Enorme retrocesso

CHICO D’ANGELO

31/07/2017

 

 

Tema em discussão: Reforma trabalhista

 

Encontra-se em curso um dos mais graves atentados à cidadania brasileira de todos os 517 anos de nossa história. A expressão “Reforma Trabalhista” é apenas um eufemismo para um conjunto de medidas que oferecem ao trabalhador um retrocesso imenso, com a retirada de garantias mínimas e com a desqualificação de postos de trabalho. Em troca, nada além de promessas de um futuro que não chegará. A experiência internacional demostra que este saque aos direitos trabalhistas é incapaz de enfrentar o desemprego, e apenas produz iniquidades na sociedade.

Mesmo em análise superficial, é possível perceber a dimensão do engodo da dita reforma. Alguém poderá crer que a contratação de autônomos — a chamada pejotização — poderá gerar empregos de boa qualidade, sem atentar contra o direito fundamental de uma relação de emprego protegida? A liberação da terceirização irrestrita cria a aberração de remunerações diferentes para a mesma função e, no caso das empresas públicas, contorna desavergonhadamente o imperativo do concurso público.

No caso das flexibilizações da jornada de trabalho e da redução das horas de descanso, o trabalhador ficará sujeito a turnos extenuantes, à maior incidência de acidentes, amparado apenas por um acordo com o empregador. E, certamente, não há dúvidas sobre o ambiente e os termos desiguais em que se darão tais acordos. Com a redução de suas responsabilidades, caberá ao empregador apenas informar ao trabalhador sobre riscos de doenças e acidentes a que está sujeito.

As convenções e acordos coletivos estarão situados acima da lei, criando possibilidade de extinguir ou reduzir direitos. Entre aspectos que ainda restariam, um último e ultrajante: na impossibilidade de extingui-la (como já reiteradamente proposto), será limitado ao trabalhador o acesso à Justiça do Trabalho pela assinatura de um “termo de quitação anual”, que afastará as demandas da Justiça, e pela atribuição do pagamento dos gastos processuais pelo autor da ação, mesmo se tiver direito à justiça gratuita.

A CLT tem 74 anos, é natural a necessidade de lhe fazer reparos e acréscimos. O que agride a cidadania é que, sem um mínimo de aprofundamento e debate, um chefe de executivo que se mantém apenas às custas da barganha da liberação de emendas e um Congresso com baixíssima legitimidade, resolvam promover mudanças agressivamente inconstitucionais — inconstitucionalidade reforçada pelo MPT —, que violam princípios da dignidade humana e proteção social do trabalho.

O Brasil avança celeremente para o atraso. Em breve, nosso trabalhador voltará a sofrer no tripalium, o instrumento de tortura medieval que deu origem à palavra trabalho. Menos postos de trabalho, empregos menos qualificados, menores salários e retração do mercado interno. Por fim, as indústrias não terão a quem vender seus produtos. Haverá muito choro e ranger de dentes em função desse enorme retrocesso.

 

*Chico D’Angelo é deputado federal (PT-RJ)

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Mais emprego formal

31/07/2017

 

 

Tema em discussão: Reforma trabalhista

É grande o avanço conseguido pela reforma trabalhista recém-aprovada no Congresso, apesar da crise política, porque nela se destaca a aceitação, afinal, do conceito de que o “negociado” se sobrepõe ao “legislado”. Significa que, enfim, nem tudo que estabelece a esclerosada Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), da década de 40 do século passado, poderá fazer com que a Justiça trabalhista invalide acordos firmados formalmente entre patrões e empregados, por meio dos respectivos sindicatos.

Ficam, porém, preservados direitos trabalhistas básicos, como o salário mínimo, o FGTS e férias, por exemplo. Mas inúmeras outras questões existentes na relação trabalhista passam a ser reguladas em comum acordo entre patrões e empregados, sem interferência do Estado, característica básica da CLT, herança persistente do varguismo, contaminada pela visão fascista de que a sociedade deve ser tutelada de cima para baixo.

O Brasil se desenvolveu, deixou de ser um país apenas agrário, industrializou-se, mudou-se do campo para a cidade, mas esta visão arcaica foi mantida e, curiosamente, é defendida no Brasil por forças de esquerda, mesmo que tenha sido destilada pelo fascismo do italiano Benito Mussolini.

Com o passar do tempo, o que havia sido feito para proteger o trabalhador começou a prejudicá-lo. Dado o elevado e crescente custo que passou a ter o emprego formal, apenas uma parcela dos empregos gerados tem os benefícios listados pela CLT. Afinal, os chamados encargos trabalhistas chegam a representar para o empregador um salário a mais para cada um pago. Acrescente-se o risco jurídico do empregado para o empregador. Nos melhores momentos da economia, o emprego formal, de carteira assinada, não beneficia muito mais que a metade da força de trabalho. Portanto, defender a continuação da CLT como ela era até a reforma significa defender privilégios de uma minoria.

A flexibilização dos contratos de trabalho tende a reduzir o custo da criação de empregos formais, porque, por exemplo, reduzirá a litigância judicial. O anacronismo da CLT é o principal motivo pelo qual o Brasil é campeão em processos trabalhistas — até porque este ramo da Justiça não existe em todos os países. Dados: no ano passado, estima-se que deram entrada na Justiça trabalhista três milhões de novas ações. Enquanto conflitos trabalhistas ajuizados na França chegam, por ano, a 75 mil; nos Estados Unidos, a 135 mil. Os Estados Unidos são um dos países em que inexistem um segmento específico da Justiça para tratar dessas demandas. Neles muito daquilo que gera desavenças judiciais no Brasil é acertado antes, entre as partes. Este é o conceito da reforma.

Mas será longa a batalha para a mudança da cultura brasileira de dependência do Estado. Por isso, será necessário acompanhar a aplicação dessas novas regras liberalizantes, (...)

O globo, n.30674 , 31/07/2017. EDITORIAL, p.14