Planalto tenta ganhar tempo para superar crise

Raymundo Costa

19/05/2017

 

 

A maior preocupação agora do Palácio do Planalto é "conter a sangria" na base aliada do governo, pois é com os deputados e senadores que o governo conta para ganhar tempo a fim de tentar se estabilizar e sobreviver à mais grave crise política brasileira deste século, que ameaça cortar a cabeça de um segundo presidente da República, no espaço de tempo de pouco mais de dois anos. Além do PSDB e do PPS, também no PSB há pressão pela saída do ministro Fernando Coelho Filho, das Minas e Energia.

A preocupação dos caciques do Congresso pode ser vislumbrada na hora do pronunciamento do "fico" de Temer, no gabinete do presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), para onde acorreram Renan Calheiros, adversário de Temer, o ex-presidente José Sarney, sujeito oculto de muitas decisões partidárias, os senadores pemedebistas Jader Barbalho (PA), Simone Tebet (MS) e Walmir Moka (MT) e o petista Jorge Viana (AC).

O discurso foi aprovado por todos, que respiraram aliviados - além do mandato de Temer, permeia a crise um conflito entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), que agora afastou do mandato mais um senador, Aécio Neves, presidente do PSDB. A opinião dos pemedebistas é a de que Temer fez um pronunciamento "vigoroso", talvez o mais contundente de sua carreira cinquentenária na política.

A alternativa da renúncia, embora seja descartada por Temer e seus auxiliares mais próximos, como Moreira Franco (Secretaria Geral) e Eliseu Padilha (Casa Civil), é real, se o presidente não conseguir se recompor politicamente ou não conseguir conter a força das manifestações populares. Neste caso, assume a Presidência da República o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o Congresso, num prazo de até 30 dias, deve eleger indiretamente um novo presidente para o cargo.

Rodrigo presidente, quem organiza a eleição é o presidente do Congresso, Eunício Oliveira. Qualquer cidadão brasileiro em dia com seus direitos políticos pode se candidatar, mas é improvável que nomes como os próprios Rodrigo e Eunício se apresentem. Há no STF um pedido de abertura de inquérito contra Rodrigo, por envolvimento na Lava-Jato. Ontem foi aberto o segundo inquérito contra Eunício. "Não por acaso", dizem os aliados do senador. Eunício é o segundo na linha sucessória.

Governo e Congresso coincidem nesta avaliação: a denúncia contra Temer não surgiu por acaso no melhor momento do presidente no governo, quando estava prestes a votar a reforma que acaba com privilégios na alta burocracia do serviço público.

O problema da eleição direta, neste momento, é a ausência de candidatos que possam unir o país. Os candidatos do PSDB estão derretendo. O senador Aécio Neves, que disputou a última eleição voto a voto com a ex-presidente Dilma Rousseff pode ser preso. Ainda entre os tucanos, Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, tem chances jurídicas de sobreviver à Lava-Jato, mas virou poeira política diante da ascensão de João Doria - que ainda precisa passar pelo teste de governar a maior cidade do país. Resta Tasso Jereissati (PSDB-CE), um nome que até agora passou ao largo da Lava-Jato e cada vez mais é lembrado pelos tucanos.

A vantagem de Lula nas pesquisas anima o PT, diante da ruína política de Temer, mas a última semana também não foi favorável ao ex-presidente da República. Difícil dizer até quanto ele pode resistir e superar os ataques numa campanha. O deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) cresceu na crise dos partidos e políticos tradicionais, mas a tradição do país nunca foi pelo extremo. No quadro político tradicional, resta ainda Marina Silva (Rede), que também não consegue manter nas pesquisas o desempenho das duas últimas eleições.

O quadro é desolador quando se fala na eleição indireta pelo Congresso, que é o remédio prescrito pela Constituição, na hipótese de Temer renunciar ou de a chapa Dilma-Temer ser impugnada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Os dois próximos nomes na linha são o do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, e o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), presidente do Senado. Citados na Lava-Jato, dificilmente teriam condições de levar a bom termo a travessia até as eleições de 2018.

O terceiro nome na linha sucessória é o da ministra Carmen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), que tem uma imagem mais bem sintonizada com as ruas. A presidente do STF assumiria a Presidência da República temporariamente, até o Congresso eleger um novo presidente, assim como o ministro Ricardo Lewandowski presidiu um Senado durante o julgamento da ex-presidente Dilma. Se quiser ser candidata a completar o mandato de Temer e ficar até 2018, Cármen Lúcia, no entanto, teria de renunciar à Presidência do Supremo. No quadro atual, o Congresso também teria dificuldade para eleger alguém do STF.

Há especulação sobre vários nomes para uma disputa indireta. Quase todos acompanhados de uma restrição. O ministro Henrique Meirelles (Fazenda) seria a garantia do prosseguimento das reformas, mas não só teve ligação funcional com o grupo JBS como também as reformas dividem o país. O ex-ministro Nelson Jobim tem trânsito no PMDB, PSDB e PT - mas não só organizou a defesa das empresas da Lava-Jato como agora é associado do banco BTG-Pactual.

Apesar da pressão do PT e de outros partidos à esquerda, a saída constitucional é a que mais une os partidos da base aliada de Temer: assume o presidente da Câmara e elege um presidente para completar o mandato. Mas começa a haver consenso que o atual ambiente de radicalização exige ao menos uma trégua política. Trégua na qual não acreditam os auxiliares de Temer no Palácio. "Ninguém está interessado numa trégua", diz um aliado.

 

 

 

Valor econômico, v. 17, n. 4258, 19/05/2017. Política, p. A6.