quem levou o dinheiro a Fred foi o diretor de Relações Institucionais da JBS, Ricardo Saud, um dos sete delatores. Foram quatro entregas de R$ 500 mil cada uma. A PF filmou uma delas. No material que chegou às mãos de Fachin na semana passada, a PGR diz ter elementos para afirmar que o dinheiro não foi repassado a advogado algum.

As filmagens da PF mostram que, após receber o dinheiro, Fred repassou, ainda em São Paulo, as malas para Mendherson Souza Lima, secretário parlamentar do senador Zezé Perrella (PMDB-MG). Mendherson levou de carro a propina para Belo Horizonte. Fez três viagens - sempre seguido pela PF. As investigações revelaram que o o assessor negociou para que os recursos fosse parar na Tapera Participações Empreendimentos Agropecuários, de Gustavo Perrella, filho de Zezé Perrella.

Em nota, Aécio se disse "absolutamente tranquilo quanto à correção de todos os seus atos". De acordo com Aécio, a relação com Joesley Batista era "estritamente pessoal, sem qualquer envolvimento com o setor público".