Depoimento é marcado clima de tensão

11/05/2017

 

 

EX-PRESIDENTE RÉU / Ex-presidente se exalta com insistência de juiz e é advertido por ter dito que 'mandaria prender

Frente a frente pela primeira vez, o juiz Sérgio Moro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tiveram ontem um encontro marcado por momentos de tensão. Logo ao abrir a audiência, Moro tentou dirimir o nervosismo ao dizer que não tem desavenças com o petista e que não haveria a hipótese de ele sair dali preso. O petista chegou a se exaltar com a insistência de Moro em alguns temas, enquanto o magistrado foi alvo de manifestações de advogados para que não fizesse perguntas que fugissem do escopo da ação penal.

Uma delas foi em relação à declaração de Lula de que mandaria prender investigadores e membros da imprensa, feita em evento do PT na semana passada. “O que o senhor quis dizer com esse tipo de declaração?”, questionou o juiz. “Eu quis dizer o seguinte. A história não para com esse processo, a história um dia vai julgar se houve abuso ou não de autoridade nesse caso do comportamento, tanto da Polícia Federal quanto do Ministério Público, no meu caso.”

Após Moro insistir, questionando se seria apropriado um ex-presidente fazer tal tipo de declaração, Lula mudou de tom e afirmou ter dito como “força de expressão”.

Interrompido seguidas vezes por advogados de defesa, Moro justificou a pergunta pelo caráter jurídico. E repetiu: “O senhor acha apropriado esse tipo de declaração?”

“Já falei que foi um ato de força de expressão”, respondeu um incomodado Lula. “Talvez o senhor não devesse fazer esse tipo de declaração”, concluiu Moro.

O ex-presidente também demonstrou desconforto após perguntas de Moro sobre sua relação com o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

Questionado seguidas vezes se alguma vez havia indagado o ex-tesoureiro sobre vantagens indevidas, se exaltou: “Não interessa se eu perguntei ou não.”

Em outro momento tenso, o petista também se exaltou diante de uma das perguntas feitas pelo magistrado sobre a Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e disse que “quem está sendo julgado é o estilo de governar”, não a acusação específica de ocultar a posse de um triplex no Guarujá.

“Desde que foi criado o contexto, da caçamba feita pelo Ministério Público, na questão do Power Point, quem está sendo julgado é o estilo de governar, é um jeito de governar”, disse Lula.
O juiz deixou o ex-presidente falar e, ao fim, negou as afirmações. Lula, então, continuou: “O que interessa saber ao Ministério Público se eu fui em uma inauguração de terraplanagem? Era a coisa mais extraordinária para esse País fazer a primeira refinaria depois de 30 anos, doutor”, afirmou o ex-presidente, com o dedo em riste.

PRÓXIMOS PASSOS

1 Interrogatório

A audiência de ontem foi a oportunidade dos réus – Lula e outras seis pessoas – do processo falarem sobre as acusações de crimes que são imputadas a eles. O interrogatório marca o fim da etapa de instrução da persecução penal, que abrange a investigação e a ação penal

2 Alegações finais da acusação

Terminada a fase de interrogatórios dos réus, o juiz abre prazo de 10 dias para o Ministério Público Federal fazer suas alegações finais contra Lula e os demais réus

3 Alegações finais da defesa

Entregues os memoriais da acusação, é aberto prazo de mais 10 dias para que as últimas manifestações da defesa sejam apresentadas

4 Sentença

Superada essa etapa – interrogatório e alegações finais –, o juiz Sérgio Moro começa a contar o prazo para dar sua sentença, o que deve ocorrer entre o fim de junho e meados de julho, se não houver interrupções no processo

5 Recurso

Em caso de condenação, Lula pode recorrer ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, o cumprimento da pena começa apenas após a confirmação da sentença em segunda instância (TRF-4)

6 Disputa eleitoral

O eventual impedimento de Lula concorrer à Presidência da República em 2018 só ocorre na Justiça Eleitoral após a confirmação da sentença na segunda instância da Justiça

 

O Estado de São Paulo, n. 45131, 11/05/2017. Política, p. A7