A MP que quer imobilizar o BNDES

Thiago Mitidieri

18/07/2017

 

 

As próximas semanas serão decisivas para o futuro do BNDES, pois serão marcadas pelas discussões finais a respeito da MP 777, que dispõe sobre a mudança na taxa de juros atual aplicada pelo banco para investimentos de longo prazo, a segura TJLP, pela TLP, regulada pelo mercado. Diferentes interesses econômicos estão em lados opostos na discussão, que se desdobra também numa disputa sobre o sentido da medida do governo no atual momento de grave crise, com 14 milhões de desempregados.

De um lado, a MP pune o setor produtivo empregador, que passa a ter mais barreiras para o investimento, encarecendo o custo do financiamento e aumentando o seu risco. Com isso, reduz a competitividade da indústria brasileira, especialmente a de bens de capital, favorecendo a concorrência estrangeira. Também prejudica as empresas que mais precisam de crédito ao inviabilizar o Cartão BNDES, produto voltado para o conjunto de micro e pequenas empresas e que cobre todo o território nacional.

Na outra ponta está o setor financeiro privado nacional e internacional, que ganha por passar a ter o controle quase absoluto sobre o crédito no Brasil. No âmbito do governo, prevalece a vontade da Fazenda e do BC. Perde o BNDES com a eliminação do seu principal instrumento para ser um banco de desenvolvimento.

No caso da infraestrutura, o setor não é atrativo o suficiente para os bancos privados, uma vez que o prazo de maturação dos investimentos é muito longo, e o retorno sobre o capital investido é bem mais modesto. Segundo a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib ), o déficit brasileiro no setor corresponde a R$ 3 trilhões. Vale ressaltar que até mesmo em países onde o mercado de capitais privado de longo prazo é desenvolvido e as taxas de juros são historicamente baixas e estáveis, o mercado não tem apetite para financiar investimentos em infraestrutura.

E, em que pese essa realidade, o maior obstáculo ao desenvolvimento do mercado de capitais privado de longo prazo no Brasil não é nem o BNDES nem a TJLP; mas sim a Selic, por ser uma taxa de juros básica muito elevada e operada de forma descoordenada. A Selic é a maior anomalia da economia brasileira, fruto de uma política monetária insensível ao lado real e principal responsável pelo “problema fiscal” da União.

É importante que fique claro que os funcionários do BNDES se opuseram e rejeitaram a proposta de extinção da TJLP em assembleia realizada em abril deste ano. A elaboração, capitaneada pelo ex-diretor Vinicius Carrasco, foi muito discutida com a Fazenda e o BC, mas não com o Banco, que é a parte mais afetada pela MP 777.

Que se diga como um alerta, que essa medida é uma “inversão de prioridade” da política econômica. Pois, no momento que o país mais precisa de um banco de desenvolvimento para financiar investimentos que possam contribuir para retomar o crescimento da economia, o governo está decidindo imobilizar o BNDES, cuja consequência será afundar a economia brasileira ainda mais na recessão.

Mas o jogo é pesado. No momento em que o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, sinalizava preocupações com as consequências danosas da medida, os interesses econômicos que se beneficiam dela começaram a se rearticular politicamente e, de modo habitual, a dirigir sua “artilharia” para provocar o recuo do presidente, o que acabou acontecendo ontem, um pouco antes de ser iniciada a primeira audiência pública sobre a MP.

O desfecho, que se dará no Congresso Nacional dentro de um mês, deixará patente o peso dos diferentes interesses econômicos dominantes no país e quais os cenários possíveis para o desenvolvimento e o futuro da economia (e da sociedade) brasileira.

O globo, n.30661 , 18/07/2017. ARTIGOS, p. 15